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Compreendendo o processo de recuperação física e 

psicológica de atletas de futebol de alto rendimento

Comprendiendo el proceso de recuperación física y psicológica de jugadores de fútbol de alto rendimiento

 

*Autor - Aluno regular do Programa de Mestrado em Ciências do Movimento Humano – CEFID / UDESC

Pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício

LAPE - Florianópolis – SC

**Aluno regular do Programa de Mestrado em Educação Física – UFSC

***Psicóloga e Aluna especial do Programa de Mestrado em Ciências do

Movimento Humano – CEFID / UDESC

****Graduado em Educação Física CEFID / UDESC

*****Coordenador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício

LAPE – CEFID / UDESC

Msd. Whyllerton Mayron da Cruz*

Msd. Gilmar Staviski**

Esp. Juliana Felipe***

Prof. Vinicius Zeilmann Brasil****

Dr. Alexandro Andrade*****

whmcruz@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O futebol de alto rendimento é caracterizado como um esporte de disputa coletiva que exige um treinamento intenso e um grande esforço físico. Nos últimos tempos a modalidade vem sofrendo transformações e o seu contexto esportivo tem exigido uma adaptação rápida dos atletas sem que o desempenho seja prejudicado. Essas novas demandas incluem uma série de fatores físicos, psicológicos e sociais que têm induzido o surgimento do estresse competitivo. O presente estudo tem o objetivo de revisar e refletir os aspectos importantes que abordam a recuperação física e psicológica dos atletas no futebol de alto rendimento, considerando esta complexa relação como fator proeminente na promoção do desempenho e da saúde do atleta em seu contexto esportivo.

          Unitermos: Futebol. Recuperação. Psicologia do esporte

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 137 - Octubre de 2009

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Introdução

    Os estudos em psicologia do esporte pretendem observar os fenômenos de maneira multidimensional e integrada sem restringir-se a apenas um aspecto. No caso da modalidade esportiva futebol, tema deste trabalho, é percebido dentro das características de seu contexto, como um fenômeno extremamente complexo, sobretudo, no que se refere ao alto rendimento. Pesquisadores alertam que o futebol é um esporte com múltiplas faces, necessitando de perfeita interligação entre os aspectos físicos, técnicos, táticos e psicológicos para uma satisfatória compreensão (BRANDÃO, 2000; GOMES, 2003).

    Ao longo dos anos, o futebol, com sua magia e encanto, veio se tornando o esporte mais popular dos tempos modernos (GARRETT e KIRKENDALL, 2003; WEINECK, 2000; GOMES, 2003). Contudo, com a globalização ditada pelo neoliberalismo na pós-modernidade, o envolvimento de vários segmentos da sociedade, como a mídia especializada, marketing esportivo e a organização dos clubes - nas várias categorias e divisões – também possibilitaram em grande escala o seu avanço e o aumento significativo de adeptos e de atletas em todo o mundo (RÚBIO, 2004).

    Pesquisadores caracterizam o futebol de alto rendimento como uma modalidade de disputa coletiva, com grande variabilidade de tempo na preparação, com esforços físicos intensos que exige, seja em treinamentos ou em competições. Além disso, o futebol jogado atualmente, por ser um jogo não-continuo, imprevisível e intermitente, possui uma demanda bastante elevada em relação às cargas de treinamento (DRUST, et al. 2000; GOMES, 2003; TUBINO, 2003; BOMPA, 2005). As sessões de treinamento dos atletas de alto nível, em sua maioria, são constituídas por trabalhos anaeróbios, seguidos de exercícios contínuos de corrida, que tem como objetivo principal à preparação tática e técnica, que são aplicados nos fundamentos básicos do jogo (NICHOLAS, et al. 2000, BARROS e GUERRA, 2004; GARRETT e KIRKENDALL, 2003).

    Um dos principais objetivos visados pelos clubes e preparadores físicos com os programas de treinamento no futebol de alto rendimento é a maximização da performance do atleta e da equipe para conquistas de campeonatos e projeção profissional. Seguindo essa premissa, a organização e a operacionalização da comissão técnica das equipes têm fortemente se orientado com base nas próprias experiências e no conhecimento científico, sobretudo aqueles originados das ciências do esporte. Entre os propósitos que acompanham o desejo de maximizar os potenciais dos atletas, está uma compreensão mais apurada dos princípios fisiológicos e psicológicos que possibilitem uma menor oscilação no rendimento dos atletas durante os treinamentos e competições (TUBINO, 1980; BARBANTI, 1997, 2001; BOMPA, 2003; GOMES, 2003).

    Além disso, tem sido observado que o nível de exigência física e psicológica que o futebol de alto rendimento impõe aos atletas requer uma adequada preparação física que sustente a busca das melhores condições técnicas e táticas que os jogos solicitam (SILVA, 2002, BARROS, 2004). Nesse sentido, Bompa (2005) considera que quanto mais alto for o nível do jogador,1 maior também será a demanda de exigência e, em conseqüência, o estresse durante uma partida. Estudiosos afirmam que o atleta bem preparado e que consegue suportar melhor a demanda de exigências inerentes aos esportes, além de se recuperar melhor, tende também a se sobressair tanto física como psicologicamente em relação aos demais que não possuem tal capacidade (KELLMANN e KALLUS, 2001; ALVES, 2005).

    Do ponto de vista psicológico, o estresse está relacionado com a ativação das funções cognitivas, psíquicas ou atividade mental (BRANDÃO, 2004). Dentro de uma visão social, que vai além dos treinos e dos limites do campo, a família, a pressão por resultados positivos nos campeonatos, cobrança da torcida, empresários, patrocinadores e a insegurança contratual dentro de uma equipe de futebol, têm sobrecarregado o atleta, que submerso a este contexto de exigências deixa de fazer com prazer aquilo que mais gosta e sabe. (SAMULSKI, 2009).

    Não o bastante, não se pode negar que esses fatores contextuais estão baseados em uma característica de sociedade fundamentalmente competitiva, no qual o desejo pelo lucro a qualquer custo (predominado pelo consumo exagerado) tem exposto também os atletas a certa vulnerabilidade que é prejudicial, não somente aquilo que se diz respeito ao desempenho, mas também a própria saúde (RUDIO, 2004).

    O futebol moderno se desenvolve e exige dos seus jogadores uma preparação que muitas vezes não leva em consideração o próprio atleta, ou seja, a necessidade de uma recuperação adequada e de se sentir bem e feliz. É nessa problemática até aqui brevemente contextualizada, que o presente estudo objetiva revisar e refletir os aspectos importantes que abordam a recuperação física e psicológica dos atletas no futebol de alto rendimento, considerando esta complexa relação como fator proeminente na promoção do desempenho e da saúde do atleta em seu contexto esportivo.

Estresse no modelo atual de preparação no futebol de alto rendimento

    De acordo com Bompa (2005) todo treinador tem o interesse em aumentar a eficiência do seu trabalho e também maximizar os potenciais técnico, tático, físico e psicológico da equipe. Vários são os modelos que a ciência do treinamento esportivo sugere na literatura especializada, no entanto, o que difere um modelo de outro, são as características específicas que cada modalidade esportiva possui.

    Weineck (2000) e Gomes (2003) afirmam que o treinamento esportivo é considerado como um estímulo ao organismo, que tem a finalidade de adaptá-lo às situações físicas, psicológicas e sociais de uma competição. A aplicação desse estímulo visa, sobretudo, a indução do estresse no organismo. Weineck (1999) pautado na teoria da supercompensação, explica que o mecanismo de aumento do desempenho só ocorre quando o estímulo ultrapassa os níveis de exigência da sessão anterior de treinamento. O autor ainda salienta, que quando há exagero nesses estímulos ou quando a fase de recuperação não é adequada, não há melhora no desempenho dos atletas.

    Zoppi et. al. (2003) observou que atualmente a distância média percorrida durante uma partida de futebol, que têm em média 90 minutos de duração, aumentou em mais de 50% quando comparado às distâncias percorridas na década de 70. Atletas de alto rendimento chegam a percorrer em torno de 10 km por jogo, o que mensurando as exigências e consumo de energia, causam forte estresse ao organismo.

    Vários autores indicam que somente nas últimas décadas houve uma considerável melhora no desempenho de jogadores de futebol, devido, sobretudo, às exigências e o aumento das cargas de treinamentos físicos. Para que o alto desempenho seja alcançado, o treinamento adequado deve servir de sustentação para uma melhor condição física, técnica, tática dos atletas e, assim, suportar uma temporada inteira de vários jogos e campeonatos a partir de uma periodização destas etapas que são distintas conforme as suas funções (GOMES, 2003; WEINECK, 2000; BANGSBO, 1994).

    No entanto, no esporte de alto rendimento, a busca pela vitória e uma melhor performance esportiva, tem exigido uma considerável demanda dos aspectos físicos e psíquicos dos atletas, afetando assim, o rendimento das equipes nas mais diferentes modalidades (BRANDÃO, 1999). Essa é uma característica percebida no atual modelo de preparação que valoriza exclusivamente o desempenho, sobretudo, no modelo de esporte espetáculo que os jogos e a mídia propiciam à população (ROSE, 2002; RUBIO, 2004).

    Este modelo exige dos atletas, constantemente, um desempenho além da normalidade, sem permissão para cometer erros ou atuações medíocres. O atleta é cobrado até a perfeição e freqüentemente comparado com profissionais de outras áreas, como médicos cirurgiões, em que suas ações são caracterizadas por ausência de erros. No esporte de rendimento, esta cobrança, muitas vezes, tem priorizado a idéia de que a performance está separada dos aspectos essenciais e que dizem respeito ao próprio atleta, como exemplo, sua saúde, seu bem-estar e qualidade de vida, pois não há tempo para fazer outra tarefa a não ser se preparar para o “espetáculo”.

    Kellmann e Kallus (2001) consideram que fatores psicológicos desfavoráveis são elementos que influenciam negativamente o desenvolvimento esportivo dos atletas, pois, podem sobrepor a condições saudáveis de vida desses indivíduos. Rose (2002) afirma que durante a preparação para as competições esportivas, vários fatores individuais (habilidade técnica, lesões, medo de decepcionar pessoas e torcedores e repouso insuficiente) e fatores situacionais (aspectos específicos da modalidade esportiva, técnicos, arbitragem, companheiros de equipe e treinamento inadequado) têm sido considerados importantes fontes de estresse nos esportes competitivos.

    Brandão (2000) verificou os fatores de estresse em jogadores de futebol, afirmando que na modalidade, o estresse é um processo complexo e multifatorial que pode influenciar negativamente a atuação do atleta. A autora ainda constatou que a soma dos fatores físicos e psicológicos contribui decisivamente para o aparecimento de lesões e contusões, agravando os problemas de ordem técnica e tática de uma equipe. Da mesma maneira, Bompa (2005) refere-se que o processo de recuperação deve ser multidimensional no qual dependem diversos fatores como a experiência do jogador, idade e gênero e toda a questão fisiológica.

Métodos de controle da carga de treinamento no esporte com possível aplicação no futebol de alto rendimento

    Um dos grandes desafios que os profissionais ligados ao esporte de alto rendimento encontram no atual modelo de futebol é saber administrar as proporções de treino e recuperação no calendário esportivo, sem causar prejuízo ao atleta ou prejudicar o aproveitamento da equipe. Pensando desta forma, uma tendência em adaptar as características físicas e psicológicas dos atletas de futebol de alto rendimento em relação aos tipos de treinamentos necessários durante a fase de preparação, bem como, as demandas específicas de uma determinada competição, considerando o elenco da equipe e o volume de jogos planejados durante uma temporada, tem sido associado à necessidade cada vez maior de instrumentos práticos para a detecção global dos desgastes gerais desse atleta.

    Em seus estudos, Román e Savóia (2003) avaliaram algumas variáveis psicológicas de atletas de futebol de alto rendimento (n=75) e verificaram que 61% da amostra pesquisada apresentaram sinais e sintomas de ansiedade, não obstante, 39% dos atletas apresentaram sinais de depressão. As autoras afirmam que esses resultados estão diretamente relacionados ao nível de estresse e mudanças constantes nos estados de humor. Os pensamentos automáticos disfuncionais relatados pelos atletas estudados concentram-se nas concepções sobre o erro, atitudes reguladas no perfeccionismo e na estrutura do trabalho que realizam.

    Vários autores têm sugerido métodos e técnicas para a recuperação física e psicológica de treinos e de jogos (KELLMANN e KALLUS, 2001, ALVES, 2005; BOMPA 2005). A utilização apropriada das técnicas de recuperação acelera a regeneração e restauração da homeostase corporal, o que diminui o nível de fadiga e a freqüência de lesões (GREIG e JOHNSON, 2007; MORASKA, 2007).

    Estudos para a detecção precoce da síndrome de excesso de treinamento e monitoramento do treinamento vêm sendo realizados, alguns analisando indicadores fisiológicos como a Creatina Kinase e outros biomarcadores de estresse oxidativo para representar o aumento da carga de treinamento (MANNRICH, 2007; ZOPPI et al. 2003). Entretanto, Meehan et al. (2004) alertam que somente esses métodos não são eficientes para detecções precoces dos sinais e sintomas do excesso de treinamento.

    Kenttã (1998) e Kellmann e Kallus (2001) afirmam que os métodos aplicados nos esportes durante os treinamentos por meio de indicadores psicológicos são mais sensíveis e consistentes do que os indicadores fisiológicos. Além da vantagem de uma avaliação mais rápida, o resultado gerado pode ser facilmente transferido ao atleta e à comissão técnica alertando sobre eventuais distúrbios causados advindo da pratica esportiva. Entre os instrumentos psicométricos existentes e utilizados com esse objetivo, destacam-se o Perfil do Estado de Humor - POMS (MCNAIR, 1992) e o BRUMS (ROHLFS et. al. 2004). Outro instrumento subjetivo largamente utilizado no contexto esportivo é a Escala de Percepção subjetiva de Esforço (BORG, 1998).

A recuperação do estresse no treinamento esportivo e a promoção da melhora do rendimento do atleta de futebol

    A recuperação do treinamento esportivo é entendida como o processo de superar os efeitos da fadiga induzida pelo treinamento e a restauração do corpo ao seu potencial de rendimento total. Também pode ser denominado pela regeneração dos efeitos do treinamento. Segundo Granell e Cervera (2003 p.24), “o processo de recuperação é produzido antes, durante e depois do esforço, e depende do grau de fadiga, isto é, da relação existente entre a intensidade da carga utilizada e o tempo dedicado ao descanso posterior”.

    Em relação aos processos de tentar diminuir os efeitos da fatiga no organismo após exercício, Barbanti (2003) divide o este processo de recuperação em “recuperação ativa”, que consiste na restauração da homeostase logo após o exercício físico, e “recuperação passiva”, que indica a recuperação da homeostase através do repouso após o exercício, podendo ser caracterizado por longos períodos descanso.

    Para o conhecimento do nível de recuperação, Granell e Cervera (2003) sugerem considerar as cargas utilizadas durante o treinamento, pois segundos os autores, constituem em um dos pontos estratégicos importantes no planejamento do treinamento. Neste contexto, Toledo (2000) observou que um novo processo de estruturação do treinamento no futebol é necessário, em função da complexidade do esporte e das particularidades do calendário de competição, da composição do grupo de jogadores, dos objetivos da direção técnica, do patrocinador e outros envolvidos no contexto do futebol moderno.

    Em relação ao controle da recuperação do treinamento desportivo, Kellmann e Kallus (2001) consideram importantes três aspectos gerais: físicos, psíquicos e sociais. Anteriormente, analisando essas variáveis isoladamente, Brandão (2000) realizou o monitoramento da recuperação avaliando o comportamento desses fatores. Sendo destacado pela autora como um importante fator para a otimização do desempenho.

    Silva (2002) verificou que o nível de exigência que o futebol de alto rendimento impõe, requer uma adequada preparação física para servir como sustentação para uma melhor condição técnica e tática nos jogos.

    As demandas exigidas pela competição nos esportes têm levado os atletas à realização de treinamentos que nem sempre respeitam corretamente os intervalos de repouso necessários visando à recuperação psicológica após exercícios intensos. Vicenzi (2002) estudando os aspectos gerais da qualidade de vida de atletas de futebol, analisou o impacto do estresse na qualidade de vida de 54 jogadores de futebol das categorias profissional e júnior e verificou que os fatores emocionais demonstraram influenciar negativamente o desempenho, conseqüência de um possível quadro de excesso de treinamento. A partir dessa evidencia acredita-se que o desempenho de um atleta depende de um processo multifatorial, determinado por sua individualidade e suas características de resposta a fatores internos e externos (MORASKA, 2007; GAERTNER, 2002; BRANDÃO, 2000).

    Ao longo dos últimos anos, o ambiente relacionado diretamente ao futebol, tem encarado muitas mudanças as quais têm exigido do atleta uma adaptação rápida sem que seu desempenho seja prejudicado. (BRANDÃO, 2000). Essas mudanças abrangem aumento de carga de treinamentos, competições esportivas importantes e cada vez mais frequentes, pressões externas como cobranças de patrocinadores, transformações no padrão estético, entre outros fatores que desencadeiam a evolução do estresse competitivo. (EDWARDS et al. 2002; COSTA e SAMULSKI, 2005; ROHLFS et al. 2004).

    A resposta do atleta a esses fatores do meio esportivo em relação a um processo de recuperação adequado é a chave para manter um equilíbrio entre as demandas do esporte e um desempenho satisfatório. Deste modo, o estresse proveniente do treinamento e das competições, tem relação direta com o esporte de alto rendimento, contudo, dependendo da intensidade e dos níveis de sobrecarga que os atletas são submetidos, aliados a episódios de grande desgaste mental, esse estresse pode ser positivo ou negativo (JEFFREYS, 2004).

    Com o objetivo de otimizar a performance esportiva, com longas horas de treinos e intenso desgaste físico e mental, o treinamento se tornou um fator estressor para o organismo dos atletas. Entretanto, quando um treinamento é periodizado, devidamente planejado, com sobrecargas adequadas ao atleta, os fatores estressantes do treinamento em si, tornam-se positivos. (FREITAS et al., 2007).

Considerações e sugestões

    Acredita-se que nos esportes, especialmente o futebol, a estratégia de treinamento largamente utilizada pela grande maioria dos treinadores é a denominada "teoria da supercompensação", fundamentada no princípio da sobrecarga progressiva (WEINECK, 2000). Essa teoria afirma que as reservas energéticas consumidas durante o processo de contração muscular são refeitas ou repostas apenas no período de recuperação, ou seja, nos momentos de descanso. Essa reposição, por sua vez, não é feita em proporção igual à condição anterior ao exercício, mas acima dessa condição, o que caracteriza o processo de supercompensação (FREITAS et al. 2007).

    Neste processo, utiliza-se a estratégia de reduzir os períodos de recuperação entre uma sessão de treinamento e outra, a fim de se atingir o período de supercompensação apenas em momentos específicos, como no final de uma temporada de treinamento ou previamente a um evento competitivo específico.

    Entretanto, a interrupção antecipada dos períodos de recuperação, aliada ao aumento progressivo do volume ou da intensidade de treinamento, torna a rotina do atleta cada vez mais extenuante. Essa "exaustão" temporária induzida pelo excesso de treinamento tem sido denominada overreaching, uma condição facilmente recuperada em curto prazo, porém, se for estendida por longos períodos tem se convertido em overtraining e até burnout, o que tem acometido significativamente os atletas de alto rendimento (KUIPERS, 1998; RAEDEKE, T. D.; SMITH, 2001).

    Todavia, nem sempre é observado o resultado esperado dessa estratégia de treinamento, ou seja, a supercompensação seguida de melhora da performance. Infelizmente, em diversos casos, os atletas submetidos a essa sobrecarga de treinamento não se recuperam da maneira planejada e passam a apresentar os sintomas da síndrome de overtraining, tais como fadiga generalizada, depressão, apatia, dores musculares e articulares, infecções do trato respiratório superior e diminuição de apetite, entre outros.

    O atleta não respondendo adequadamente aos estímulos exigidos no contexto esportivo faz com que o estresse, induzido pelo treinamento intenso, gere um desgaste físico e psíquico, envolvendo diversos distúrbios que o afetam diretamente tanto em nível de desempenho, como individualmente. Um atleta sobrecarregado sente-se tenso, ansioso, desmotivado, apresentando alterações de humor. Seu corpo se expressa viabilizando desequilíbrios emocionais e físicos, entretanto, com medo e pressões da família e do clube, o atleta sente forçado a consentir em relação as exigências dos treinamentos que visam à maximização do desempenho esportivo; aspectos estes, que tendem a passar despercebidos e o corpo do atleta constitui-se de atividades mecânicas.

    Gaertner (2002), num trabalho realizado utilizando a psicologia somática num esporte de alto rendimento, afirmou que o funcionamento humano é integrado, expressado por uma unidade biopsíquica que se manifesta simultaneamente em emoções e funções fisiológicas. De acordo com esse autor, o aumento das atividades físicas compreendidas no treinamento desportivo de um atleta, tem se manifestado de diversas maneiras em seu corpo, observado em diversos estudos da psicologia do esporte.

    O overtraining vem sendo muito estudado e citado em diversas pesquisas por sua relevância no mundo esportivo competitivo atual. Entretanto, há poucos estudos que indicam um conhecimento mais amplo sobre a recuperação e seus benefícios para a saúde e desempenho do atleta, evitando assim, o excesso de treinamento.

    A partir dessa revisão e das discussões em relação à recuperação, fica a proposta de estudos mais aprofundados sobre a importância da recuperação física e psíquica de um atleta, objetivando, sobretudo, a manutenção de sua saúde e de sua qualidade de vida dentro do contexto esportivo. Este trabalho deve, é claro, levar em consideração as exigências presentes na modalidade bem como toda a complexidade existente no que se diz a organização e planejamento de suas atividades.

    É sugerida ainda uma proposta de estudos baseada em uma preparação psicológica, visando o equilíbrio entre os fatores que compreendem o processo de recuperação, com a finalidade de inseri-lo na estrutura do treinamento esportivo geral de um atleta, favorecendo assim o aumento de seu desempenho e preservando sua saúde.

Nota

  1. É preciso esclarecer ao leitor, que o sentido que se deseja neste momento com a expressão “quanto mais alto for nível do jogador”, está relacionado principalmente aos atletas que jogam nas divisões especiais e disputam os campeonatos mais expressivos do futebol. Neste sentido, tem-se como exemplo, os jogadores que estão nas equipes principais de seus clubes e que disputam as séries A, B e C dos campeonatos nacionais.

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