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Formação profissional em Educação Física: 

desafios e perspectivas nos cursos da Bahia

 

*Graduado em Educação Física (UEFS),

**Mestre em Educação Física (UNICAMP)

Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana

(Brasil)

Osni Oliveira Noberto da Silva*

osni_edfisica@yahoo.com.br

Cláudio Lucena de Souza**

clsouzapb@terra.com.br

 

 

 

Resumo

          Este trabalho surgiu por causa das mudanças que a Educação Física vem passando após as novas diretrizes do MEC para os cursos de Licenciatura e a resolução para a graduação em Educação Física. As instituições de ensino superior enfrentam problemas na suas formações. Por isso, o objetivo deste trabalho foi o de analisar os currículos dos cursos da Bahia A partir da análise percebeu-se uma dificuldade das instituições pela falta de clareza nas diretrizes e pela dificuldade de se enxergar formações diferentes em Licenciatura e Bacharelado.

          Unitermos: Formação profissional. Resoluções. Currículo

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 137 - Octubre de 2009

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    A Educação Física brasileira está passando por profundas modificações em relação à formação profissional. Isso acontece em razão das críticas tecidas pelas mais recentes produções do conhecimento sobre o objeto de estudo desta área, seus conteúdos, seu métodos de ensino etc., como também devido aos anseios da sociedade que cada vez mais exige profissionais mais capacitados para intervir nos campos de atuação mais tradicionais, como por exemplo, nas escolas, academias de ginástica e clubes esportivos, como também nos novos espaços que passaram a requerer a intervenção destes profissionais, na área do lazer, do treinamento personalizado, na prática dos esportes radicais e de aventura na natureza, no trato com grupos especiais (idosos, pessoas com deficiência, cardíacos, hipertensos, obesos, gestantes) etc. Isso tem provocado, ao longo do tempo, amplas discussões na área sobre a organização curricular mais adequada a estas novas demandas, o que se refletiu na análise crítica sobre a possibilidade das licenciaturas contemplarem todas as novas habilidades e competências requeridas, e tem levado a constantes alterações destes cursos em relação às concepções dos mesmos, seus objetivos e perfil profissional esperado, acarretando, por conseguinte, acréscimos ou supressões de disciplinas, e aumento ou diminuição do tempo de formação. Ao longo deste trabalho, ainda discutiremos sobre as implicações da alteração das estruturas curriculares destes cursos para a formação destes profissionais.

    Entretanto, alguns estudiosos da formação profissional na área (KUNZ, 1998) argumentam que as alterações nas licenciaturas continuaram sem dar conta de uma preparação adequada do profissional da Educação Física, principalmente para atuar na área não escolar, e esses argumentos acabaram por justificar a necessidade de se pensar na estruturação de uma outra habilitação para a área, o bacharelado, o que tem sido perseguido por algumas instituições no Brasil ao longo dos tempos, principalmente, nestas últimas três décadas.

    Sabe-se que existiram outros interesses na elaboração da justificativa desta necessidade de criação de outra habilitação, inclusive de setores que procuravam retomar seu espaço político na área de conhecimento da Educação Física brasileira, mas o fato é que os cursos de bacharelado foram criados, inclusive com a anuência dos setores responsáveis pela organização da educação no país (MEC, CNE) que legitimaram a existência de tais cursos a partir da elaboração de uma legislação própria para a constituição dos mesmos (Resolução 03/1987 e depois a Resolução 07/2004).

    Apesar da possibilidade legal de organização de cursos de bacharelado no país, na prática concreta não houve um crescimento muito acentuado destes cursos após o período que se seguiu a esta legalização. Segundo Quelhas (apud NOZAKI, 2004), por exemplo, em 1994, exatamente sete anos após a criação do Bacharelado na área de Educação Física, apenas 5 cursos de um total de 128 ofereciam essa habilitação.

    Segundo Nozaki (2004, p. 249) esse desinteresse das instituições de ensino superior deveu-se porque “a educação física constitui uma área diretamente ligada à docência, independente do campo de atuação e, portanto, que tal divisão entre licenciatura e bacharelado não faz nenhum sentido”.

    Até hoje se mantém esta lógica, ou seja, há poucos cursos de bacharelado em Educação Física no Brasil, pelas razões apontadas pelo autor citado no parágrafo anterior, por questões de empregabilidade, isto é, os licenciados terem mais espaços de trabalho do que os bacharéis, ou pelo fato dos estudantes não terem clareza sobre a diferença entre uma e outra habilitação no momento do processo de seleção para o ingresso nestes cursos, e tenderem a levar em conta muito mais o seu próprio conhecimento a respeito da profissão (geralmente por terem em sua vida relação com atividades físicas e esportes) ou a tradição da instituição na qual se insere o curso, do que as características da formação oferecida. Portanto, não tem prevalecido a lógica defendida pelos defensores da criação do bacharelado, ou seja, oferecer à sociedade um profissional mais preparado para intervir nos espaços não escolares e a escola ter um professor de Educação física e não "pseudo-educadores" (GUILARDI, 1998).

    Ainda assim, os grupos de profissionais de Educação Física que acreditam na necessidade de divisão da habilitação continuam a influenciar a manutenção desta fragmentação na formação profissional, através de produção de conhecimento científico que corrobore esta necessidade, como também da criação de espaços políticos de controle sobre a atuação destes profissionais, sob a alegação da necessidade de proteção da sociedade contra aqueles não qualificados. Neste sentido, em 1º de setembro de 1998 foi criado o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), com a função de regulamentar a profissão e estabelecer os parâmetros para o controle da atuação de seus profissionais, com vistas a impedir que pessoas sem a devida formação pudessem exercer atividades típicas da área. Porém, aos poucos, este órgão começa a querer interferir também na formação profissional, na medida em que diferencia a cessão do registro profissional tanto entre licenciados e bacharéis, quanto entre os formados por uma mesma habilitação, como é o caso dos licenciados pela Resolução CFE nº 03/1987 ou pelas Resoluções CNE/CES nº 01 e 02/2002. Esta diferenciação é justificada pelos gestores deste órgão, por entenderem que a Resolução de 1987 dava aos licenciados a prerrogativa legal de atuar em qualquer espaço pedagógico na área de Educação Física, mas as Resoluções 01 e 02 de 2002 apenas a prerrogativa legal de atuar no espaço escolar, já que ela prevê a formação de professores para a educação básica. Portanto, os profissionais para atuar no espaço não escolar deveriam ser formados por cursos baseados na Resolução 07 de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Graduação em Educação Física.

    Porém, configura-se, a partir daí, mais um dilema para a formação profissional na área, já que a licenciatura também é um curso de graduação, portanto, também precisa seguir esta última resolução, o que tem gerado muitos conflitos para a identidade desta área de conhecimento, para a estruturação dos currículos das licenciaturas e bacharelados organizados pelas IES do país, para a formação dos estudantes e, em última instância, para a consolidação da imagem deste profissional na sociedade. Perceberemos isso no decorrer das discussões sobre a análise dos currículos de cursos das IES baianas, e a constatação da dificuldade destas instituições em estabelecer uma coerência e uma articulação adequada entre a concepção de seus cursos de formação, os objetivos pretendidos, o perfil de egresso desejado e a matriz curricular proposta, como também entre todos estes aspectos e as características da formação de licenciados e bacharéis, apontada nas Diretrizes 01 e 02 de 2002 e 07 de 2004, respectivamente os documentos oficiais do CNE/CES que servem de referência para a elaboração dos Projetos Pedagógicos de formação em Educação Física para cada uma das habilitações acima citadas.

    Este é o contexto da formação em Educação Física ao longo destes últimos anos e tem provocado muitas indefinições e dúvidas para as instituições de ensino e para os estudantes, o que se refletem também nos cursos das IES baianas, fato que gerou o interesse desta pesquisa.

    Segundo dados do Ministério da Educação, na Bahia existem atualmente 26 cursos superiores de Educação Física, oferecidos por 17 instituições, sendo destas, 5 públicas e 14 particulares. Em relação à habilitação, 16 oferecem cursos de Licenciatura, 5 são Bacharelados e 5 apresentam as duas habilitações. Percebe-se um grande aumento da oferta de cursos, principalmente na rede privada a partir do ano 2000, quando existiam apenas seis cursos somente de Licenciatura (quatro públicos e dois particulares).

    Esse grande aumento da oferta de cursos se deve principalmente a descomedida expansão de cursos pagos, onde a qualidade e a necessidade destes cursos são duvidosas, além do desenvolvimento de instituições de ensino superior que são verdadeiros comércios de diploma (SILVA apud RAMOS 2002). Isso pode ser constatado em nossa realidade, visto que do ano 2000 até os dias atuais o único curso de graduação em Educação Física criado por uma Universidade Pública na Bahia, foi o de Licenciatura da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), que teve seu funcionamento autorizado em 16 de julho de 1999 e iniciou em 16 de agosto de 2004. Sendo assim, o setor privado encontrou espaço para a expansão citada acima, justamente pela grande demanda por vagas neste campo de conhecimento que não é absorvida pelo setor público.

    Aliada a essa expansão encontra-se a discussão sobre as dúvidas e indefinições causadas pelos parâmetros oficiais de estruturação dos cursos, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação em Educação Física, representadas pelas Resoluções CNE 01 e 02 de 2002, referentes às Licenciaturas e a Resolução CNE 07 de 2004 que baliza a graduação em Educação Física.

    Devemos esclarecer que o problema não são as Resoluções 01 e 02 em si, pois elas foram criadas no intuito de solucionar um antigo problema, que era a falta de profissionalização da formação docente em várias áreas de conhecimento. A partir delas a formação de professores ganhou identidade própria, não podendo mais ser apenas uma complementação de estudos logo após o Bacharelado, como era feito costumeiramente.

    Porém, para o caso da Educação Física criou-se uma situação curiosa, pois além delas existe também a Resolução 07/2004, para a graduação em Educação Física, que as licenciaturas também têm que seguir o que causa as confusões quanto à organização dos currículos dos cursos, no que diz respeito as suas concepções, objetivos, perfil de egresso e matriz curricular obrigatória, e isto se reflete no entendimento dos diversos atores deste processo de formação quanto aos campos de atuação destes profissionais.

    O Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) é um dos agentes sociais que se baseiam na Resolução 07/2004 para legitimar seu entendimento sobre a necessidade da fragmentação da formação na área, e este mesmo documento é alvo de críticas dos estudiosos do assunto que consideram esta fragmentação um retrocesso frente a toda produção cientifica acumulada na área. (NOZAKI, 2004).

    Esse modelo de fragmentação traria alguns problemas a mais para os estudantes e egressos das instituições baianas, por estarem localizadas no nordeste brasileiro, historicamente visto como um dos maiores bolsões de miséria do mundo. Aqui as oportunidades para a qualificação profissional, durante o período de formação, no caso dos estágios, ou para a inserção no mundo do trabalho, no caso dos profissionais, são escassas, e a formação não generalista poderia agravar ainda mais esta situação, ao restringir o espaço de atuação. Mais recentemente, no Estado da Bahia, tem-se constatado o quanto é preocupante para os níveis de empregabilidade dos profissionais da área este entendimento de restrição da atuação profissional a partir da fragmentação da formação, quando se percebe uma tentativa do sistema CONFEF/CREF em buscar informações oficiais dos Colegiados de curso de Educação Física sobre as Resoluções do CNE que embasam a formação de seus acadêmicos, com o intuito de discriminar a cessão do registro profissional a partir deste parâmetro, o que denota mais uma vez, a possibilidade de influência de inúmeros fatores externos, de diferentes perspectivas de entendimento sobre a formação, na estruturação dos cursos.

    Todas estas questões influenciaram a elaboração dos novos Projetos Pedagógicos dos cursos de Educação Física na Bahia, os quais apresentam, em alguns casos, muitos conflitos em relação às concepções, objetivos e perfis de egressos, e a organização da estrutura de suas matrizes curriculares, as quais, nem sempre, são compatíveis com os aspectos apresentados acima, causando um descompasso entre o perfil de profissional que se pretende formar, e aquele que a matriz curricular permite que se forme, assim como em relação à expectativa de formação esperada pelo estudante e as possibilidades de preparação profissional propiciadas por esta mesma matriz.

    Considerando todos os aspectos apresentados neste texto, entendemos que há muitas implicações negativas à organização dos cursos devido à fragmentação da formação, causando muitos conflitos para a identidade desta área de conhecimento, para a estruturação dos currículos das licenciaturas e bacharelados organizados pelas Instituições de Ensino Superior do país, para a formação dos estudantes e, em última instância, para a consolidação da imagem deste profissional na sociedade.

Referencias

  • Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002

  • Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de Fevereiro de 2002b

  • Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Parecer CNE/CES nº 492 de 3 de abril de 2001

  • Lei no 10.172, de 09 janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2001b

  • Lei nº 9696, de 1º de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos regionais de Educação Física. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1998b.

  • CFE - Resolução 03/87, de 16 de junho de 1987, Brasília: Documenta 315/setembro, 1987.

  • CFE. Resolução nº 69/69, de 06 de novembro de 1969 – Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização

  • CFE, Parecer CFE nº 672/69, que define as disciplinas da área pedagógica. São Paulo: SE/ CENP, 1985, v. 4.

  • GUILARDI, Reginaldo. Formação profissional em Educação Física: A relação teoria e prática. Revista Motriz, volume 4, número 1, junho de 1998

  • NOZAKI, Hajime Takeuchi. Educação física e reordenamento no mundo do trabalho: mediações da regulamentação da profissão. Tese de doutorado. Niterói, RJ: UFF, 2004

  • RAMOS, Glauco Nunes Souto. Preparação profissional em Educação Física: A questão dos estágios. 10/06/2002. 126 págs. Tese (Doutorado em Educação Física). Faculdade Educação Física, Unicamp, Campinas, SP, 2002.

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