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As Conferências Nacionais do Esporte: avanços e 

limites na construção das políticas de esporte e lazer

Las Conferencias Nacionales del Deporte: avances y límites en la construcción de políticas de deporte y tiempo libre

 

*Licencianda em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás.

**Licenciada/o em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás.

***Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

Docente da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília

(Brasil)

Alessandra Matos Terra*

alessandra_mterra@hotmail.com

Henrique Cândido Brandão**

henriquebrandao@hotmail.com

Michelle da Silva Flausino **

michelle.flausino@gmail.com

Fernando Mascarenhas***

fernando.masca@uol.com.br

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho é uma análise dos aspectos técnicos, éticos e políticos acerca do processo de realização das Conferências Nacionais do Esporte, buscando estudar as contradições e tensões na realização das mesmas, tomando tal processo como expressão das relações de hegemonia no âmbito da política de esporte e lazer organizada a partir do Ministério do Esporte. Quanto ao delineamento foram coletados dados de documentos produzidos no processo das “Conferências”, e tratados pelo método de análise de conteúdo, sendo selecionado o material mais significativo conforme categorias que serviram de parâmetro para seleção e sistematização da pesquisa.

          Unitermos: Esporte. Lazer. Políticas Públicas

 

Resumen

          El siguiente trabajo es una análisis de los aspectos técnicos, éticos y politicos acerca del proceso de realización de las Conferencias Nacionales de Deporte, buscando estudiar las contradicciones y tensiones en la realización de la misma, tomando tal proceso como expresión de las relaciones de hegemonía en el ámbito de la politica de deporte y tiempo libre, organizada a partir del Ministerio del Deporte. En cuanto al delineamento, fueron recogidos datos de documentos producidos en el proceso de las “Conferencias”, y tratados por el método de análisis del contenido, siendo seleccionado el material más significativo conforme con las categorías que servirán de parámetro para la selección y sistematización de la búsqueda.

          Palabras clave: Deporte. Ócio. Políticas Públicas

 

Abstract

          This work is an analysis of the technical, ethical and political aspects concerning the process of realization of the National Sport Conferences. The aim is to study the contradictions and tensions due to the relations of hegemony within the sport and leisure policies of the Ministry of Sport. The data were collected from documents produced in the process of realization of the conferences, and analysed by the method of content analysis. The most important material was selected following certain criteria for the systematization of the research.

          Keywords: Sport. Leisure. Public Policies

 

Projeto de Pesquisa financiado pela Rede Cedes do Ministério do Esporte

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 137 - Octubre de 2009

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1.     Introdução

    As análises acerca das políticas públicas de esporte e lazer em curso nos últimos quatro anos – mais especificamente, no primeiro Governo Lula (2003-2006) - obrigatoriamente, devem envolver a realização da 1ª Conferência Nacional do Esporte (2004) e da 2ª Conferência Nacional do Esporte (2006), processos decisivos para a formulação de uma Política Nacional do Esporte e de um Sistema Nacional do Esporte e do Lazer. Nesse sentido, o estudo e a investigação do processo e dinâmica das “Conferências” constituem trabalho por demais importante para o campo de pesquisa e estudos sobre o esporte e o lazer, em especial, aqueles referentes à temática das políticas públicas para o setor. Ao se observar as temáticas e eixos orientadores dos debates das Conferências, percebe-se uma lacuna instigante à curiosidade epistemológica. Existem aspectos que perpassam as temáticas e os eixos e que, historicamente, podemos dizer que caracterizam as contradições e tensões que envolvem as políticas de esporte e lazer no país, tais como a dinâmica da centralização e descentralização, da quantidade e qualidade e do público e privado.

    Este projeto teve, portanto, a finalidade de estudar as contradições e tensões das dinâmicas no âmbito do processo de realização da 1ª e da 2ª Conferência Nacional do Esporte, tomando tal processo como expressão das relações de hegemonia, dos interesses e das tendências em evidência no âmbito da política de esporte e lazer organizada a partir do Ministério do Esporte.

2.     Metodologia

    O trabalho em questão pode ser caracterizado como uma pesquisa social de nível compreensivo, por se dedicar à obtenção de novos conhecimentos relativos a um determinado aspecto da realidade, voltando-se para as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil, dedicando-se à crítica e explicação das contradições e tensões dadas pelas dinâmicas da centralização e descentralização, da quantidade e qualidade e do público e privado no âmbito do processo de realização das “Conferências”. Quanto ao delineamento da pesquisa foram coletados dados institucionais e oficiais identificados a partir de duas fontes básicas: 

  1. informativos e documentos produzidos pelos variados segmentos institucionais envolvidos como sujeitos coletivos no processo de organização das “Conferências”, tais como: COB, CPB, CNA, ASMEL, CBC, CONFEF, CBCE, CDMB, CBF; 

  2. documentos orientadores e finais produzidos no e a partir do processo de organização das “Conferências”. O tratamento dos dados coletados foi realizado pelo método de análise de conteúdo, que abarca a pré-análise, descrição analítica e interpretação referencial dos dados. Posteriormente foi selecionado o material mais significativo para a pesquisa, conforme categorias indicadoras - dinâmicas da centralização e descentralização, da quantidade e qualidade, do público e do privado - que serviram de parâmetro para o processo de seleção, classificação, organização e sistematização dos dados coletados.

3.     Desafios para as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil

    No que se refere às políticas públicas de esporte e lazer, a questão aqui reflete o conflito de interesses e o tipo de diálogo social que prevaleceu e o tipo de negociação que se desenvolveram como legitimadores e forças de consenso e conflito no processo de organização das “Conferências”, para isso se faz necessário o entendimento acerca do que é democracia, participação social e controle social, gestão participativa, sendo que estas são algumas das características necessárias para o processo de democratização do esporte e do lazer no país.

    Conforme Demo (1988), democracia é um sistema sócio-político, no qual se procura negociar conflitos e divergências, para isso a sociedade civil precisa se organizar e ter uma participação ativa visando à garantia de seus direitos básicos. A participação social é compreendida como controle social, ou seja, controle da sociedade sobre as ações do Estado e, consequentemente, sobre os gastos públicos, controle esse que se constituiu no período de democratização do Estado brasileiro, resultando das mudanças na relação entre Estado e sociedade. Gestão participativa se refere à superação do centralismo de decisões, às lideranças oriundas da sociedade civil como gestores públicos que participam da elaboração dos projetos de políticas públicas.

    A reflexão sobre a dinâmica da quantidade e da qualidade remete ao movimento do entusiasmo e do otimismo pedagógico pela educação (AZEVEDO, 1994) no campo das políticas públicas do esporte e do lazer. O primeiro revela uma preocupação de caráter quantitativo, propondo expansão dos programas e a conseqüente democratização e universalização do direito social ao esporte e ao lazer, que tem como problemática as políticas focalistas que contribuem para a desintegração dos direitos sociais. O segundo enfatiza os aspectos qualitativos, defendendo a melhoria dos programas de esporte e lazer, no que se refere às condições estruturantes, técnicas e pedagógicas para o seu funcionamento, qualificando assim a política para o setor, atribuindo ao esporte e ao lazer a marca da qualidade social. No entanto, tais categorias têm sofrido um desgaste e uma metamorfose conceitual, sendo que conforme Azevedo (1994) qualidade social é aquela na qual há a prioridade em se reconhecer os direitos de cidadania para os excluídos, direitos esses que foram negados ao longo da história.

    Já a dinâmica do público e do privado, pressupõe a compreensão e explicação de como os interesses privatistas atuam no âmbito das políticas públicas de esporte e lazer. Com o avanço do neoliberalismo a desobrigação do Estado no setor foi se tornando patente, essa redução da participação estatal no gasto público reflete em uma expansão do setor privado. Com esse afastamento o processo de privatização se intensifica e com isso privilegia o mercado fortalecendo a lógica do consumo.

    Transmutados em serviços sociais competitivos, o direito ao esporte e lazer, cada vez mais alçados à lógica do direito ao consumo e não do direito social, sinalizam uma relação de subordinação direta de ambos os fenômenos ao mercado.

4.     A Conferência Nacional do Esporte como chave interpretativa

    Ao assumir o governo em 2003 o Presidente Lula dividiu o Ministério do Esporte e Turismo em duas pastas distintas, a do Esporte e a do Turismo, ficando a cargo do Ministério do Esporte a formulação e organização das políticas públicas do esporte e do lazer (BRASIL, 2004d).

    Neste sentido, com o propósito de alcançar o objetivo de assegurar o direito constitucional do acesso de todos ao esporte e ao lazer (BRASIL, 2004e), o Ministério do Esporte, entre outras ações, organiza a 1ª Conferência Nacional do Esporte, no mês de Junho de 2004, e dois anos mais tarde a 2ª Conferência Nacional do Esporte, realizada em Maio de 2006.

    Conforme consta nos documentos das próprias Conferências - 2004 e 2006 - elas foram instituídas por decreto presidencial em 2004 com o papel fundamental de consolidar o esporte e o lazer como direitos sociais, tendo como participantes da comissão organizadora membros das diversas entidades relacionadas ao esporte já mencionados anteriormente.

    As Conferências foram organizadas em três etapas: as etapas municipais/regionais, as etapas estaduais e a etapa nacional. A organização das etapas seguiu nessa ordem com o objetivo de tentar garantir uma ampla participação da sociedade nas Conferências e agregar questões relevantes aos municípios e estados nos debates das Conferências Nacionais.

    Os participantes das Conferências distribuíram-se entre as seguintes categorias: delegados, convidados e palestrantes, no qual teriam direito a voz e voto os delegados eleitos nas Conferências Estaduais.

5.     Democracia e participação como conquista inacabada

    Para melhor compreender a dinâmica da centralização e descentralização no decorrer do movimento da 1ª Conferência Nacional do Esporte e da 2ª Conferência Nacional do Esporte, utilizando os documentos orientadores e finais produzidos no e a partir do processo de organização das “Conferências”, é necessário também abrangermos o movimento nos estudos e na investigação das categorias que perpassam a referida dinâmica. Sendo elas: democracia, controle social, política social, descentralização, participação, gestão, cidadania e centralização.

    Na dinâmica das “Conferências” percebe-se que os cidadãos possuem direitos sociais, onde é dever do Estado efetivá-los independente da classe social na qual pertencem, tais como os deveres - dos cidadãos - como concretizar o controle social. Porém não se nota uma soberania dos cidadãos nesse processo, assim a democracia não é completa no contexto das “Conferências”, sendo comprovada no discurso que se apresenta nos documentos (BRASIL, 2004d; BRASIL, 2004e).

    Para que haja um desenvolvimento no esporte e lazer é colocado como primordial a participação da população na definição e no controle social das políticas públicas. No entanto, o Estado também precisa efetivar suas funções, ações e articulações nesse setor de esporte e lazer.    

    Segundo os documentos (BRASIL, 2006b; BRASIL, 2004b) da 1ª e 2ª Conferência Nacional do Esporte percebe-se, contudo que o Estado começa a jogar responsabilidades sobre os cidadãos acerca dos seus direitos sociais, como exigindo maior controle social, ou seja, influenciando e fiscalizando as políticas públicas e se apresentando como um órgão administrativo flexível em relação a sua gestão.

    No entanto para efetivação de todo esse processo de desenvolvimento do esporte e lazer, é significante que ocorra a descentralização das decisões a respeito das políticas públicas de esporte e lazer, que estão vinculados à descentralização do poder, de projetos e de gestão. As discussões sobre esse foco, nos documentos analisados, em suma são proposições.

    O estudo do movimento do discurso sobre a descentralização que perpassa nas “Conferências” pode ser compreendido através da discussão do que é descentralizado. E isso gera subcategorias como a descentralização de: decisões, projetos e gestão.

    A descentralização das decisões está relacionada com a realização das diferentes etapas de cada uma das “Conferências”, que promoveram a democratização da elaboração e a organização da Política Nacional de Esporte e Lazer e do Sistema Nacional de Esporte e Lazer.

    No que diz respeito aos projetos tem-se a descentralização dos mesmos, pois busca estar presentes no âmbito federal, estadual e municipal, tal qual numa esfera pública e/ou privada.

    A descentralização no campo da gestão é importante para que haja um melhor atendimento das necessidades em vários setores das políticas públicas de esporte e lazer e que abranja o maior número de pessoas.

    Inicialmente dentro do processo de efetuação das políticas públicas de esporte e lazer existe a preocupação em manter a participação da população nessas políticas, sendo uma sociedade ativa pela primeira vez na área do esporte e lazer, como foi encontrado nos diversos documentos.

    Em seguida percebe-se que a preocupação com a participação da sociedade civil está voltada para que ocorra uma legitimação das políticas públicas de esporte e lazer, onde a sociedade delega poder, como consta no documento Entidades de Administração de Desporto do Estado do Rio de Janeiro (2006).

    O principio da gestão seria de uma gestão participativa, tendo como foco os princípios que o seu próprio conceito delimita. No decorrer do movimento dessa categoria tem-se uma gestão democrática participativa, onde se governa por projetos elaborados em conjunto com a população que demanda políticas públicas.

    Mas em choque tem-se uma gestão democrática voltada para uma democracia formal, sendo um governo representativo, e que não possui lideranças oriundas da sociedade civil.

    A cidadania perpassa por todos os debates apresentados nas “Conferências”, e assim percebe-se que a mesma pode ser estudada como um entrave dentro da oscilação dos discursos. Sendo que, a partir do conceito de cidadania, tem-se que na dinâmica das “Conferências” esse papel é distorcido, pois seus direitos são entrelaçados a deveres em que a participação do cidadão implica em uma retirada de responsabilidade do Estado.

    Através da análise dos documentos nota-se que existe o centralismo em vários aspectos, tais como: do poder da sociedade política – específico sobre a sociedade civil-, das federações, da política esportiva, da mídia, das entidades desportivas e do financiamento. Tendo que as discussões em sua maioria são diagnósticas, ou seja, são fatos avaliados (observados).

    A análise do discurso sobre a centralização que transcorre as “Conferências” é entendida através do debate em relação a quem está sendo centralizado e/ou de quem exerce a centralização.

    Com relação a quem está sendo centralizado observamos esses aspectos entorno das federações, das políticas esportivas, do financiamento e das entidades desportivas. No entanto em analogia a relação de quem exerce a centralização notamos esses aspectos ao redor da sociedade política, da mídia e das entidades presentes nas “Conferências”. Notam-se essas ações através dos dados encontrados nos documentos (BRASIL, 2004a).

    Entretanto, percebemos através dos documentos orientadores e/ou finais das “Conferências”, que existe à vontade de que ocorra o desenvolvimento no campo das políticas públicas de esporte e lazer e que para isso é preciso que haja a participação da sociedade nesse processo, buscando concretizar os seus direitos sociais. Isso pode acontecer através de uma gestão participativa, com uma cidadania ativa apoderando-se de uma democratização das políticas públicas.

    Contudo, essas questões são encontradas como uma preposição, ou seja, algo que deve ou deveria advim, ficando evidenciado que as “Conferências” é um marco mais retórico do que concreto.

6.     A universalização abandonada e o significado de qualidade

    O entendimento da dinâmica da quantidade e da qualidade, durante o transcorrer da 1ª e da 2ª Conferência Nacional do Esporte, se faz a partir da utilização e análise dos documentos orientadores e finais, produzidos durante e a partir do processo de organização das Conferências.

    Para a efetivação desse entendimento se fez necessária à utilização de outras categorias, quais são: direito social, inclusão social, exclusão social, quantidade, universalização, focalização, qualidade.

    Ao longo dos documentos (BRASIL, 2004d.) as Conferências afirmam em seu discurso que o esporte e o lazer são direitos sociais, sendo dever do Estado assegurar esses direitos por meio de políticas públicas que deverão alcançar toda a sociedade, sendo que esse discurso se contrapõe ao real contexto histórico que abarca o esporte e o lazer e que é evidenciado no documento das fases preparatórias, o qual conclui que não ocorre um modelo social e político que reconheça o esporte e o lazer como direitos sociais.

    Diante desse contexto o Ministério do Esporte compromete-se a reverter esse quadro de exclusão social disseminado pela implementação de políticas neoliberais e tem ciência das dificuldades que apanham a garantia de tais direitos, conforme os dados nos documentos (BRASIL, 2004b; BRASIL, 2005.).

    Ao se iniciar a 2ª Conferência ainda se afirmava que tais direitos deveriam ser garantidos, mas com o decorrer do processo isso vai se modificando, pois, há o reconhecimento dos direitos só não há a efetivação dos mesmos.

    Essa não efetivação de direitos se contrapõe ao discurso da 1ª Conferência que enfatizou e exaltou como objetivo principal a ser alcançado a inclusão social que se constitui na inclusão dos cidadãos em um contexto real da prática dos direitos sociais, abrangendo assim, diversos segmentos da sociedade, revertendo o quadro de exclusão social.

    A problemática que tem a exclusão social como fator atuante e a inclusão social como algo apenas idealizado, influencia diretamente à questão da universalização que interage com a categoria quantidade que está presente nos documentos por meio de sugestões e propostas de ampliações tanto físicas quanto estruturais, visando um aumento da prática esportiva e de lazer.

    A universalização nada mais é que a democratização do acesso ao esporte e ao lazer, a qual possui um discurso atrelado ao da inclusão social, pois, é por meio da democratização que se consegue incluir os excluídos.

    Esse então é o discurso defendido na 1ª Conferência Nacional do Esporte, inclusão e universalização. Entretanto, esse discurso não teve continuidade e nem legitimidade ao longo da 2ª Conferência Nacional do Esporte, pois, o Ministério do Esporte continua a afirmar a sua preocupação com a ampliação, mas começa a dar sinais de que apesar de ser um dever do Estado, o mesmo sozinho não conseguirá efetivar tais direitos.

    Dessa forma o discurso aponta para a parceria com entidades privadas, resultando assim em um abandono do discurso da universalização tão propagado na 1ª Conferência Nacional do Esporte, essa sinalização para o privado aponta na verdade para a supremacia do esporte de elite. Então, o esporte e o lazer são reconhecidos como direitos sociais, mas não são efetivados, pois, o discurso deixa claro que não será garantida a universalização devido a entraves financeiros.

    Outra forma de não se efetivar a universalização, e tão problemática quanto à questão financeira, é a ênfase na focalização, que se constitui em um verdadeiro entrave à democratização, a partir do momento em que o esporte e o lazer são qualificados como meio de remediação das mazelas sociais com as seguintes adjetivações: qualidade social e qualidade de vida.

    O esporte e o lazer podem sim contribuir como fatores propiciadores de qualidade social e de vida, mas ocorre que o discurso das Conferências se constituiu em algo impactante apontando o esporte e o lazer como redentores, e afirmar que o esporte e o lazer promovem sozinhos tais adjetivações, qualidade social e qualidade de vida, é o mesmo que fomentar e propagar uma falácia, conceituando dessa forma o esporte e o lazer como algo funcional e remediador de problemas sociais. Essa problemática não se encerra nesse aspecto, pois, ocorre ainda o metamorfoseamento do termo social pelo total, sendo que a qualidade total é produto do sistema capitalista, e no âmbito do esporte e do lazer se configura como a valorização do esporte de rendimento em detrimento das outras dimensões.

    Ao serem analisadas as Conferências Nacionais do Esporte, conclui-se que o discurso oficial da 1ª Conferência enfatizou a responsabilidade do Estado em garantir tais direitos e a questão da inclusão social por meio de uma universalização do acesso com qualidade social. Essa ênfase vai perdendo terreno na 2ª Conferência, se tornando mais branda até ser abandonada e substituída por sugestões de parcerias com o âmbito privado, sendo que essas parcerias fatalmente caminham em via contrária à universalização, priorizando o esporte de rendimento que é o que gera mais lucro.

7.     O espetáculo do crescimento e as parcerias público-privadas

    Ao analisarmos os documentos em busca de elementos que nos auxiliassem numa análise sobre a participação da esfera pública na elaboração de políticas públicas relacionadas ao esporte e lazer, identificamos algumas questões reveladoras desta questão.

    Ao longo dos documentos da 1ª Conferência Nacional do Esporte, principalmente aqueles destinados a orientar o debate sobre a temática do esporte e lazer nas Conferências (documentos orientadores), observamos uma coerência na relação estabelecida entre o Estado e as políticas públicas do esporte.

    Constatou-se, que nestes textos redigidos pela comissão organizadora das Conferências, o papel do Estado se sustenta no direito de acesso às atividades esportivas e de lazer a toda a população, garantido pela Constituição Federal de 1988.

    Analisando os documentos (BRASIL, 2004b; BRASIL, 2005) produzidos ao longo desta Conferência, identificamos que o discurso que anteriormente estabelecia ao Estado o papel de elaborar políticas de acesso a atividades esportivas e de lazer a toda população, agora aparece atrelado à necessidade de o Estado buscar parcerias com os diversos segmentos da sociedade civil para a efetivação dessas políticas (as parcerias com o setor privado).

    Na 2ª Conferência Nacional do esporte esse discurso é legitimado sob a consolidação do Sistema Nacional do Esporte. As parcerias entre o setor público e o setor privado são afirmadas logo nos documentos orientadores, vindo a ser consolidadas nos documentos finais. Inferimos a partir deste material, que os interesses advindos das iniciativas privadas, presentes nas Conferências, tiveram um peso decisivo na formulação dessas políticas e projetos.

    As entidades administrativas do esporte, assim como as diversas representatividades deste segmento esportivo, continuam determinando as relações estabelecidas entre o Estado, a sociedade civil e o esporte.

    Porém, é importante ressaltar que há um “sem-número” de discursos presentes nos documentos que caracterizam a importância dada pelos entes federativos à questão das políticas inclusivas, destinadas ao esporte participativo e o esporte educacional. Ainda assim, o esporte de rendimento parece estar melhor caracterizado e protegido pelos aparatos legais construídos ao longo da história e também ao longo das Conferências (entre o período de realização das mesmas).

    O debate regido sob a égide do setor privado não se apresenta unicamente nos discursos referentes às manifestações esportivas predominantes na intervenção deste setor – o esporte espetáculo. Fica claro nos documentos (BRASIL, 2004e) a intenção de firmar um discurso que relacione o esporte ao desenvolvimento econômico do país, através da circulação de mercadorias relacionadas ao esporte e da promoção de eventos esportivos.

    Porém, o discurso que se refere à participação das entidades privadas relacionadas ao esporte continua enraizado no viés da prática do esporte de rendimento ou esporte espetáculo.

    Cresce também, ao longo das Conferências, a importância dada às entidades privadas não-mercantis, como as ONGs, conforme podemos notar nos textos de alguns documentos (BRASIL, 2004d; BRASIL, 2004b; BRASIL, 2005).

    O crescimento do número de Organizações não-governamentais se justifica num primeiro momento pela fragmentação sofrida pelos movimentos sociais, provocada pela implementação de políticas neoliberais. E num outro viés, as ONGs auxiliam o Estado na elaboração de políticas focalistas que visam a solução de problemas sociais locais, e há uma preocupação do Estado, ao elaborar a Política Nacional do Esporte, em enquadrar estas instituições como aparatos legais na elaboração de políticas para este setor.

    Partindo para as análises referentes às parcerias público-privadas podemos dizer que, nas Conferências os discursos que visavam estabelecer vínculos entre as entidades esportivas da sociedade civil e o Estado ganharam forma institucionalizada. Ao mesmo tempo tentavam “naturalizar” as relações estabelecidas entre essas duas esferas (público e privado).

    Os apontamentos feitos por Veronez (2005) sobre a utilização do fundo público em prol do privado ganharam formas nas Conferências, culminando em projetos de leis que viabilizaram a utilização de fundos públicos por entidades privadas relacionadas ao esporte.

    É o caso da Lei Piva, que destina 2% do valor arrecadado com as loterias esportivas federais ao Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Paraolímpico Brasileiro (COB e CPB, respectivamente).

    Outra parceria estabelecida entre os dois setores para o financiamento privado, diz respeito à criação da Lei de Incentivo ao Esporte, sancionada em 2006, que visa à busca de patrocínios e doações de empresas para a realização de projetos esportivos e paradesportivos. Essas doações, no entanto, devem ser abatidas no Imposto de Renda devido por pessoas físicas e jurídicas. Observamos ao longo dos documentos que o debate em torno desta Lei foi fundamental para sua consolidação.

    Uma outra questão importante a esse estudo refere-se à criação do programa Bolsa-atleta, um programa do governo que visa à destinação de recursos financeiros a atletas que não possuem condições de se manterem no cenário esportivo.

    A consolidação deste programa também ocorreu no período de realização das Conferências, provocando um acúmulo de debate referente a este programa, conforme observamos em trechos presentes nos documentos (BRASIL, 2004d; BRASIL, 2004b; BRASIL, 2005).

    O apelo dado a este programa no período de realização da 1ª Conferência Nacional do Esporte, pode ter sido em função de que o processo de aprovação da lei que instituía o programa Bolsa Atleta ainda estava tramitando no Congresso, tendo sido sancionada no dia 09 de Julho de 2004.

    A partir desta Lei, e do apelo dado à sua aprovação, podemos inferir a importância que o Estado vem dando às práticas esportivas vinculadas ao viés do alto rendimento.

    Apesar desta lei representar um avanço em relação ao financiamento público das práticas esportivas no Brasil, ela representa, em sua essência, a hierarquização das manifestações esportivas estabelecidas na pirâmide esportiva. O esporte de rendimento é privilegiado em detrimento à carência de recursos destinados ao esporte participativo e ao esporte educacional.

8.     Conclusão

    Neste estudo nos dedicamos a elaborar uma síntese que resumisse o atual panorama das políticas públicas voltadas para o setor esportivo no Brasil, e uma análise sobre as relações entre a centralização e a descentralização, a quantidade e a qualidade e o público e o privado, estabelecidas nas Conferências Nacionais do Esporte realizadas em 2004 e 2006.

    Na tentativa de responder ao problema central deste estudo, de entender como se dão as contradições e tensões que envolvem as políticas de esporte e lazer no 1º Governo Lula, tendo como referência as relações estabelecidas durante a realização das Conferências, identificamos questões relevantes para alcançarmos tal compreensão. Sendo uma delas a de que o esporte e o lazer não podem ser compreendidos enquanto fenômenos isolados, nem tampouco, enquanto esferas indissociáveis do contexto sócio-econômico atual, sendo que é de suma importância que a sociedade exerça sobre o poder público o controle social, efetivando a sua participação, buscando que essas políticas públicas sejam pautadas não apenas no âmbito da universalização como também da qualidade social.

    Podemos concluir que a realização das “Conferências” se configurou aparentemente como forma de descentralizar as discussões acerca das políticas públicas de esporte e lazer. No entanto, a despeito dos debates que ocorreram em âmbito municipal, estadual e nacional, as tomadas de decisão foram centralizadas. Embora os debates tenham apontado para a universalização do esporte e lazer como direitos sociais e com qualidade social, as resoluções das “Conferências”, sobretudo da 2ª, apontaram para a desobrigação por parte do Estado na garantia do direito ao esporte e ao lazer, transferindo essa responsabilidade para a sociedade e para o indivíduo, tendo como articulador e promotor de tais direitos a esfera privada, ou seja, ocorre uma legitimação das políticas públicas de esporte e lazer em beneficio dos setores privados e em detrimento do público.

    Compreendemos que este estudo não se encerra aqui. Os estudos sobre o tema das políticas públicas de esporte e lazer são processos exaustivos e que demandam sucessivas aproximações com o tema.

    Valemo-nos dos documentos produzidos pelas Conferências na tentativa de apontar questões relevantes ao esporte e o lazer, como as disputas de interesses presentes neste setor, compreendendo que as Conferências são espaços ainda pouco explorados pela comunidade acadêmica e carecem de estudos referentes às mesmas.

Referências

  • AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A temática da qualidade e a política educacional no Brasil. Revista Educação e Sociedade (Cedes), Ano XV, Dezembro, nº49. Campinas: Papirus, 1994.

  • DEMO, Pedro. Participação é conquista. São Paulo: Cortez, 1988.

  • BRASIL. I Conferência Nacional do Esporte – Caderno de Potencialidades e Dificuldades. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2004a.

  • ________. I Conferência Nacional do Esporte – Documento Final. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2004b.

  • ________. I Conferência Nacional do Esporte – Tese Guia. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2004d.

  • ________. I Conferência Nacional do Esporte – Texto Básico. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2004e.

  • ________. Política Nacional do Esporte. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2005.

  • ______. II Conferência Nacional do Esporte – Coletânea de textos básicos para as etapas. Brasília: Governo Federal, Ministério do Esporte, 2006b.

  • ENTIDADES DE ADMINISTRAÇÃO DE DESPORTO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. II Conferência Nacional do Esporte. Rio de Janeiro, 2006. 5 p. Carta ao Ministro do Esporte.

  • VERONEZ, Luiz Fernando Camargo. Quando o Estado joga a favor do privado: as políticas de esporte após a Constituição de 1988. 2005. 376 f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.

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