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Rompendo as barreiras do gênero masculino:

prática da dança em aulas de Educação Física

Rompiendo las barreras del género masculino: la práctica de la danza en las clases de Educación Física

 

Aluna do programa de pós-graduação em Educação da UEPG

Licenciada em Educação Física. pela UNIVILLE

Docente da disciplina de Atividades Rítmicas e Expressivas

do curso de Licenciatura em Educação Física na Faculdade Sant’Ana- Ponta Grossa, PR

Professora de ballet clássico no Colégio Marista Pio XII – Ponta Grossa –PR

Pesquisadora do grupo de estudos e pesquisas em Educação Física escolar e

formação de professores (GEPEFE / UEPG / CNPQ)

Fabíola Schiebelbein Capri

fabiolacapri@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Neste discute-se o gênero como construção social que as culturas estabelecem e relacionam homens e mulheres. Pretendendo resgatar algumas reflexões pertinentes as noções de gênero que possam contribuir para romper com as barreiras do gênero masculino na prática de dança nas aulas de Educação Física. Buscando assim o desenvolvimento, o auto conhecimento corporal, educação do senso rítmico, expressão não verbal, desenvolvimento humano e formação integral do educando como sujeito social.

          Unitermos: Gênero. Masculino. Dança. Educação Física. Escola

 

Abstract

          Herein, we discuss the gender as a social construction that culture establish and relate to man and woman. With the intent of rescuing some reflections concerning to gender notions that are able to contribute to put some male barriers down in practicing dance in Physical Education classes. Achieving as a result, the development, the awareness of the body, the education about the perception of the rhythm, the non-verbal communication, the human development and the integral formation of the student as a social citizen.

          Keywords: Gender. Male. Dance. Physical Education. School

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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Introdução

    Enquanto o sexo se refere as questões biológicas, o papel sexual ou gênero denota seus correlatos culturais, psicológicos ou sociais: as normas, as expectativas e o comportamento adequado a ser homem ou ser mulher dentro de uma determinada sociedade; gênero então, abrange as construções sociais para homens e mulheres, formadas por uma cultura, ou como bem consideram Souza & Altmann ao citar Scott (1995, p. 89), gênero é um elemento constitutivo nas relações sociais que nos permite perceber as diferenças não só físicas entre os sexos, mas também as diferenças socialmente e culturalmente constituídas que acabam sendo admitidas naturalmente. Percebe-se que historicamente, as culturas se encarregam às distinções da natureza e tentam metodicamente formar uma direção de comportamento às mulheres e outra dimensão (freqüentemente antagônica) aos homens.

    Hanna (1999) exemplifica que desde bebês existem padrões visuais que indicam a diferença entre meninos e meninas; a cor rosa é destinada para meninas e a cor azul para meninos; e assim a indústria do vestuário difunde o papel sexual em código completo de detalhes e padrões, como gola redonda e saias para meninas, calças e enfeites de trens e soldados para os meninos, nunca flores, frutas e borboletas. Assim o comportamento não verbal que acentua as diferenças dos papéis sexuais e características sociais terciárias; de tal modo, as sociedades tem meios específicos de classificar, de emitir as mensagens de identidade sexual e assim mostrar que homens e mulheres assumem diferentes papéis sociais em diversos segmentos seja no trabalho, em casa ou nos esportes, e mesmo no século XXI ainda nos deparamos surpresos, muitas vezes, ao ver um homem cuidando da casa e dos filhos, enquanto a mulher sai para trabalhar.

    Segundo Scott (1995) o gênero é uma das formas mais instintivas de constituir as relações de poder, é um meio pelo qual ou do qual o poder é pronunciado, e acabam por formar e estruturar as percepções reais de sociedade, e na medida em que tais referências estabelecem as relações de poder, o gênero torna-se implicado na construção do próprio poder, “padrões culturais que cultivam simbólica e explicitamente hierarquias e moralismos em nome da virilidade, da masculinidade e da rigidez que codifica uma determinada vivência da sexualidade como a normal, a sentida” (ABRAMOVAY, CASTRO & SILVA, 2004).

    Baseado nas diferenças sexuais, diferentes expressões culturais são formadas e as desigualdades entre masculino e feminino passam a valer-se para codificar o sentido e compreender o universo humano. Com base nos conceitos filosóficos dualistas que procuraram ampliar uma noção de corpo objeto onde as obras humanas são manifestações do espírito, reduzindo o corpo aos aspectos fisiológicos e mecânicos, privado de sentimentos e significados. Isso pode observado desde a antiguidade clássica de Platão à modernidade de Descartes.

    Por meio da estruturação da vida em sociedade, percebemos que os corpos expressam as composições sociais os quais fazem parte, mas é o conceito de gênero que implica e estabelece significados para as diferenças corporais, e estes significados variam de acordo com as culturas e os grupos sociais, pois segundo Scott nada especificamente no corpo determina como a divisão social será estabelecida, entretanto, os corpos apresentam marcas visíveis de processos históricos e assim são treinados, marcados, esteriotipados e rotulados, assumindo o gestual masculino e feminino que seja socialmente admitido. Assim compreendemos que a educação corporal também assume conhecimentos, movimentos, trejeitos e posturas diferenciadas entre homens e mulheres.

    Louro (1992), afirma que todo movimento corporal é distinto para os dois sexos, e muitos movimentos e posturas são socialmente impostos para um e para o outro sexo, as noções de feminilidade e masculinidade são construções sociais desde o nascimento da criança como bem se referiu Hanna.

    Souza & Altmann (1999), analisam que a idéia de gênero está relacionada as diferenças biológicas entre os sexos, porém homens e mulheres também poderão ser classificados socialmente por outras características, como idade, raça, etnia, classe social, peso, altura, habilidades, entre muitas situações que ocorrem em diversos espaços sociais que incluem a escola e as aulas de Educação Física.Se observarmos a instituição escolar, muitas são as situações distintivas e até mesmo sexistas que podemos pontuar, pois a cultura escolar está longe de ser imparcial e reflete o modelo como as relações sociais de gênero são formadas, produzidas e configuradas socialmente.

    Com base no pensamento de Louro (1997) ressaltamos que esta instituição se incumbe de separar os sujeitos, tornando-os distintos os que na escola estão através de sistemas de hierarquização, classificação e ordenação; a escola se fez diferente para ricos e pobres, e também separou os meninos das meninas. Tais constatações mostram que os conflitos e segmentações entre meninos e meninas ocorrem além das diferenças biológicas, mas também através das influências sociais sugeridas ou impostas.

    Assim, segundo Dominique Julia (em artigo na revista Gênero e Sexualidade), a cultura escolar possui uma enorme gama de conteúdos e normas que definem e segregam os conhecimentos e condutas, é uma instituição que permite a transmissão e a incorporação de comportamentos sociais estabelecidos. O gênero e a sexualidade nas relações das instituições escolares possuem uma vasta dimensão de conflitos que norteiam valores, que interagem, produzem e reproduzem as visões influentes de sexualidade e gênero na sociedade e, muitas vezes marginalizam aqueles e aquelas que não se moldam as condutas sociais de masculinidade hegemônica e com as figuras de feminilidade mais submissas.

1.     Gênero e Educação Física

    Na Educação Física estas contradições, conflitos e angústias também são percebidos com muita evidência. A história da Educação Física no Brasil nos mostra com nitidez que a diferença biológica entre os sexos oculta relações de poder, distintas pelo predomínio masculino, que conservaram a divisão entre homens e mulheres, mesmo após a concepção da escola mista. Se analisarmos a história do Brasil, tanto na Colônia como no Império, observamos que a atividade física não era incentivada, pois se considerava que os esforços físicos eram relacionados com as atividades de escravos. “Marx analisa muito bem o efeito do poder institucionalizado sobre o corpo apenas na situação de trabalho e, sobretudo, privilegiando o papel do trabalhador e da ideologia.” (MEDINA, 1990). Assim podemos verificar as contribuições de Marx, das relações sociais, corpos limitados á situação de trabalho.

    Segundo Castellani (1988), a preocupação com o corpo no Brasil, se dá com a chegada família real portuguesa, em 1808, e com a criação da Academia Real Militar, onde introduziu-se o método da ginástica alemã, assim os militares foram os primeiros a se dedicar à prática de atividades físicas. Porém a aristocracia continuava a resistir à prática de atividades físicas, vistas como não apropriadas às elites, pois estes deveriam se preocupar com as atividades intelectuais, apenas as pessoas das classes mais baixas praticavam a ginástica.

    As meninas não praticavam exercícios ginásticos até o início da década de setenta do século XIX (Oliveira, 1987). As meninas ganharam o direito de participar das aulas de ginástica por volta de 1874, e somente em 1882, quando Rui Barbosa passou a proclamar os benefícios das atividades físicas e instituiu obrigatoriedade a ginástica para ambos os sexos. Porém, a mulher deveria preservar a harmonia das formas visando a futura maternidade, deste modo, a ginástica feminina abrangia trabalhos manuais, jogos infantis, a ginástica educativa e esportes menos violentos, compatíveis com a delicadeza e fragilidade de seu corpo. O contexto habitual era que as mulheres deveriam estar saudáveis para assim terem mais condições de gerar filhos saudáveis e aptos à construção e defesa da pátria. (Marinho, 1980).

    Por volta dos anos 30 o esporte é implantado na escola brasileira, e mais uma vez o corpo frágil da mulher, diante do homem, é negligenciado para o esporte. Sua delicadeza, fragilidade expressividade não eram atributos considerados positivos para a prática esportiva, assim ao sexo feminino sobravam poucas alternativas, como a dança, a ginástica educativa e o voleibol. Já para os homens, que possuíam natureza forte, dotada de habilidades; os esportes como o futebol e o basquete que exigiam maiores esforços, contato corpo a corpo e movimentos violentos, era a oportunidade de extravasar a virilidade cuja sociedade de algum modo impôs historicamente. O esporte para as mulheres era o voleibol, e os homens não podiam ser vistos praticando este esporte para não serem taxados socialmente como afeminados, existindo também a mesma situação em relação ao futebol quando praticado pelas mulheres (Souza & Altmann, 1999).

    A atividade física então, por muitos anos, foi sendo segmentada e rotulada devido a divisão dos gêneros masculino e feminino, e nessa esfera os indivíduos parecem não ter maneiras de resistir, de se localizarem e serem localizados pelos rígidos padrões sociais que demarcaram, separaram e opuseram o masculino e o feminino como terrenos estagnados, duradouros e inflexíveis.

    Com o transcorrer dos anos, as perspectivas sobre os quais o esporte vinha sendo processado foram sendo modificados, por volta de 1979 tais situações foram sendo modificadas, homens passam a praticar voleibol, e as mulheres é dado o direito da prática do futebol; e atualmente é muito comum a apresentação dos homens nas quadras de vôlei e a presença feminina nos campos de futebol, porém tais mudanças não garantiram aos praticantes de esportes anteriormente sexistas, afastar ainda as situações preconceituosas de aceitação social para com a masculinidade e feminilidade.

    Uma análise da escola hoje nos faz acreditar que ainda existem preconceitos em relação a alguns esportes e conteúdos trabalhados na Educação Física, pois meninos e meninas, moços e moças, quando chegam à escola já têm interiorizado parte dos padrões de comportamentos discriminatórios, possuem muitas concepções já estabelecidas, compreendidas e assimiladas, tornando-se visivelmente naturais, mesmo que sejam fatos culturais, construídos socialmente; “muitas vezes os meninos não querem participar das aulas de dança, por terem em mente que a dança os deixam afeminados, pois que a graciosidade é uma característica só das mulheres” (BREGOLATO, 2007, p. 76).

    Atitudes e concepções relacionadas ao gênero masculino e feminino estão presentes em nosso cotidiano e parecem naturais, e através destas concepções as pessoas são classificadas. As maneiras de ser do ser humano, não são situações prontas e acabadas, não são inatas, são construídas cotidianamente, lentamente e gradualmente, por meio da interação social. O ato de praticar atividades ditas de homens ou mulheres – em sua gama de possibilidades - é referente às construções sociais que se remetem à formação das identidades e à modelagem de comportamento. As escolhas e identificação relacionadas as atividades físicas dependem de um movimento dialético: a percepção de si e as relações com os outros. Podemos dizer que a relação atividades de meninos e de meninas está mais relacionada ao meio do que nas dimensões de percepção individual. A investigação com que nos deparamos é: a dança é uma prática do feminino?

2.     Dança – apontamentos de sua história

    Segundo vários estudos, a dança é tão antiga como a própria vida humana, nasceu da expressão das emoções primitivas, nas manifestações e nas comunhões místicas entre homens com a natureza. O homem que ainda não falava, utilizava das expressões corporais para expressar suas emoções e esta por sua vez se fazia presente em vários rituais místicos e acontecimentos de sua vida, desde a Idade da Pedra, representando o amor, a luta, a morte, ou como modo de pedir algo ou de agradecer aos deuses.

    Como ser social e religioso, o homem sempre sentiu a necessidade de se comunicar com seus semelhantes e com os poderes sobrenaturais, e para isso, antes de dominar a linguagem e antes então da expressão oral o meio de excelência de comunicar notícias, idéias e sentimentos, recorreu ao próprio corpo para estabelecer contato com as divindades, prestar culto à natureza e comunicar-se com seus semelhantes. (NANNI, 2001).

    A dança é fruto da expressão do homem que através da pantomima e da mímica mais primitiva, iniciou o processo de comunicação com seus semelhantes, com a natureza e com as divindades. (NANNI, 2001).

    Todo povo têm cerimônias especiais para distinguir a mudança do papel social que o individuo está alcançando, estes vão desde o nascimento até a morte em muitas sociedades. Dentre diversos tipos de rituais de celebração, que vão desde provas de resistência física às mutilações corporais, os ritos de passagem e celebração de adultos que alcançam nova posição na sociedade, frequentemente são expectativas e exigências sexuais representadas através da dança.

    Entendida como uma das mais antigas formas de pressão artísticas, a dança cumpriu um papel importante no desenvolvimento das civilizações, algumas vezes como ferramenta de crenças míticas e mágicas, outras como expressão dos costumes, saberes e preocupações da sociedade e por fim, como forma de diversão para os mais diversos tipos de indivíduos e classes sociais. Com a história, a dança se desligou progressivamente de seu sentido ritualístico e religioso primitivo para adquirir uma função lúdica e estética, e se implantou de duas formas sociais e culturais diferentes: o caráter de manifestação coletiva contribuiu para consolidação da dança como expressão festiva, popular e folclórica, e a vertente estética e visual favoreceram o nascimento de uma dança teatral – o ballet caracterizado por uma diferenciação mais clara entre espectador e bailarino. (MENDES, 1987).

    Na Grécia a dança era exaltada, assim como os esportes, a harmonia entre o potencial físico, conhecimentos políticos e filosóficos, eram premissas essenciais para a educação grega. A dança era indicada para atingir os objetivos gregos de harmonia entre corpo e espírito, pois o corpo é a primeira forma de poder com que as pessoas podem se identificar, segundo Hanna (1999), ontologicamente, as pessoas descobrem e dominam seus corpos no tempo, no espaço e em padrões de esforços que, através da visão de movimentos travam as relações. O poder que tem a dança de comover e persuadir em reconhecido na teoria da história ocidental. “Aristóteles reconhecia o potencial das artes (o teatro grego incluía a dança) de despertar, e temia que ela pudesse subverter o Estado e a Religião”.(HANNA 1999, p. 46).

    No século IV, a dança passa a ser rejeitada na sociedade, condenada pela igreja católica, com severos castigos anunciados àqueles que ousasse dançar. Mesmo assim, muitos povos permanecem a dançar como forma de suas manifestações cotidianas, como era o caso dos camponeses, que dançavam em rituais festivos e por isso, eram considerados pagãos (PORTINARI, 1989).

    Na Idade Média percebe-se que a dança ainda possui escasso campo de reconhecimento como manifestação ritualística social, permanecendo em clima de proibições eclesiásticas e instabilidades, permitia - se dançar apenas as formas que se relacionassem aos cultos religiosos. (NANNI, 1995).

    Na renascença inicia-se um movimento artístico não mais ligado à igreja, com uma forte influencia na arte que mantém relações de poder dos nobres das cortes. É na Itália que o ballet tem início. Derivado do italiano ballare (bailar), é um conjunto de passos de dança executados em solo ou em grupo. No século XVII, o centro de expansão do ballet deslocou-se da Itália para a França e foi no reinado de Luís XIV, que grandes mudanças ocorreram impondo novas características técnicas. Luís XIV teve o seu epíteto de “Rei Sol” no “Ballet de La Nuit”, em 1653, com 15 anos, interpretando o papel de Sol. O ballet reúne em sua maioria, várias artes, tais como a música, pintura (cenários e figurinos), arte dramática (mímica e interpretação) com a dança na sua forma clássica ou moderna.

    Os diferentes métodos de ensino possuem características diferenciadas, porém o vocabulário do ballet é baseado em termos franceses tornando-se uma linguagem universal entre seus praticantes, desde a sua criação até os dias de hoje.

    Desde os primórdios até os dias de hoje podemos observar que a dança está presente na vida social, seja dos camponeses e plebeus, ou nobres que apreciavam os grandes ballets do romantismo que ilustravam idéias de lendas e histórias, passatempos que perpetuavam o status quo cultural.

    No fim do século XIX, o bailado francês, dominado por bailarinos (as), afunda-se na trivialidade, o público acolhe, portanto, com entusiasmos espetáculos novos, mesmo que nada tenham a ver com a dança clássica. Mais ou menos em 1900, Isadora Duncan deixa a América para se instalar na França, e seduz o público com novas sensações. Os atuais trabalhos de dança moderna não dão tanta importância ao belo, as formas, às histórias, as expressões... Muitas exploram o movimento pelo movimento, e retratam o cotidiano das pessoas, o ser simples, a modernidade, as evoluções, o homem e o poder do movimento e sua s formas... O contemporâneo é alvo de inúmeras transformações, pesquisas contínuas, criações de novos estilos e de novas técnicas.

    As danças ritualísticas apresentam roteiros simbólicos tanto para a masculinidade quanto para a feminilidade, as metáforas de movimentos distinguem o masculino do feminino e os padrões dos papéis sexuais servem para marcar e lembrar aos integrantes da platéia suas respectivas identidades e papéis (Hanna, 1999 p. 122 e 123)

    Se a dança deve ser entendida não apenas como resultado artístico de um processo histórico das civilizações que se mantêm em constante evolução com suas características religiosas, seus costumes, comportamentos e lazer, mas também como retrato da capacidade expressiva e cultural de cada povo. Se esta manifestação cultural acompanhou a evolução do homem e das sociedades desde a época das cavernas ás evoluções tecnológicas hoje consumidas; sendo a dança um patrimônio cultural herdado, que não se limita em repetir formas tradicionais e acadêmicas estanques. Se esta é arte viva, que se transforma de acordo com as idéias estéticas de cada tempo e lugar, incorporando quantas inovações técnicas, rítmicas, visuais, expressivas e estéticas, com inúmeras linguagens e possibilidades expressivas. Se as pessoas parecem sentir uma necessidade natural de expressar seus sentimentos através do movimento rítmico, nosso questionamento é por que a dança é uma prática ainda hoje vista no feminino?

3.     Dança - rompendo as barreiras do gênero masculino

    Ao longo da história da dança percebemos sua importância na construção social humana. Luis XIV, dançou papéis importantes em sua corte e foi glorificado como “Rei Sol”, aos 15 anos de idade, e aristocracia aplaudia o nobre que dançava. Quando Luis XIV deixou suas apresentações de dança, esta passou de social palaciana para gênero teatral profissional; “a cultura ocidental, geralmente associou o homem que dança profissionalmente com a efeminação e homossexualidade” ( HANNA, 1999).

    A herança judaico-cristã excluía as mulheres dos papéis religiosos públicos, e passou-as para o teatro secular, como mulheres bem educadas não poderiam aparecer em palcos públicos, os homens é que dançavam os papéis femininos como travestis. Eles eram mais virtuosos e sempre mais respeitados por suas danças individuais. (Hanna, 1999).

    A revolução francesa e industrial disparou sérios golpes na importância da dança, atirando-a na síntese de exposição masculina real e representação feminina inferiorizada. No meio da elite social e política as atividades corporais passam a ser associadas ao enfraquecimento moral e os embaraços à produtividade econômica.

    Hanna em seu estudo sobre o papel sexual na dança, recorre às antigas perspectivas bíblicas e gregas, aponta que os dirigentes dessas revoluções analisam negativamente a dança masculina como uma distração diante dos seus objetivos.

    Com seus estímulos multissensoriais conjugados ao conhecimento, o corpo que dança chama a atenção para a sexualidade e desperta as emoções. Sendo assim, uma grande gama de homosexuais são atraídos pela dança, pois, o mundo da arte oferece à eles uma oportunidade para libertar e expressar a sensibilidade estética emocional e erótica, um isolamento da sociedade que em parte os rejeita, um espaço para a corte e uma arena que pode tratar de suas angustias e interesses. (Hanna, 1999).

    A dança é potencialmente poderosa, pois se assemelha à linguagem, dançar é uma forma comunicação não verbal, tem seu vocabulário, suas normas e suas semânticas, provida de significados. A dança pode transformar complexas sensações interiores, e alicia as pessoas para a aceitação, à tranqüilidade ou para o despertar.

    Quando uma mulher dança ninguém se importa, mas quando um homem dança, é outra coisa. O homem que dança se torna um tipo especial das minorias, já que, os movimentos corporais são socialmente construídos e o movimento, estereótipo de homens e mulheres são aprendidos desde o início da vida como crenças, repletos de expectativas. Os indicadores de movimentos sexuais na nossa sociedade tendem a fundir com a dominação interpessoal e masculina, os padrões ligados ao sexo têm origem na evolução humana e como já vimos, a dança, o movimento expressivo está presente desde os primórdios.

    No mar das possibilidades existentes que se relacionam com o corpo e com o movimento humano, a escola hoje é um lugar privilegiado para as multi-ações pedagógicas, que busca o desenvolvimento do potencial criativo, imaginativo dos alunos. Sendo assim, a dança (que muitas vezes está presente somente nas datas comemorativas e festinhas) pode e deve ser conteúdo programático com finalidade específica na conduta e no desenvolvimento geral do educando.

    A escola hoje é sem dúvida um lugar privilegiado para aprender dança com qualidade, profundidade, compromisso, amplitude e responsabilidade, para que isto aconteça e, enquanto ela existir a dança não poderá mais continuar sendo sinônimo de “festinhas de fim de ano” (MARQUES, 1997)

    No que se refere a dança no meio escolar, várias considerações podem ser feitas, as aulas de Educação Física representam uma situação estável e característico de exame.O uso da dança como conteúdo da cultura corporal desde as séries iniciais, possibilitará uma nova concepção dos indivíduos sobre a dança, oportunizará ao educando (menina ou menino) as manifestações da cultura que tem como característica a expressão e os estímulos sonoros como referências para o movimento corporal e possibilitará mudanças de atitudes no que se refere aos papéis sexuais e as situações de gênero na sociedade.

    O Brasil é um país dançante, onde a maioria da sua população consegue se expressar corporalmente com facilidade nas mais diferentes festas e com os mais diferentes ritmos no território nacional, quais são os motivos que levam a escola não aproveitar tais características? E o educador da área da Educação Física não desenvolver tais aptidões e desenvolturas em prol de um desenvolvimento global dos seus alunos, possibilitando uma harmonia corporal?

    Trabalhar os conteúdos de dança na escola, é uma das estratégias que se indica para quebrar o paradigma de que homem que é homem joga futebol e que mulheres usam cor de rosa, praticam dança e choram!

    Cabe ao professor de Educação Física quebrar paradigmas e adaptar as aulas para todos os alunos, como recurso para evitar exclusões entre meninos e meninas, a fim de articular idéias pré-concebidas sobre a sexualidade, o esporte e a dança. Talvez possibilitar um aquecimento com auxilio da música, pode vir a ser uma estratégia, proporciona a participação (mesmo que momentânea) dos meninos.

    São inúmeros os conflitos e as dificuldades que os educadores enfrentam com as questões de gênero na escola, especialmente com as aulas de dança pois se trata de valores e normas culturais que se transformam lentamente, e desta forma vivemos às margens de uma sociedade que relaciona a dança masculina às opções sexuais, esquecendo que a atividade corporal ritmada não tem nada a ver com as opções sexuais do individuo executante, e apesar dos esforços para tornar a dança uma atividade aceitável para o homem, as atitudes de mudanças são lentas.

    Lembramos que os processos de sociabilização e aceitação do gênero masculino com a dança é complexo, sutil e marcado por inevitáveis resistências individuais e coletivas, bem como por profundas contradições. Neste caso a intenção conservadora lógica, presente nas sociedades para reportar comportamentos, valores e idéias, conflita-se com a tendência, que busca mudar os caracteres dessa formação social que se demonstra desconfortável para alguns indivíduos ou grupos que compõe o complexo e conflitante conjunto social.

    Os estudantes são seres com uma bagagem prévia de crenças, idéias, atitudes, valores, significados e comportamentos adquiridos no convívio social fora dos espaços escolares. A televisão, a fala dos adultos, as atitudes dos grupos de amigos estão cheios de estereótipos de gênero, de crenças sobre o que é ser homem e ser mulher em nossa cultura.

    Mesmo sabendo das dificuldades que é trabalhar os conteúdos de dança na escola principalmente com os meninos, acreditamos que a partir do momento que tais conteúdos são experenciados pelos alunos de uma forma sadia, alegre, vibrante e saudável; os mesmos são aceitos e apreciados.

    Se a escola e a Educação Física são limitadas por idéias já pré-estabelecidas, por outro lado devemos lembrar que a escola e a Educação Física são também responsáveis pela construção de novas concepções de cultura e que é possível criar estratégias, propostas e atividades que proporcionem aos alunos novas aprendizagens corporais.

Referências

  • ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.;SILVA, L. B. da. Juventudes e Sexualidade. Brasília: Unesco, 2004, p. 278.

  • BREGOLATO, R.A. Cultura corporal da Dança. Coleção Educação Física Escolar: no princípio de totalidade e na concepção histórico-crítica –social. São Paulo: Ícone, 2007. vol. 1 – 3 ed.

  • CASTELLANI FILHO, L. Educação Física No Brasil:a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988.

  • HANNA; J. L. Dança, Sexo e Gênero – Signos de identidade, dominação, desafio e desejo. Rio de Janeiro:Rocco, 1999.

  • MARQUES, I. Dançando na escola. Revista Motriz, UNESP, Rio Claro, vol. 3, nº I, p.20- 28, 1997.

  • LOURO, G. L. Uma leitura da historia da educação sob a perspectiva de gênero. Teoria e educação, número 6. Porto Alegre, 1992, p. 53-67.

  • ________. Gênero, sexualidade e educação, uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

  • MEDINA, J. P. S. O brasileiro e seu corpo – Educação e política do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1990. 2 ed.

  • NANI, D. Dança Educação - Princípios, Métodos e Técnicas. Rio de Janeiro: Sprint,1995.

  • OLIVEIRA, V.M. O que é Educação Física. São Paulo: Brasiliense, 1983.

  • PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

  • SOUZA, Salvadora; ALTMANN, Helena. Meninos e meninas – Expectativas corporais e implicações na Educação Física escolar. Corpo e Educação. Caderno Cedes 48. Agosto 1999.

  • SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul-dez, 1995, p. 86.

  • Revista Educação – Especial Grandes Temas – Gênero e Sexualidade: Mapeando as igualdades e as diferenças entre os sexos e suas relações com a educação. Número2. Editora Segmento, SP. Março de 2008

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