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A questão do negro. Intervenções da arte 

em busca de compreensões étnico-raciais

Cuestión de negro. Intervenciones del arte en la búsqueda de comprensiones étnico-raciales

The issue of black. Interventions of the art in search understanding ethnic-racial

 

Graduado em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas pela

Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP/Bauru)

Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCar)

Professor na rede pública do estado de São Paulo (SEE/SP)

Membro do Núcleo de Estudos em Fenomenologia em Educação Física (NEFEF/UFSCar)

Sócio-pesquisador da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH/UFSCar)

Paulo César Antonini de Souza

pauloantonouza@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O presente artigo fundamenta-se em uma pesquisa qualitativa realizada, a partir de uma intervenção pedagógica, junto a 14 estudantes do ensino médio de uma escola estadual localizada no interior do estado de São Paulo, Brasil, com o objetivo de compreender e fomentar suas relações étnico-raciais. Para análise dos dados foram utilizados relatórios discentes, fotografias e filmagens digitais da intervenção, que desvelaram compreensões sobre: respeito e divulgação das diferenças étnicas; herança cultural africana e a formação brasileira; consciência sobre igualdade e dignidade; discriminação e preconceito; ensino e aprendizagem constituintes do ser humano.

          Unitermos: Africanidades. Arte. Intervenção pedagógica

 

Abstract

          This article is based on a qualitative study, from a pedagogical intervention, developed with 14 students from a high school located within the state of Sao Paulo, Brazil, in order to understand and foment your ethnic and racial relations. For data analysis we used students' reports, digital photos and shooting of the intervention, revealing insights regarding the: respect and dissemination of ethnic difference; African cultural heritage and brazilian social training; awareness of equality and dignity, discrimination and prejudice, teaching and learning components human.

          Keywords: African. Art. Pedagogical intervention

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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 (...) Moleque tá batendo na madeira

A mãe foi conversar com a benzedeira

Deixa bater, deixa rezar

Deixa pisar pra levantar poeira.

Santo Negro – Beto Villares

Introdução

    Motivado por discussões provocadas a partir do curso Educando Pela Diferença para a Igualdade,1 realizado em 2006, e em cujas atividades constavam exercícios de pesquisa a ser desenvolvida com estudantes do ensino médio, iniciei uma atividade de intervenção pedagógica naquele mesmo ano, cujos procedimentos foram sendo adaptados ou reutilizados nos anos seguintes. O presente estudo utiliza-se dos registros obtidos mediante a intervenção realizada em 2008 com turmas do ensino médio da Escola Estadual Professora Dinah Lúcia Balestrero, no contexto das africanidades.

    A Escola Estadual Professora Dinah Lucia Balestrero (Escola Dinah), campo de estudo deste trabalho, localiza-se na cidade de Brotas, interior de São Paulo, e apresenta em seu quadro, atualmente, 1.259 alunos e alunas, oriundos de diversas classes, realidades e origens sociais, distribuídos em três períodos escolares, cuja maior concentração é no período da manhã. Em seu aspecto físico, além da parte administrativa, o prédio escolar conta com duas quadras cobertas, dez salas de aula, uma sala ambiente de informática (S.A.I.), uma sala de artes2 e um prédio (antiga moradia do zelador) onde se encontra a biblioteca.

    As diferentes compreensões e o debate desencadeado no momento de suas exposições em sala tornaram-se base para muitas das atividades desenvolvidas ao longo do projeto de intervenção pedagógica, sendo mais que resultados de uma proposta, elementos da construção de seus caminhos na expectativa de que promovesse junto aos mesmos, a motivação para que se tornassem multiplicadores das ações desenvolvidas, no entendimento dado por Freire (2006), de que: “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (p.59).

    Neste contexto, as aulas de Arte, considerando as aproximações possíveis às suas linguagens e com base no repertório cultural discente para a definição das estratégias, apresentam-se como um meio significativo de interação pedagógica e promissora ao estímulo da reflexão.

    Partindo da concepção de que a Arte é uma linguagem manifestada desde os primeiros momentos da história do homem e estruturada, em cada época e cultura, de maneira singular, o conhecimento dessa linguagem contribuirá para maior conhecimento do homem e do mundo (BUORO, 1996, p.33).

    Desconfortáveis no início, logo os estudantes abraçaram a proposta e, utilizando-nos de debates, pesquisas, análises de obras plásticas, musicais e cinematográficas, além da expressão corporal, o desenvolvimento do conteúdo foi tomando muito mais significado para todos os envolvidos do processo, estendendo-o às famílias que, curiosas com o tema, contribuíram não apenas com pontos positivos, mas também com exemplos negativos da reação social à cultura negra.

    O direcionamento, em determinado momento do projeto, à religiosidade, operou-se de forma natural. O suporte oferecido pelos ritos da fé e sua mistificação, identificada principalmente nas atitudes de ignorância e preconceito descobertas pelos estudantes, valorizou e instigou a pesquisa para as manifestações religiosas de origem africana.

    De modo geral, o atual povo brasileiro é oriundo de quatro continentes: América, Europa, África e Ásia. (...) É por isso que o Brasil, como país e como povo, oferece o melhor exemplo e encontro de culturas e civilizações. Cada um destes componentes étnicos ou culturais trouxe sua contribuição para a formação do povo e da história dos brasileiros; na construção da cultura e de nossa identidade. (MUNANGA & GOMES, 2006, p.17).

    Impulsionados pelas descobertas e pelo contato com as manifestações da cultura afro-brasileira, os estudantes dedicaram-se então ao exercício das práticas corporais, observando danças típicas, jogos e lutas, e também, ouvindo e discutindo sobre composições de origem e/ou influência africana, como apontam Munanga e Gomes (2006): “Por meio da resistência política, da religião, da arte, da música, da dança e da sensibilidade para a ecologia o negro produz, participa e vivencia a cultura afro-brasileira” (p.139).

    Da mesma maneira, a discussão a respeito dos termos discriminação e preconceito motivaram diversas situações, o que para Santos (2004) podem promover uma descaracterização dos atos preconceituosos, que se refletem sempre a partir de uma atitude antecipada e negativa frente a pessoas, grupos ou idéias diferentes das nossas, e baseada em padrões de comparação que excluem e desfavorecem, reduzindo sua condição.

    Esses mesmos elementos também são responsáveis pela imagem socialmente ruim que as próprias crianças negras constroem sobre sua identidade cultural, como indicam em seus estudos Chagas (1997), Andrade (2000); e Algarve (2002).

    O processo de ensino e aprendizagem promovido pelos alunos, em sua curiosidade, pesquisa e discussão reflexiva, desencadeou fortes laços de empatia entre eles e seu objeto de estudo, mas principalmente, intensificou significados apoiados na vivência experimental, resultando na libertação de pré-conceitos e estimulando a recepção à diversidade cultural encontrada em nossa sociedade, e representada de maneira bastante evidente nas salas de aula.

    A educação artística precisa sofrer interferência de questões sobre os atos de conhecimento visual, porque esses guardam estruturas que, uma vez projetadas em formas artísticas, carregam reflexos de uma cultura particular permitindo, também, a gênese de um fazer artístico genuíno (ARANHA, 1999, p. 67).

    A intervenção pedagógica, graças à variedade de estratégias utilizadas durante o desenvolvimento do trabalho, mantendo o tema orientador e alternando as abordagens através de atividades e oficinas, diversificavam-se entre as linguagens próprias da comunicação pela Arte, promovendo atitudes participativas e de interesse por parte dos grupos de alunos.

Objetivo

    Refletir sobre a herança cultural africana e suas contribuições para a formação da sociedade brasileira, estimulando o convívio com a diversidade cultural étnica e a troca de repertórios a fim de conhecer, valorizar e promover as manifestações culturais de grupos sociais, em busca da conscientização discente sobre dignidade e igualdade.

Procedimentos metodológicos

    Utilizando estratégias da pesquisa qualitativa em educação, pois, “o processo de construção de investigação qualitativa reflete uma espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 51), o presente estudo pautou-se na metodologia da pesquisa participante (BOGDAN; BIKLEN, 1994; COSTA, 2002), permitindo que o diálogo face à intervenção pedagógica oferecesse as bases necessárias para a construção deste trabalho.

    A pesquisa-ação, assim, é concebida como aliança estratégica de sujeitos coletivos inscritos em categorias singulares, que passam a produzir relatos sobre si e sobre suas tradições e posições socioculturais, inscrevendo suas identidades no horizonte mais amplo das culturas (COSTA, 2002, p.94).

    No total, 145 estudantes do primeiro ano do Ensino Médio, dos quais 78 frequentando regularmente o período da manhã e 67 o período noturno, estiveram diretamente envolvidos com a intervenção pedagógica realizada durante as aulas do componente curricular Arte, que procurou como objetivo específico: Identificar, relacionar e compreender a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhecendo, respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, aproximando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.

    Os estudos e oficinas eram sempre retomados para discussão sem seguida ao seu desenvolvimento, sendo registrados também em relatórios individuais discentes, para acompanhamento dos significados apontados pelo grupo.

    Além dos relatórios, foram utilizados como instrumentos de coleta dos dados, os desenhos nos cadernos, fotografias de momentos das aulas e filmagens digitais, que permitiram através de sua análise, a identificação de cinco situações apontadas pelos estudantes: Ensino e aprendizagem constituintes do ser humano; Discriminação e preconceito; Consciência sobre igualdade e dignidade; Herança cultural africana e a formação brasileira; Valorização e divulgação de manifestações étnicas.

    Fazem parte da estrutura deste trabalho, a transcrição de trechos dos relatórios desenvolvidos por quatorze alunos e alunas durante o andamento do projeto de intervenção pedagógica, de maneira que sustentem sua significação e estabeleçam relação com o processo educativo desenvolvido.

    A fim de preservar a identidade dos/as estudantes envolvidos/as no trabalho, seus nomes foram substituídos pelo termo: Discente, mantendo-se, porém, o período em que freqüentam a escola.

A intervenção pedagógica

    Após a realização de uma tempestade cerebral3 introduzindo o tema africanidades para os estudantes e iniciando o debate a respeito do preconceito e da discriminação, iniciou-se o processo de intervenção utilizando obras de arte: “Dança” (1965), do artista Heitor dos Prazeres (SANTA ROSA, 2001; “A Redenção de Cã” (1895), de Modesto Brocos Y Gomes (TEIXEIRA LEITE, 1999) e “Logotipos poéticos da cultura afro-brasileira” de Rubem Valentim (REBOUÇAS, 2003) (fig. 1).

    A musicalidade foi explorada a partir de composições como “Conto de Areia” e “A Deusa dos Orixás”(NUNES, 1995); “Santo Negro” (VILLARES, 2003); músicas de origem africana (CARAS, 2004), sons musicais utilizados em terreiros de candomblé, umbanda e em jogos de capoeira trazidos pelos próprios discentes, que além de reproduzidos com o efeito de ambientação/des-estranhamento durante as aulas, também foram utilizados como recursos em atividades pontuais ou em seminários realizados a fim de compartilhar as experiências (fig. 2).

Fig. 1. Reproduções diversas das atividades

plásticas desenvolvidas pelos discentes.

Fig. 2. Apresentação de seminários sobre 

os orixás, desenvolvidos pelos discentes.

    Pesquisas feitas em casa com os familiares, com os amigos nas ruas, através da leitura de textos selecionados (MUNANGA; GOMES, 2006) e na internet através da S.A.I. e, tendo como fonte o sítio da Federação Internacional Afro-brasileira4 possibilitaram aos discentes identificar as diversas formas de representação dada aos temas que envolvem o povo afro-descendente, como a raça, etnia, história e religiosidade (fig. 3), entre outros.

    Tanto a religiosidade negra como outras expressões religiosas devem ser compreendidas como formas construídas, no interior da cultura, de estabelecimentos de elos com o Criador, com o que está além do que costumamos considerar como mundo racional (MUNANGA & GOMES, 2006, p.140).

    Ao aprofundarmos o estudo em direção à religiosidade, a partir do interesse manifestado pelos discentes, uma das estudantes deu um depoimento sobre seu contato com a religiosidade afro-brasileira, disponibilizando na aula seguinte, uma foto (fig. 4) onde a mesma aparece em um destes encontros religiosos.

Fig. 3. Esculturas e cartazes sobre 

os orixás criados pelos discentes.

Fig. 4. Fotografia compartilhada por discente mostrando 

sua participação em cerimônia religiosa afro-brasileira.

    A presença da corporeidade na maioria das manifestações da arte e da cultura afro-brasileira, também estimularam os exercícios que viriam finalizar esse estudo junto aos discentes. Neste contexto, a participação do professor de Educação Física foi de grande significação, posto sua interação com o tema africanidades e a disponibilidade ao envolver-se nesta etapa do trabalho.

    A partir de um estudo sobre o maculelê5 que incluiu pesquisas na internet sobre sua origem histórica e sobre as formas de apresentação, os discentes experienciaram a prática e utilizando os movimentos corporais desenvolvidos a partir das imagens coletadas em revistas (fig. 5), montaram coreografias representando suas impressões sobre a luta e perseverança dos afro-descendentes em manter viva sua memória cultural (fig. 6).

Fig. 5. Seleção de imagens, colagem, simplificação dos desenhos

e criação de sequência para construção de coreografia.

Fig. 6. Estudo de coreografia desenvolvida,

experimentação material, ensaio e apresentação.

    Para trazer então, a vivência corporal e as experiências desenvolvidas durante o projeto, uma exibição do filme “Crash, no Limite” foi realizada (CRASH, 1994), seguida de um debate sobre as impressões dos alunos em relação aos personagens do filme, ao racismo, a discriminação e o preconceito.

    Como atividade final do projeto, foi proposta aos alunos, uma avaliação de todo o trabalho, buscando em suas anotações e registros, pontos que justificassem o estudo desenvolvido. Foi estimulada a reflexão sobre todos os conceitos, representações e leituras desenvolvidas durante as aulas para construção de um relatório que, a partir do ponto de vista de cada um, resumisse qual a “questão do negro”, que foi apresentada em forma de um relatório.

Construção dos resultados

    Considerando a perspectiva dada à questão e os objetivos deste trabalho, levando em conta principalmente a proposta metodológica desta experiência que visou a observação e o registro atencioso dos momentos vivenciados durante a intervenção pedagógica, a finalização do projeto através dos relatórios discentes, assim como sua análise, permitiram a identificação das cinco situações apresentadas a seguir:

Valorização e divulgação de manifestações étnicas

    Neste aspecto, os discentes destacam o estranhamento que identificam em seus amigos e familiares e sobre o qual começam a discutir, defendendo a legitimidade de seu estudo e procurando colocar-se como disseminadores de sua presença frente às demais verdades sociais:

    Comentei com a minha mãe, o que estava estudando, e ela me disse também, que cada orixá tinha a ver com algum santo da religião católica. (Discente 1 - manhã). Acho legal as pessoas reverem seus conceitos, a religião de origem africana sofre bastante por causa da ignorância e da falta de informação a seu respeito. (Discente 1 - noturno). Quando eu falei para minha tia o que eu estava aprendendo, ela logo foi falando que era coisa do diabo, que meu professor era louco de ensinar isso. E mesmo eu explicando para ela que é uma religião, ela não entendia. (Discente 2 - manhã). Meu irmão me zoou, ou seja, brincou comigo falando que era macumba, mas também passei a ele meu conhecimento (...) e ele veio a me compreender. (Discente 2 - noturno).

Herança cultural africana e a formação brasileira

    As pesquisas e leituras desenvolvidas durante a intervenção e as discussões realizadas tanto em sala quanto fora dela, além do contato com as diversas manifestações artístico-culturais pelas quais os discentes vivenciaram a “Questão do Negro”, trouxeram significados que convidam a uma reflexão sobre o que se discute a respeito da formação cultural brasileira:

    A história do povo afro-descendente é pouco conhecida ainda hoje. As pessoas só sabem que os negros eram escravos que se libertaram. Poucos admitem que sem os negros, muitas produções artísticas e culturais não existiriam em nossa sociedade. (Discente 3 - manhã). O contato com a cultura africana me mostrou como podemos ser felizes com coisas simples, de que não devemos desistir, que temos origem e que sempre é possível vencer os desafios. (Discente 4 - manhã).

Consciência sobre igualdade e dignidade

    São identificadas aqui, posturas de uma consciência social baseadas em valores que seriam fundamentais para a completude do ser humano. Os excertos apresentam reflexões a respeito da forma como as pessoas se relacionam e mostram uma busca pela aproximação fraterna entre homens e mulheres:

    Se o que precisamos é fazer a diferença, temos que visualizar o que precisa ser melhorado, colocar foco nas questões e eliminar tudo que é mais ou menos. (Discente 5 - manhã). O ser humano é contraditório, achamos que nos conhecemos, mas não fazemos nem idéia do que somos. São nas pequenas coisas que o ser humano se revela, na verdade, todos temos preconceito de alguma forma. (...) Acho que somos a face do bem e do mal. A que você vai seguir, vai depender do momento. (Discente 6 - manhã). Complicado lidar com a vida. Estamos sempre errando. (Discente 3 - noturno). Infelizmente, parece que o homem não consegue evoluir sem ter alguém subordinado a ele. E essa coisa de cor, facilita tudo. (Discente 4 - noturno).

Discriminação e preconceito

    As reflexões sobre as desigualdades e sobre os processos de discriminação e a perpetuação do preconceito em relação ao negro, tentando reduzi-lo a uma condição de inferioridade, baseadas quase que exclusivamente a partir de sua exterioridade, apontada pela cor da pele, destacam-se na fala discente quando argumentam que o ser humano é maior que essa caracterização determinada pela distância e impessoalidade e refletem uma postura reflexiva sobre a necessidade de alteridade:

    Será que o racismo é natural ao ser humano? Ou dependendo da oportunidade mostramos quem a gente é? Acho que ninguém se conhece bem o suficiente. Isso que eu acho. (Discente 2 - noturno). Enquanto houver desigualdade social, haverá discriminação e racismo. (Discente 4 - noturno). Para ser honesta, branco ou preto não quer dizer nada. É preciso é dar valor a si próprio. (Discente 5 - noturno). Somos da mesma espécie, com apenas algumas diferenças. Será que cor define caráter? (Discente 2 - manhã). Branco ou negro, a cor não voga nada. É preciso ter capacidade para reconhecer os bons e maus caminhos que aparecem em nossa vida. E tentar compreender o ponto de vista do outro. Sem fazer favores. Os seres humanos são iguais, independente de sua cor. (Discente 6 - noturno). Preconceito existe dentro de todos, e todos são suas vítimas. O que o negro tenta mostrar é que ele é um ser humano comum, que sua “cor” não o torna diferente. Eles vieram da África sim, têm suas religiões e culturas, mas isso não os torna mais importantes. Importante, é lembrar que todos somos iguais, e merecemos no mínimo, respeito. (Discente 7 - manhã).

Ensino e aprendizagem constituintes do ser humano

    O destaque ao novo, ao aprendizado contínuo e às novas maneiras de se olhar um tema ou assunto, são destacados nesta situação, na qual os discentes valorizam os processos pelos quais passaram no descobrimento das africanidades:

    (...) aprendi a interagir com novas culturas, origens e muito mais. A convivência com esse tema me fez aprender e conhecer coisas que eu nem sabia que existiam. (Discente 2 - manhã). O preconceito não surge do nada. Não é uma coisa que vem na sua cabeça de manhã e dura pouco tempo. (Discente 4 - manhã).Uma pessoa não nasce pensando o que ela vai fazer, como ela vai fazer, quem ela vai odiar, quem ela vai amar, por quem ela vai morrer, quem ela vai matar. Nossos atos e pensamentos são medidos e feitos a partir do que nos ensinam, do que nos fazem. (Discente 7 - noturno). Tudo pode ser estranho ou ruim quando não sabemos o que é, ou não sabemos seus significados. (Discente 7 - manhã).

Considerações

    A luta pela constituição de novas relações sociais, necessariamente, passa também pela luta contra as desigualdades raciais. A questão racial é, sem dúvida uma contradição aberta, um dilema da sociedade contemporânea (ROCHA, 2006, p.114).

    Segundo o observado durante o desenvolvimento do projeto, os alunos e alunas sentiram-se próximos às atividades propostas e aos objetivos das mesmas por diversas razões.

    Questões políticas, sociais, emocionais e familiares eram trazidas sempre à tona durante as discussões e debates. Em vários momentos percebiam-se mudanças de atitudes e postura autocrítica no que diz respeito ao modo como muitos viam a questão do preconceito e do racismo.

    Em diversos momentos, alguns estudantes permaneciam na sala, após o término da aula, para contar a repercussão do que haviam discutido em classe, com os amigos, a família ou no trabalho. Em uma dessas situações, um dos alunos contou sobre a discussão que teve no emprego por conta de ser chamado de “macaco” e “picolé de asfalto” em tom de brincadeira por um dos colegas, e os argumentos que utilizou para dizer que esse tipo de chamamento não era de seu agrado.

    O contato com as produções artísticas, principalmente as musicais e corporais, e a oportunidade encontrada pelos alunos para utilizar som e corpo na representação de suas idéias, ofereceu momentos de grande significação para o grupo, acostumado a ater-se às representações plásticas quando criando em Arte.

    O estudo da cultura africana e de suas manifestações no Brasil, abriu portas que estavam bem à frente de todos os estudantes, mas que a casualidade permitia manter fechada.

    Recuperar as origens das diversas influências é valorizar os povos que as trouxeram e seus descendentes, reconhecendo suas lutas pela defesa da dignidade e da liberdade, atuando na construção cotidiana da democracia no Brasil, dando voz a um passado que se faz presente em seres humanos que afirmam e reafirmam sua dignidade na herança cultural que carregam. (BRASIL, 1998, p. 154).

    A participação da comunidade e das famílias durante o projeto, com críticas positivas ou não às atividades, também contribuiu para as reflexões desenvolvidas pelos alunos e no desenvolvimento de suas próprias considerações para o trabalho realizado, contribuindo para a autonomia estudantil no que tange à elaboração de seu conhecimento, no qual seu repertório, mais que apenas estudado, foi valorizado e compartilhado na busca por novas questões e respostas.

    Como apontou Discente 7 em trecho de um de seus relatórios: “Nossos atos e pensamentos são medidos e feitos a partir do que nos ensinam, do que nos fazem”. Esse “nos fazem” e “nos ensinam” deveria ser levado em conta durante as prática pedagógicas, principalmente aquelas direcionadas à aproximação dos valores étnico-raciais, na proposta de que a diversidade não seja apenas um termo para decoração pedagógica, mas referencial de uma educação voltada a todas as pessoas que fazem parte do universo escolar.

Notas

  1. O Programa São Paulo: Educando pela Diferença para a Igualdade (SÃO PAULO, 2006), teve como objetivo desenvolver em cursos de capacitação para professores de História, Literatura e Arte, ações de formação continuada dando ênfase, principalmente, na diversidade étnico-racial, segundo orientações do decreto nº 48.328, de 15 de dezembro de 2003 (BRASIL, 2003),.

  2. A sala de artes foi desativada neste ano para atender a procura de novos estudantes, sendo transformada em sala de ensino regular.

  3. Tempestade cerebral é o momento, no projeto, em que todos os alunos expõem suas idéias sobre um tema específico, registradas no quadro negro e anotadas em seus cadernos para referências futuras.

  4. FIETRECA: Federação internacional de estudos das tradições religiosas e culto aos ancestrais afro-brasileiros. Disponível em: http://www.fietreca.org.br/. Acesso em 18 jul. 2009.

  5. O maculelê é uma dança de origem africana, com contribuições indígenas, onde os dançarinos – geralmente do sexo masculino, cruzam bastões de madeira durante sua execução. É muito comum ver representações de maculelê em rodas de capoeira.

Referências

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