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Comercialização de equipamentos para exercícios 

abdominais na televisão: abordagem bioética de um caso

Comercialización de equipamientos para ejercicios abdominales a través de la televisión: abordaje bioético de un caso

Bioethical approach of abdominal equipments for television trade: a case report

 

Programa de Pós-Graduação em Ciência do Movimento Humano

CEFID/UDESC

Bacharel em Educação Física

(Brasil)

Esp. Juan Marcelo Simões Cáceres

Pablo Antônio Bertasso de Araujo

Anderson Ulbrich

Ms. Fernanda Guidarini Monte

Dr. Magnus Benetti

pablo.educa@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          Os exercícios físicos oferecem um grande potencial para melhorar a qualidade de vida atuando na modificação da composição corporal, gerando não apenas benefícios estéticos, mas principalmente aqueles relacionados à saúde, prevenindo, ou até mesmo evitando, o aparecimento de diversas enfermidades. Com este potencial de gerar benefícios para o ser humano, esta atividade tem despertado o interesse de empresas na industrialização e comercialização de equipamentos de uso doméstico. Entretanto, por diversas vezes estes são incapazes de gerar o desempenho ou benefícios propostos. Este trabalho apresenta um estudo de caso fictício, porém, verossímil, discutindo implicações bioéticas na divulgação e comercialização pela televisão de um equipamento importado destinado a exercícios abdominais. Analisa-se a responsabilidade do fabricante, da empresa que esta vendendo o produto e do profissional de educação física que serve de divulgador dos supostos benefícios de seu uso. Objetiva-se ainda analisar a ação do PROCON, dos conselhos de educação física (sistema CONFEF/CREFs) e da ANVISA, verificando como estes órgãos podem proteger a população e disciplinar os infratores.

          Unitermos: Exercícios físicos. Responsabilidade. Benefícios estéticos. Comercialização. Bioética

 

Abstract

          Physical exercises have a large potential on improving life quality, modifying the body mass composition and producing not only esthetics benefits but benefits for good health, attenuating or even avoiding several diseases. With such potential to generate benefits to the human being, this activity has aroused interest of several industries interested in the domestic exercise equipment trade, but in some cases with a lower performance than announced. A case report, fictitious but probable is presented and discussed by the bioethical implications on the TV trade of an imported abdominal exercise machine. The manufacturer’s responsibility, the product trade company and the physical education professional who is doing the advertising on TV are analyzed. We also analyze the competence of the Brazilian physical education council (CONFEF/CREF), the Brazilian costumer protection agency (PROCON) and the Brasilian National Sanitary Vigilance Agency (ANVISA), checking how these federal agencies can protect the population.

          Keywords: Physical exercises. Responsibility. Esthetics benefits. Trade. Bioetical

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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Introdução

    A vida sedentária, a falta de tempo e as preocupações da vida moderna, acompanhados de uma dieta inadequada, vêm desencadeando uma epidemia global de aumento da gordura corporal, da obesidade e conseqüentemente morbidade e mortalidade, por problemas desencadeados ou agravados por seu acumulo indevido (POLLOCK & WILMORE, 1993; NIEMAN, 1999; BERLEY et al., 2000; FLEGAL et al., 2001; CHOPRA et al., 2002). Além de ser um problema de saúde pública, muitas pessoas vivem insatisfeitas com sua forma física. No entanto, o desejo de uma boa aparência entra em conflito com as facilidades da vida moderna, o que as faz buscar alternativas ilusórias e que não as façam sair do conforto de seu dia-a-dia tornando-se alvo de métodos inadequados de redução da gordura corporal.

    A obesidade pode ser definida como uma doença crônica degenerativa, de evolução lenta e contínua, de causas incertas e múltiplas, desencadeante de diversas outras enfermidades. Esta pode, num primeiro momento, ser tratada através de exercícios físicos, restrição de ingesta calórica e de uma modificação de hábitos (POLLOCK & WILMORE, 1993; GUEDES & GUEDES, 1998; NIEMAN, 1999; POWERS & HOWLEY, 2000; BERLEY et al., 2000; FLEGAL et al., 2001; CHOPRA et al., 2002).

    Quando se fala em obesidade, no aspecto estético, pensa-se primeiramente na gordura acumulada na região abdominal, todavia, a musculatura dessa área possui grande importância na manutenção de uma postura adequada, agindo diretamente no equilíbrio pélvico e conseqüentemente sobre a coluna vertebral (GOSLING et al., 1992; LIPERT, 1996; THOMPSON & FLOYD, 1997; CRISTOPHER, 1998;). Atua também, como parede anterior do abdômen, suportando em seu lugar o conteúdo abdominal (GOSLING et al., 1992; LIPERT, 1996). No que se refere à estética a região abdominal exerce papel de destaque, sendo um abdômen definido (camada fina de gordura sobre uma massa muscular suficientemente desenvolvida) interpretada como sinônimo de saúde e condicionamento físico (CRISTOPHER, 1998).

    No entanto, para que os objetivos, tanto de saúde quanto estéticos, sejam alcançados não basta a realização de exercícios abdominais. Eles serão apenas parte de um programa de condicionamento físico. Faz-se necessária a adesão a um programa multidisciplinar, com a elaboração completa de um programa de exercícios físicos por um profissional legalmente capacitado, o acompanhamento de um nutricionista e se necessário de um fisioterapeuta, um médico e/ou um psicólogo (LIPERT, 1996; GUEDES & GUEDES, 1998; NIEMAN, 1999).

    Considerando estas questões, objetiva-se analisar, a partir de um relato fictício, porém verossímil, baseado na realidade de um “programa” de televisão, na verdade uma difusão de mensagem persuasiva, destinada à venda de um equipamento importado para realização de exercícios abdominais. Baseando-se em princípios bioéticos são discutidos o posicionamento da empresa fabricante, da empresa que divulga e comercializa o produto, de um profissional de educação física que apresenta o programa para sua comercialização, do sistema CREF/CONFEF (Conselhos Federal e Regional de Educação Física) que são autarquias do ministério do trabalho e emprego, da Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) sendo esta vinculada ao Ministério da Saúde.

Estudo de caso

    Uma empresa brasileira que comercializa produtos pela televisão e internet, em sua maioria equipamentos importados, veicula na televisão um programa destinado a venda de um equipamento para a realização de exercícios físicos. O programa independente, de responsabilidade de seus idealizadores e realizado nos moldes propostos pelo fabricante, é apresentado por um profissional de educação física que faz uso de seu conhecimento para iludir os telespectadores a respeito dos efeitos e benefícios do produto, aproveitando-se do desejo do ser humano de ter uma boa aparência, sem dispêndio de grande esforço.

    O produto comercializado é um aparelho para realização de exercícios abdominais. Este se apresenta sob a garantia de resultados excepcionais no emagrecimento e no aumento da massa muscular em todo o corpo, além de proporcionar um abdômen forte e definido, mediante a utilização do equipamento durante poucos minutos diários e sem a necessidade de “gastar” horas em uma academia. Neste comercial são mostrados jovens utilizando o aparelho com corpos que certamente não foram conquistados senão com muito esforço em uma academia e acompanhado de uma dieta equilibrada, além de auxiliados por uma “genética privilegiada”. Este programa causa a impressão de que a obtenção deste tipo de resultado pode ser facilmente alcançada por todos, estando vinculada apenas a utilização do referido equipamento.

    Com base neste caso levantam-se algumas questões no que se refere à competência e responsabilidade das partes envolvidas:

    Em conformidade com a legislação Brasileira, a empresa fabricante do equipamento, se estivesse no Brasil, atuando na fabricação de aparelhos destinados a exercícios físicos, deveria ter um responsável técnico (engenheiro mecânico) e consultores (Profissionais de Educação Física) de modo que saberia exatamente o que o aparelho pode ou não oferecer a seus clientes. Neste caso, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8078/1990) em seu artigo 37, §1o se posiciona considerando como “enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falso, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”. No que se refere aos direitos básicos do consumidor, o CDC em seu artigo 6o (item III), garante como direito do consumidor o recebimento de informações adequadas e claras do produto, bem como a defesa contra publicidade enganosa e abusiva. Conforme o artigo 31 estabelece a oferta e apresentação de produtos ou serviços deve assegurar informações corretas, claras, precisas. Entretanto o fabricante por não se encontrar no Brasil, não está sujeito a legislação Brasileira, recaindo a responsabilidade sobre o importador, o representante comercial e o vendedor.

    No capitulo 7o, Parágrafo único o CDC estabelece que: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”, neste caso entendemos como “mais de um autor”, como sendo o fabricante, o importador, o representante comercial e o vendedor. Também no artigo 19 pode-se averiguar que os fornecedores respondem solidariamente por problemas do produto ou de mensagem publicitária. Assim sendo conforme anteriormente mencionado, a empresa responsável pelo programa de televisão também possui responsabilidades sobre os acontecimentos, não podendo alegar falta de informações a respeito do produto, pois o artigo 23o estabelece que: “A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.”. Neste caso, as empresas fabricantes, importadora e comerciante têm culpa e poderiam ser acionadas judicialmente caso não houvesse o empecilho de o fabricante produzir o produto no exterior. Por esta razão a responsabilidade total dos acontecimentos recai, conforme mencionado, sobre o importador e o comerciante.

    Assim sendo, conforme os itens IID e III artigo 4o, do Capítulo II do CDC, os produtos e serviços devem ter padrões adequados de desempenho, deixando clara a importância da boa fé, nas relações de consumidores e fornecedores.

    O profissional de educação física, sendo este detentor de conhecimento na área de exercícios físicos, possui responsabilidade na medida em que serve de divulgador em propaganda enganosa, não obedecendo aos princípios de seu código de ética profissional (Resolução CONFEF n°.056/2003) sobre as responsabilidades sociais ao divulgar uma informação incorreta, envolvendo a profissão do Profissional de educação física e denegrindo a imagem de seus colegas de profissão.

    Neste caso não cabe a argumentação de que a pessoa seria um ator, pois ele esta realizando um “informe técnico” que segundo a Lei Federal no 9.696/98 é de responsabilidade do profissional de educação física desde que devidamente registrado no sistema CONFEF/CREF, estando, desta maneira, sujeito ao código de ética e regulamentações especificas da profissão. Assim sendo, é função do respectivo conselho regulamentar as atividades do profissional, segundo o Estatuto do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), aprovado pela Resolução CONFEF nº. 156/2008, que dispõe em seu artigo 1º, §2º que: ”Tem o Sistema CONFEF/CREFs poder delegado pela União para normatizar, orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício das atividades próprias dos Profissionais de Educação Física e das pessoas jurídicas, cuja finalidade básica seja a prestação de serviços nas áreas das atividades físicas, desportivas e similares”; dispõe ainda a mesma resolução em seu artigo 2º que: “O CONFEF e os CREFs são órgãos de representação, disciplina, defesa e fiscalização dos Profissionais de Educação Física, em prol da sociedade, atuando como órgãos consultivos do Governo.”

    O conselho de educação física (sistema CONFEF/CREFs) também possui como atribuição, a fiscalização de comerciais na área de exercícios físicos, tendo o dever de atuar em sua regularização.

    Por último deve-se analisar a competência da ANVISA, pois este sendo um produto importado deve ser fiscalizado quanto a seu potencial perigo e riscos decorrentes de seu uso e sua eficácia ao que se destina. “Quando a ANVISA registra um produto ela o faz mediante informações apresentadas, pela empresa, em um processo administrativo”, sendo que “Todas as informações declaradas nos processos devem ser comprovadas por meio de testes e ensaios.” (Lei 9782 de 26 de janeiro de 1999).

    Em acordo com a lei 6.360 os produtos destinados à correção estética, onde, neste caso se enquadra o referido equipamento para exercícios abdominais, estão sujeitos às normas da vigilância sanitária e sua subseqüente vistoria, assim como sua importação apenas permitida à empresas autorizadas pelo Ministério da Saúde e cujos estabelecimentos tenham sido licenciados pelo órgão sanitário das unidades federativas em que se localizem. No caso descrito a ANVISA possui competência em fase anterior à divulgação do equipamento, atuando na liberação ou não para o mercado brasileiro, averiguando os perigos potenciais à população. Na fase subseqüente à inscrição na ANVISA, os acontecimentos passam a ser de competência do PROCON, pois o problema existente está em sua divulgação, por meio da associação a um desempenho superior ao que pode atingir.

    Seguindo a mesma linha de raciocínio, existe o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) que se trata de uma organização da sociedade civil, conforme seu Artigo 8º tem como principal objetivo a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda. No entanto por se tratar de uma organização civil as regulamentações deste não possuem força de lei, tendo legitimidade apenas para advertir e recomendar mudanças ou suspensão na divulgação publicitária; caso suas recomendações não sejam atendidas deverá ser encaminhada uma denuncia ao ministério publico.

Considerações finais

    Analisando os fatos acima descritos e considerando que no Brasil existem órgãos governamentais de conselho de educação física, de defesa do consumidor e da agência nacional de vigilância sanitária, este tipo de prática não pode ser permitida, devendo esses órgãos trabalhar para que a população não seja enganada ou prejudicada de qualquer outra maneira. A veiculação deste tipo de comercial não pode ser permitida, pois está infringindo diversos princípios bioéticos e de conduta profissional. Assim se evidencia que no Brasil existem os setores públicos para moralização desta prática, deixando clara a importância da boa fé na ética profissional e também nas relações entre consumidores e fornecedores. Assim, para que esta prática seja inibida é necessária uma maior intervenção e fiscalização do sistema CONFEF/CREF e do PROCON a partir de denuncias dos profissionais que atuam nessa área.

Referências

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  • BRASIL. Lei no. 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Publicada no DOU 12 de setembro de 1990, Suplemento.

  • BRASIL. Lei nº. 9.696, de 10 de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais de Educação Física. Publicada no DOU de 2 de Setembro de 1998.

  • BRASIL. Lei nº. 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências. Publicada no DOU de 27 de janeiro de 1999.

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  • CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Dispõe sobre o Estatuto do Conselho Federal de Educação Física – CONFEF. Resolução nº. 156 de 08 de maio de 2008. Publicada no DOU 90, seção 1, pág. 92 a 99, 13/05/2008.

  • CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Dispõe sobre o Dispõe sobre o Código de Ética dos Profissionais de Educação Física registrados no Sistema CONFEF/CREFs. Resolução nº. 056 de 18 de agosto de 2003. Publicada no DOU 235, seção 1, pág. 122, 03/12/2003.

  • CONSELHO NACIONAL DE AUTO-REGULAÇÃO PUBLICITÁRIA (CONAR). Código de Auto-Regulação Publicitária. Disponível em: http://www.conar.org.br/. Acesso em: 22 junho 2008.

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  • THOMPSON CW, FLOYD RT. Manual de Cinesiologia Estrutural. 12. ed. São Paulo(SP): Manole; 1997.

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