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A escola ‘disciplinar’ moderna: uma noção foucaultiana

La escuela ‘disciplinadora’ moderna: una noción foucaultiana

 

*Curso de Graduação em Licenciatura em Educação Física

Ex-bolsista FAPERJ

**Prof. Adjunto, DLCS, ICHS, UFRRJ

(Brasil)

Gláucio Oliveira da Gama*

glaucio_gama@hotmail.com

Cláudio Oliveira da Gama*

claudiodagama@hotmail.com

Luiz Celso Pinho**

 

 

 

Resumo

          É explicitado com o instrumental foucaultiano o modus operandi de dispositivos que criam indivíduos economicamente produtivos e politicamente dóceis e, ao mesmo tempo, levam-no ao assujeitamento a partir de procedimentos de dominação e normalização. Nesse sentido, a sociedade moderna é colocada como submissa a um tipo de poder que normatiza condutas, define gestos, atitudes e comportamentos. Neste aspecto, surge uma nova temática de ação do poder: o poder-saber. Este trabalho pretende abordar os procedimentos que caracterizam a escola como instrumento daquilo que Foucault denominou de Poder Disciplinar.

          Unitermos: Poder. Saber. Disciplina. Instituição

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 135 - Agosto de 2009

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Material e métodos

    Análise e interpretação do conteúdo de textos que abordem o instrumental conceitual de Foucault.

Resultados e discussão

    Assim como outras construções que exprimem uma certa utopia política (panoptismo) com uma “forma de arquitetura que permite um tipo de poder de espírito sobre o espírito; uma espécie de instituição que deve valer para escolas, hospitais, prisões, casas de correção, hospícios, fábricas etc.” (MAIA, 1998, p. 133), as escolas modernas funcionam como o alicerce fundamental das maquinarias disciplinares, tendo em vista que “uma relação de fiscalização, definida e regulada, está inserida na essência da prática do ensino: não como uma peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é inerente, e multiplica sua eficiência” (FOUCAULT, 2004, p. 158). Segundo Foucault, no que se refere à efetividade dos aparelhos do poder, para compreendê-los, devia-se considerar o quão produtivo é o poder, pois tanto o indivíduo quanto o conhecimento inerente a ele tem origem nessa produção do poder disciplinar (Ibid., 2004).

    “A partir do século XVII a escola constituiu-se como a mais eficiente maquinaria encarregada de fabricar as subjetividades” (VEIGA-NETO, 2006, p. 34). Sob o ponto de vista do método genealógico, o pensamento educacional está permeado por idéias prontas, certezas inquestionáveis que, ao serem postas a prova e tendo com isso seus valores perdidos, são substituídas por outras, mantendo-se assim o sistema educacional nos moldes do capitalismo. Como nos diz Roberto Machado, “Foucault privilegiou em sua genealogia dos saberes o lado positivo do poder, seu aspecto transformador, normalizador, produtivo, educativo” (2004, p.30).

    O poder disciplinar, definido como “um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente” (FOUCAULT, 2004, p. 153) que fabrica indivíduos, tomando-os como instrumentos e objetos, simultaneamente, do exercício de seu poder, possui, quando comparamos essa função com a das instituições de ensino, um elevado grau de semelhança, pois ambos querem transformar os indivíduos, tornando seus alvos expostos a uma visibilidade obrigatória, sendo esta uma de suas formas de ação, além de possuir uma série de instrumentos que o tornam possível, como a vigilância hierárquica (professores, porteiros, diretores, inspetores etc.), sanção normalizadora (esquema de punições) e exame (avaliações).

    O processo de Disciplinarização enquadra-se como o controle dos corpos e das vontades. A partir daí, a noção da ambigüidade conceitual expressa no significado de disciplina, pois “invoca em si tanto o campo do saber propriamente dito quanto um mecanismo político de controle, de um certo exercício de poder” (GALLO, 2006, p. 257). As disciplinas escolares (assim como o saber científico) são formas da representação de uma tentativa de por ordem, no que tange os saberes escolares, estando envolvidas com os mecanismos de poder. Esta representação foi instituída pelos governos (sob a forma de leis educacionais), como um saber necessário para assegurar um estereótipo de cidadão ideal. Portanto, são as disciplinas a forma do poder-saber que constituem indivíduos em sujeitos, pois age tanto sob seus corpos quanto em seus saberes. Assim:

    “a disciplinaridade se apresentou como o eficiente operador prático incorporado, capaz de aproximar e combinar todo um conjunto de dispositivos temporais e espaciais, ópticos e discursivos, ritualísticos e prescritivos, normatizadores e normalizadores, atitudinais e cognitivos, todos eles a serviço de instaurar um novo tipo de sociedade a que Foucault chamou de sociedade disciplinar” (VEIGA-NETO, 2006, p. 30)

    A escola é, pois, o “locus social destinado intrinsecamente a trabalhar com os saberes”, “onde se concentra a parte mais expressiva da criação, da circulação e da distribuição dos saberes, é a ela, à escola, que podemos creditar a maior parte do sucesso do projeto moderno de instaurar a própria sociedade disciplinar” (Ibid., p. 31). A Educação escolar é, então, um “processo pelo qual os outros são trazidos ou conduzidos para a nossa cultura” (Ibid., p. 29-30), “graças a variadas formas de dominação que estabelecemos com ele e, muitas vezes, sobre ele” (Ibid., p. 30). E as disciplinas agem nesse sentido, pois são verdadeiramente “capaz (es) de articular íntima e eficientemente o saber com o poder” (Ibid., p. 30), pois agem “discretamente: encobrem, sob o manto dos saberes que elas mesmas organizam, o poder a que tais saberes dão sustentação e colocam em funcionamento” (Ibid., p. 27). Assim, o poder é colocado, através dos saberes por ele próprio produzido, em ação de influência sobre os indivíduos, pois “os saberes se constituem como base numa vontade de poder e quase ao mesmo tempo acabam funcionando como correias transmissoras do próprio poder a que servem” (VEIGA-NETO, 2003, p. 141; VEIGA-NETO, 2006, p. 27).

    Com relação ao controle dos corpos, a escola moderna, neste mesmo pensamento, caracteriza-se como “instituição onde se concentram – e continuam se concentrando – intensas e múltiplas práticas de violência e, sobretudo, de poder disciplinar” (Ibid., p. 30), funcionando como um “conjunto de máquinas encarregadas de criar sujeitos disciplinados num e para um novo tipo de sociedade que se gestava após o fim da Idade Média” (Ibid., p. 30). Assim, “transformam uma massa amorfa numa multidão composta por elementos o mais individualizados e singulares possíveis” (Ibid., p. 27), pois produzem indivíduos, “imprimindo-lhes diferentes identidades e funções, deixam esses indivíduos mais alcançáveis à ação do poder” (Ibid., p. 27). Com isso, “o sujeito é dividido no seu interior e em relação aos outros” (Ibid., p. 25) e desse jeito,

    “através do arranjo dos estudantes em fileiras, todos os olhos voltados para a frente, confrontando diretamente a nuca do colega, encontrando apenas o olhar da professora, a disciplina da sala de aula contemporânea coloca em ação o olhar (a observação) como uma estratégia de dominação” (GRUMET, 1988, p. 111 apud GORE, 2002, p. 16).

    Como parte dessa nova técnica de poder chamada disciplina surge um método capaz de aumentar as capacidades e sujeições dos corpos na escola, através da “divisão de turmas de acordo com a idade e a capacidade de aprendizagem e desempenho” (PONGRATZ, 2008, p. 45). Assim, a tecnologia disciplinar aparece nesse ambiente agindo através de um ordenamento do espaço escolar — que estabeleceu o chamado por Foucault ‘olhar fixo disciplinar’; da introdução de um código específico de gênero; de uma ‘microjustiça’ — que regula o comportamento correto através de incentivos; de um controle minucioso do corpo — identificação do lugar onde o aluno deve se sentar e estabelecimento de um código lingüístico apropriado a cada situação (PONGRATZ, 2008). Assim, “muitos aspectos da vida da escola mudaram pela introdução da tecnologia disciplinar (horário rígido, separação dos alunos, vigilância da sexualidade, classificação, individualização etc.)” (FOUCAULT, 1995a, p. 204).

    A situação de aprendizagem obedece ao princípio de funcionamento do panoptismo: “criação de um estado consciente e permanente de visibilidade para os alunos” (PONGRATZ, 2008, p. 48), fazendo-os “agir espontaneamente sobre si mesmo” (idem). O professor é o agente personificado do saber/poder que dissemina. Utiliza desse poder, chamado por Foucault de positivo, em alguns casos, como meio de disciplinar, normalizar, impor um tipo de resposta adequada ao seu interesse pedagógico. Dessa forma, “sua positividade estaria relacionada à produção de posições de sujeito de um determinado tipo e não de outro, à regulação e controle da conduta dos educandos, produzindo sempre a identidade de todos ao poder da norma ao invés da diferença irredutível” (ALMEIDA, 2006, p. 155). Portanto, “são as ‘práticas’ concebidas ao mesmo tempo como modo de agir e de pensar que dão a chave de inteligibilidade para a constituição correlativa do sujeito e do objeto” (FOUCAULT, 2004b, p. 238).

    As escolas modernas foram, portanto, objetos/instrumentos de uso do poder, cuja positividade permite governar, já que o governamento se dá pela ordem do consentimento, do domínio da ação de seus corpos pelos outros (que na verdade refletem o poder), produzindo comportamentos e saberes que se articulam com um “conjunto de dispositivos e estratégias capazes de subjetivar, ou seja, constituir/fabricar os sujeitos” (GALLO; VEIGA-NETO, 2007, p. 19). Marshall nos diz que “ao constituir o sujeito dessa forma, ao construir a própria identidade dos indivíduos, o poder moderno produz indivíduos governáveis através de tecnologias de individualização e normalização” (2002, p. 32)

    Neste novo formato, de ação disciplinar, o conjunto de saberes instituídos e inerentes senão pelo próprio poder, termina por justificar suas ações, fazendo dos discentes crentes num sistema (do capital) que os controla, arranja e delimita, baseando-se na produtividade. Os currículos escolares, pois, são visualizados “como uma invenção da modernidade, a qual envolve formas de conhecimento cujas funções consistem em regular e disciplinar o indivíduo”, sancionando “socialmente o poder através da maneira pela qual (e as condições pelas quais) o conhecimento é selecionado, organizado e avaliado nas escolas” (POPKEWITZ, 2002, p. 186).

Referências bibliográficas

  • ALMEIDA, F. Q.“Pedagogia Crítica da Educação Física no Jogo das Relações de Poder”. Revista Movimento, Porto Alegre; v. 12, n. 3, p. 141-64, set./dez. 2006.

  • FOUCAULT, M. “Os recursos para o bom adestramento”. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29ª ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 153-72.

  • FOUCAULT, M. “Ditos e escritos”. Volume V: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Fuorense Universitária, 2004b, p. 234-9.

  • FOUCAULT, M. “Poder e verdade”. In.: Dreyfus, H.; Rabinow, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Fuorense Universitária, 1995a, p. 202-25.

  • FOUCAULT, M. “O sujeito e o poder”. In.: Dreyfus, H.; Rabinow, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Fuorense Universitária, 1995b, p. 231-49.

  • GALLO, S. ”(Re) pensar a educação”. In: Rago, M.; Veiga-Neto, A. (Orgs.). Figuras de Foucault, Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p. 253-60.

  • GALLO, S.; VEIGA-NETO, A. “Ensaio para uma filosofia da educação - Foucault pensa a Educação”. Revista Educação - especial Biblioteca do Professor 3: Foucault pensa a Educação. São Paulo, p. 16-25, 1º mar. 2007.

  • GORE, J. M. “Foucault e Educação: fascinantes desafios”. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito da Educação, 2002, p. 9-20.

  • MACHADO, R. “Duas filosofias das ciências do homem”. In: Calomeni, T. C. B. (Org.). Michel Foucault: entre o murmúrio e a palavra. Campos, RJ: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2004, p. 15-37.

  • MAIA, A. C. “A genealogia de Foucault e as formas fundamentais de poder-saber: o inquérito e o exame”. In: Castelo Branco, G.; Baeta Neves, L. F. (Orgs.). Michel Foucault: da arqueologia do saber à estética da existência, Londrina/Rio de Janeiro: Cefil/Nau, 1998, p. 105-39.

  • MARSHALL, J. D. “Governamentalidade e Educação liberal”. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito da Educação, 2002, p. 21-34.

  • PONGRATZ, L. A. “Liberdade e disciplina: transformações na punição pedagógica”. In: Peters, M. A.; Besley, T. e colaboradores. Por que Foucault? Novas diretrizes para a pesquisa educacional. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 40- 53 (cap. 3).

  • POPKEWITZ, T. “História do currículo, regulação social e poder”. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito da Educação, 2002, p. 173-210.

  • VEIGA-NETO, A. J. “Foucault e educação: outros estudos foucaultianos”. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito da Educação, 2002, p. 225-46.

  • VEIGA-NETO, A. "Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de Império". In: Rago, M.; Veiga-Neto, A. (Orgs.). Figuras de Foucault, Belo

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