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Proposta de tratamento fisioterapêutico no pré operatório 

de troca de valva mitral. Um estudo de caso

Propuesta de tratamiento fisioterapéutico en el preoperatorio de cambio de válvula mitral. Estudio de caso

 

* Bacharel em Fisioterapia – UDESC

** Graduado em Educação Física – UNICRUZ

(Brasil)

Janeisa Franck Virtuoso*

Nicolle Bez Birolo Parucker *

Giovane Pereira Balbé **

Roges Ghidini Dias**

janeisav@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          Este estudo teve como objetivo principal demonstrar a atuação da fisioterapia no pré operatório de cirurgia para troca de valva mitral em uma paciente com sinais de estenose na valva biológica trocada há 11 anos. A partir dos dados coletados na avaliação, foi traçado um plano de assistência fisioterapêutica para esta paciente. No último atendimento, a ausculta pulmonar que antes apresentava murmúrio vesicular diminuído em ambas bases, agora estava normal, com o murmúrio positivo bilateralmente sem ruídos adventícios. Um maior número de atendimentos no pré operatório e um acompanhamento no pós operatório poderia comprovar a eficácia da atuação fisioterapêutica, já que os objetivos propostos no pré operatório foram alcançados em apenas sete sessões.

          Unitermos: Pré Operatório. Valva mitral. Fisioterapia.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 132 - Mayo de 2009

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Introdução

    A valva mitral é a estrutura que garante o sentido único do fluxo de sangue entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo. Ela se abre quando o átrio se contrai para impulsionar o sangue em direção ao ventrículo, fechando-se para impedir o refluxo quando é este que se contrai para empurrar o sangue em direção à aorta.

    A estenose da valva mitral é o estreitamento da valva mitral, dificultando a passagem do sangue entre o átrio e o ventrículo esquerdo, ocasionando comprometimento da função cardíaca (ROSSI et al, 1997).

    Na estenose da valva mitral encontra-se inicialmente uma fusão dos folhetos, que se tornam fibrosos e mais espessos, principalmente no nível das comissuras (VIEIRA, 2004). Num estágio mais avançado há um envolvimento das cordoalhas tendíneas, que se retraem após uma reação inflamatória e tendem a agravar a estenose.

    A causa principal de estenose mitral é a febre reumática, porém, muito menos freqüentemente, pode ser de etiologia congênita ou também pode ser causada por carcinóide maligno, lúpus eritematoso, artrite reumatóide, mucopolissacaridose e por depósito de amilóide (AMATO, 1998).

    A estenose mitral acarreta uma variação na velocidade de abertura da valva, permitindo um fluxo continuo de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo durante toda a diástole. Ainda, como principal ocorrência, há um aumento do trabalho do átrio esquerdo e conseqüente hipertrofia e distensão para poder esvaziar-se adequadamente (REGENGA, 2000).

    Este artigo se propõe a demonstrar o plano de assistência fisioterapêutica em uma paciente internada no Hospital Regional de São José no pré operatório de cirurgia para troca de valva mitral, bem como os resultados obtidos com o tratamento proposto.

Apresentação do caso

    Segundo GIL (2002), este estudo é classificado como uma pesquisa do tipo estudo de caso, cujo sujeito J. S. é do sexo feminino, idade de 59 anos, cor branca, com diagnóstico clínico de estenose da prótese mitral substituída há 11 anos. A paciente foi internada após dispnéia intensa, inclusive ao repouso.

    Segundo história coletada pela própria paciente, é hipertensa, apresenta diabetes tipo II e nega tabagismo. Não apresenta história pregressa de febre reumática e na história familiar, seu pai teve infarto agudo do miocárdio.

    Durante a avaliação pré operatória, a paciente estava 31 dias internada, queixava-se de dispnéia aos pequenos esforços, apresentava força grau 5 em membros superiores (MMSS) e membros inferiores (MMII) e deambulava sem auxílios. O Sinal da Bandeira era negativo. A ausculta pulmonar apresentava-se com murmúrio vesicular diminuído em bases e ausência de ruídos adventícios. O padrão respiratório era costo diafragmático e não apresentava tosse.

    Segundo a paciente, todas suas atividades de vida diária eram prejudicadas devido a falta de ar. Realizava as tarefas domésticas de maneira muito lenta para não cansar-se. Apresentava fibrilação atrial crônica.

    A radiografia do pré operatório (FIGURA 1) indicava aumento importante da área cardíaca e aumento da trama vascular.

Figura 1. Radiografia do pré operatório.

    A conclusão do ecocardiograma transesofágico foi: bioprótese mitral espessada e calcificação heterogênea dos folhetos com estenose leve; insuficiência mitral paravalvar moderada; insuficiência aórtica leve e hipertensão pulmonar moderada (50 mmHg). Não apresentou alteração importante em artérias coronárias ao cateterismo.

    O objetivo do tratamento fisioterapêutico proposto para esse paciente foi:

  • Melhorar o murmúrio vesicular através de técnicas de reexpansão pulmonar, redirecionamento do fluxo aéreo e exercícios inspiratórios;

  • Melhorar o padrão respiratório realizando treino de padrão diafragmático;

  • Orientar quanto aos cuidados necessários no pós operatório bem como explicações gerais sobre a cirurgia.

  • Melhorar a resistência da musculatura inspiratória através de treinamento com Threshold® com 30% da pressão durante 20 minutos.

    Os exercícios inspiratórios realizados foram: a inspiração em tempos sem os membros superiores e freno labial na expiração, soluços inspiratórios e inspiração máxima sustentada.

    Foram realizadas 7 sessões de fisioterapia com esta paciente. Antes de iniciar a sessão, os sinais vitais eram mensurados, bem como no final da sessão. Os valores iniciais e finais de Pressão Arterial, Freqüência Cardíaca e Freqüência Respiratória estão na Tabela 1 e Gráficos 1 e 2, respectivamente.

Atendimento

PA inicial

PA Final

1

120/70

110/70

2

110/60

120/80

3

100/70

110/70

4

120/70

120/70

5

120/80

120/80

6

110/80

120/80

7

120/80

120/80

Tabela 1. Pressão arterial no início e no final de cada atendimento em mmHg.

 

Gráfico 1. Freqüência cardíaca inicial e final

 

Gráfico 2. Freqüência respiratória inicial e final

    Na terceira sessão, realizou-se a manovacuometria para aferição da pressão inspiratória máxima (Pimáx) e da pressão expiratória máxima (Pemáx), cujos valores foram respectivamente -50 cm H2O e 70 cm H2O.

    A partir do valor atingido na pressão inspiratória máxima, iniciou-se o treino de musculatura inspiratória com Threshold® com 30% do valor da Pimáx por 20 minutos.

    No primeiro dia, a paciente precisou parar 6 vezes durante o treinamento para descansar. Já no segundo e terceiro dias, a paciente precisou de três e uma parada, respectivamente.

    No terceiro dia de treinamento, realizou-se novamente a manovacuometria. Não houve alteração na Pimáx (50 cm H2O), mantendo-se a carga de 15 cm H2O imposta no Threshold®.

    Ao final das 7 sessões, a paciente realizou 5 sessões de treinamento muscular inspiratório. Esta sempre foi bastante colaborativa com os exercícios propostos pela fisioterapia e realizou-os nos períodos em que não havia atendimento.

    Apesar da longa data de internação, a paciente apresentava alteração no hematócrito (29,7% - valores normais: 36 a 47%), mesmo após infusão sangüínea, o que prorrogava ainda mais sua cirurgia.

    As caminhadas foram evitadas a fim de não sobrecarregar o sistema cardiovascular e não estimular a paciente a essa atividade.

    No último atendimento, a ausculta pulmonar que antes apresentava murmúrio vesicular diminuído em ambas bases, agora estava normal, com o murmúrio positivo bilateralmente sem ruídos adventícios.

    As orientações repassadas à paciente foram: a importância da realização de exercícios respiratórios como inspiração em tempos, inspiração máxima sustentada e treino de padrão diafragmático, conscientização da importância da tosse no pós operatório para evitar para evitar o acúmulo de secreção, a deambulação precoce e explicações gerais sobre o ato cirúrgico, como tipo de incisão, intubação orotraqueal e sedação.

Discussão

    A abordagem do paciente cirúrgico envolve uma equipe multiprofissional e as complicações pulmonares pós-operatórias (CPP) que podem ocorrer são consideradas fatores de preocupação entre os mesmos, principalmente nas cirurgias de tórax e abdômen alto (JACKSON, 1988). A fisioterapia pulmonar, através das técnicas de higiene brônquica e expansão pulmonar, tem sido praticada com o propósito de prevenir ou minimizar a evolução de tais complicações (SAAD & ZAMBON, 2001).

    Os comprometimentos estão relacionados a alterações da função pulmonar, com redução da Capacidade Residual Funcional (CRF), Capacidade Vital Forçada (CVF) e Pressão parcial de oxigênio (PaO2). Estas alterações são conseqüentes à insuflação pulmonar inadequada decorrente do aumento da freqüência respiratória e do monótono padrão respiratório com respiração superficial sem suspiros durante o ato anestésico e período pós-operatório imediato. (OVEREND, 2001).

    Segundo LEGUISAMO et al (2005), alguns fatores que predispõem às complicações respiratórias no pós-operatório de revascularização do miocárdio podem ser minimizados por adequada avaliação e manejo pré operatórios, incluindo o uso de fisioterapia respiratória, broncodilatadores, uso de antibióticos, tratamento da insuficiência cardíaca e interrupção do fumo. As complicações decorrentes da cirurgia valvar também podem ser minimizadas com essa conduta. A fisioterapia respiratória deverá ser iniciada no pré-operatório de forma a avaliar e orientar os pacientes (LEGUISAMO et al, 2005).

    A intenção ao incentivar os exercícios inspiratórios e o treino de padrão diafragmático no pós operatório foi a recuperação mais rápida dos volumes pulmonares diminuídos, evitando a formação de atelectasias no pós operatório devido o padrão respiratório restritivo e a diminuição do movimento do diafragma após o ato cirúrgico. Observou-se também que os exercícios inspiratórios e as manobras de reexpansão pulmonar e redirecionamento do fluxo reverteram a diminuição do murmúrio vesicular que a paciente apresentava na avaliação. Para as orientações repassadas à paciente, tomou-se como base as orientações pré operatórias indicadas por REGENGA (2000).

    Para SAAD & ZAMBON (2001), os fatores que mais se associam ao desenvolvimento de complicações pulmonares pós operatórias incluem local da incisão cirúrgica, idade, história de doença pulmonar, tabagismo, obesidade ou desnutrição e tempo de cirurgia. A ausência de fisioterapia profilática também foi um dos fatores. Apesar da paciente desse estudo não ser fumante e não ter alteração do índice de massa corporal, a incisão torácica (esternotomia) associada a hipertensão pulmonar elevam o risco cirúrgico e a possibilidade de complicações pulmonares no pós operatório. Por isso, a fisioterapia, tanto pré quanto pós operatória são importantes.

    No estudo de LEGUISAMO et al (2005), após analisar um grupo controle e outro com realização de fisioterapia pré operatória de revascularização do miocárdio por 15 dias, observou-se significativa redução do tempo de internação hospitalar (p<0,05) no grupo intervenção. Não houve diferença significante para a alteração de volumes pulmonares, força muscular inspiratória e incidência de complicações. Com bases nos resultados desse estudo, podemos ao menos garantir que o paciente que realiza fisioterapia pré operatória terá alta hospitalar antes do que aquele paciente que não realiza. A redução no tempo de internação hospitalar entre os pacientes do grupo intervenção, tiveram média de diferença de três dias de internação, quando comparado com o grupo controle (LEGUISAMO et al, 2005).

    Na estenose mitral, a fibrilação atrial crônica é uma das arritmias mais freqüentes sendo detectada em até 40% a 60% dos pacientes (SCHMIDLIN et al, 2001). A paciente deste estudo apresentou pulso irregular em todos os atendimentos, além de uma leve bradicardia como pode-se observar no GRÁFICO 1.

    O aumento da pressão no átrio esquerdo pode levar a hipertensão venocapilar pulmonar e, por conseqüência, à hipertensão arterial pulmonar, acarretando alterações anatômicas da média e íntima, resultando em hiper-resistência pulmonar e sobrecarga de pressão no ventrículo direito. Sabendo-se que o normal da pressão pulmonar é em torno de 25 mmHg, a paciente desse estudo já apresentava hipertensão pulmonar associada a aumento do átrio esquerdo. Em decorrência das alterações estruturais sofridas pelo átrio esquerdo, há uma desorganização do sistema de condução elétrica, ocasionando arritmias e uma maior potencialidade em produzir fenômenos tromboembólicos (REGENGA, 2000).

    O treinamento muscular inspiratório tem como objetivo habilitar músculos específicos a realizarem com maior facilidade ou desempenho sua função (KNOBEL, 2004). A paciente deste estudo apresentou uma pressão inspiratória máxima de -50 cm H2O, que segundo o mesmo autor, esta abaixo do valor de referência para mulheres (-100 cmH2O).

    Segundo KNOBEL (2004), para ganhar resistência muscular, utiliza-se cargas baixas, de 20% a 30% da Pimáx e alto número de repetições. O autor sugere um tempo de treinamento de 15 a 30 minutos. Para o treinamento com a paciente, optou-se por uma carga de 30% da Pimáx durante 20 minutos. Observou-se que a paciente precisou gradativamente de um menor número de pausas durante o treinamento.

    Observou-se, quanto aos sinais vitais, que a paciente estava com a pressão arterial controlada, uma leve bradicardia durante todos os dias de atendimento e freqüência respiratória normal.

    Segundo a “New York Heart Association”, a paciente deste estudo foi classificada como Classe III em que há limitação acentuada da atividade física; no repouso é assintomática e as atividades leves provocam sintomas. Como a valva mitral biológica da paciente já apresentava estenose importante, com aumento significante de átrio esquerdo e hipertensão pulmonar, trata-se então de indicação cirúrgica.

    A cirurgia de substituição valva pode ser por prótese biológica, de tecido animal, ou por valvas mecânicas construídas com materiais compatíveis com o organismo. Embora funcionem de maneira similar, sua durabilidade é diferente. As próteses mecânicas apresentam durabilidade maior porém o paciente precisará de terapia anticoagulante para evitar eventos tromboembólicos, enquanto as próteses biológicas são menos trombogênicas porém a durabilidade é menor, por volta de 7 a 10 anos. Há 11 anos atrás, a paciente deste estudo realizou troca valvar por uma prótese biológica, justificando o motivo de reestenose mitral e necessidade de nova cirurgia.

Conclusão

    As complicações pulmonares pós-operatórias são uma fonte significativa de mortalidade e morbidade. A fisioterapia respiratória é freqüentemente utilizada na prevenção e tratamento de tais complicações, podendo ser iniciada no pré-operatório de forma a avaliar e orientar os pacientes.

    A fisioterapia pré e pós-operatória é de suma importância para a prevenção e diminuição possíveis de complicações, devendo ser instituída o quanto antes, melhorando assim a capacidade inspiratória, mecânica respiratória, prevenção e solução de atelectasias por hipoventilação, evolução e supervisão. Entretanto, mais estudos tornam-se necessários para avaliar o real papel da fisioterapia na recuperação precoce da função pulmonar.

    No presente estudo, a fisioterapia pré operatória foi importante tanto na manutenção das condições pulmonares, evitando presença de secreções quanto no aumento do murmúrio vesicular que apresentava-se diminuído no início do tratamento. Um acompanhamento no pós operatório seria a melhor alternativa para analisar se a proposta fisioterapêutica proposta é eficiente.

Bibliografia

  • GIL A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 175 p.

  • JACKSON, M. C. - Preoperative pulmonary evaluation. Arch. Intern. Med., 148: 2120-2127, 1988.

  • KNOBEL, Elias. Terapia intensiva: pneumologia e fisioterapia respiratória. Ed. ampl. São Paulo: Atheneu, 2004. 236 p.

  • LEGUISAMO, CP et al. A efetividade de uma proposta fisioterapêutica pré-operatória para cirurgia de revascularização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc 2005; 20(2): 134-141.

  • PAPINI-BERTO S.J, et al. Arq. Gastroenterol. v.39 n.1 São Paulo jan./mar. 2002.

  • REGENGA, Marisa de Moraes. Fisioterapia em cardiologia: da unidade de terapia intensiva à reabilitação. São Paulo: Roca, 2000. 417 p.

  • SAAD, IAB, ZAMBON, L. Variáveis Clínicas de Pré Operatório. Rev Ass Med Brasil 2001; 47(2): 117-24

  • SCHMIDLIN CA et al. Efeitos da correção cirúrgica de estenose mitral sobre o ritmo cardíaco. Rev Bras Cir Cardiovasc 2001; 16(2): 128-35.

  • VIEIRA, Orlando Marques. Clínica cirúrgica: fundamentos teóricos e práticos. São Paulo: Atheneu, 2004.

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