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Relações entre midia e Educação Física: 

a busca do corpo perfeito

Relaciones entre medios de comunicación y Educación Física: en busca del cuerpo perfecto

 

Graduado em Educação Física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS

Pós graduado Latu Sensu em Musculação e Fisiologia do Exercício pela UNISUAM – RJ

Vitor Jatobá

vitorjatoba@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este trabalho visa refletir acerca da relação do corpo produzido pela mídia e a Educação Física. Apresenta as novas possibilidades de configuração social da contemporaneidade. Versa sobre o processo de subjetivação criado pela mídia nesta relação corpo sujeito social e as relações do corpo e cultura. A Educação Física sofre com os reflexos do corpo produzido nos ideais suportados pelos desejos dos sujeitos que a procura.

          Unitermos: Contemporaneidade. Subjetivação. Discurso. Corpo. Representação. Educação Física.

 

Abstract

          This article aims to reflect on the relation between the produced cosmetic body produced by media and physical education. It shows new social configurations possibilities for the contemporary society. This article also attends the media process of subjectivations of the social subjects` body and its relationships with culture. Physical education is an area that suffers with the reflections that the produced cosmetic body implicates on the desires of the social subjects that search meeting with its qualities.

          Keywords: Contemporary. Subjects. Speech. Body. Representation. Physical Education.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 132 - Mayo de 2009

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1.     Introdução

    Este trabalho de pesquisa visa fazer uma aproximação entre estudos relacionados ao universo midiático e os movimentos culturais existentes no âmbito das práticas de educação física. Um trabalho de cunho reflexivo que se apóia na metodologia de pesquisa bibliográfica.

    Introduzo então um pensamento acerca da Cultura. Para pensar em Cultura se faz necessário compreender a estrutura de formação da mesma. Seguindo as idéias de Foucault (1983) a cultura se apresenta com códigos fundamentais, que seriam aqueles que regem a linguagem, as percepções e os valores. São os aspectos que apresentam ao observador os signos da própria cultura observada. Compreendendo que toda Cultura possui aspectos que as norteiam, observamos uma tendência contemporânea nomeada por Bauman (2001) de Modernidade Líquida. Este conceito se refere aos rompimentos dos padrões existentes na modernidade (Fixo e Sólidos), por uma constante instabilidade social.

    O Líquido tão referenciado por Bauman em sua metáfora se refere justamente à necessidade dos sujeitos, assim como a sociedade de forma geral, terem de se adaptar constantemente as velozes mudanças que ocorrem e estão ocorrendo. Muitos exemplos podem ser dados para apresentar estas mudanças, me apego nesta reflexão no que vejo ser o mais forte e visível deles: A constante mudança nos padrões de beleza/estética do corpo humano tanto masculino como feminino.

    Essas mudanças são veiculadas na e pela sociedade por intermédio, quase que em sua totalidade, dos meios de comunicação de massa (Bauman 2001; Castells 1999). Estes veículos informacionais utilizam diversas técnicas para conseguir fazer com que os discursos criados e veiculados possam atingir o máximo de espectadores o possível. Esses discursos estão em toda a parte, e em muitas vezes se apresentam de formas quase que imperceptíveis aos nossos olhos. Certeau apresenta que esta invisibilidade presente em nosso cotidiano deve ser estudada, pois é nos discursos, invisíveis ou não, que se possibilitam os processos de subjetivação dos sujeitos.

2.     Processos de subjetivação: representação

    Aproximando a discussão para a área da Educação Física, observamos na mídia a veiculação dos corpos através principalmente de fotografias que estampam os informes publicitários ou informativos. Fotografias estas que podem ser interpretadas como a “representação do real, ou de fragmentos do real, que tende a reproduzir o imaginário” (LESSA, 2005. p.13), onde esta imagem também é compreendida como um suporte de significados culturais que por ela são engendrados (NAVARRO-BARBOSA, 2004).

    Quando nos deparamos com os discursos que existem nos informes onde encontramos a representação do corpo, percebe-se que estes discursos apesar de não serem propriamente materiais, não perdem a sua materialidade, pois é justamente na matéria que ele tem efeito e lugar (NAVARRO-BARBOSA, 2004), afirmo assim que o fato de um discurso ser produzido com o objetivo de manipular o real e causar uma sensação de necessidade ao receptor do mesmo se faz o processo de subjetivação.

    A subjetivação se faz presente nas teias de poder que estão dispostas nossa sociedade, onde este poder é compreendido segundo a autora Milanez (2004) em três níveis, o Ser-saber que é determinado pelas duas formas que assumem o visível e o enunciado em um momento marcado; o Ser-poder que se determina nas relações de força, variáveis de acordo com a época e o Ser-si que se determina pelos processos de subjetivação. Estas teias ainda são compreendidas por Navarro-barbosa (2004) como um aglomerado de discursos que falam de ideologia determinando aquilo que o sujeito pode e deve falar, é a criação de fronteiras, limites, supressões que tentam controlar os sujeitos e a própria sociedade.

    Este poder disciplinalizante gera e gere a vida do corpo (FILHO, 2004), nos impõem as suas vontades sem a menos demonstrar a sua existência. Faz-nos acreditar que é verdade aquilo que nos faz imaginar. As representações de corpos que estão sendo veiculadas pela mídia não é vista somente como um reflexo, mas também como constituinte, fazendo parte da construção do significado, não apenas reproduzindo, mas também o produzindo (PILOTTO, 2000), e todos nós somos sujeitos ativos e passivos destas na criação de novas subjetivações, formas de controle ou representações.

3.     O corpo

    O corpo é ele mesmo uma construção social, cultural e histórica (GOELLNER, 2003; SEGURADO, 2005), ele está tão inserido e é detentor de tal importância na sociedade que ao mesmo tempo ele é capaz de produzir uma cultura e ser influenciado por outras, pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é, simultaneamente, um desafio e uma necessidade (GOELLNER, 2003).

    Olhando registros artísticos ao longo de nossa história pode-se notar com clareza algumas características relacionadas ao corpo existentes em épocas distintas. Já se foi o tempo em que mulheres com excesso de peso e alvas eram vistas como sensuais e saudáveis, mesmo o esforço físico e a atividade física que hoje são encarados como uma forma de melhorar a saúde e a forma do corpo era encarada como indicador de baixo status social (ANZAI, 2000).

    Na contemporaneidade a mídia atua na formatação do corpo (CASTRO, 2005) e este corpo que antes era visto de diferentes formas pelas sociedades, hoje é encarado como objeto de diferentes anseios de desejos (FIGUEIRA, 2003) onde a importância dada ao corpo contrapõe-se ao ofuscamento ao qual o mesmo esteve submetido no passado (ANZAI, 2000).

    Estes anseios e desejos desencadeiam um fenômeno que transformou e ainda transforma o corpo em um objeto vendável, acabando por promover uma tendência à hegemonia de certa expectativa corporal (SILVA, 2001). O universo do consumo está inteiramente conectado ao universo da informação, e a forma com que esta informação circula na sociedade. Os discursos gerados por meio deste processo instigam a sociedade com estilos de vida, formas (corpo) e comportamentos.

    Imaginemos o impacto causado por um padrão estético hegemônico em homens, mulheres, crianças ou adolescentes. Que conseqüências este padrão causa na sociedade? O que se faz quando alguém nos diz: “Fique nu... Mas seja magro, bonito e bronzeado” (FOUCAULT, 1983, p.83).

    Partindo do princípio de que a própria percepção, as próprias sensações físicas, os próprios sentimentos são efeitos culturais (HEILBORN, 1997), podemos situar o corpo como o lócus onde se da à construção da identidade contemporânea (FIGUEIRA, 2003).

    Tratando o corpo como um objeto de consumo, nos deparamos com um momento onde existe a aceitação ou a exclusão dos sujeitos de acordo com seus padrões estéticos. O sujeito excluído carrega um sentimento de não aceitação e tende a tentar ser aceito, se enquadrar e a acompanhar as tendências exigidas para a aceitação.

    Essa segregação social deu origem ao mercado estético que gera o processo de naturalização do não biológico (SANT’ANNA, 2005), onde passa a se tornar aceitável todo e qualquer método de manipulação e transformação do corpo.

    Tento compreender aqui o corpo não somente como uma forma ou matéria, mas sim como uma fonte de controle construída ao longo do tempo por intermédio de instituições como a médicas, militares, escolas e recentemente a midiática (GREGOLIN, 2004).

    Hoje o Brasil é o segundo maior consumidor de cirurgias estéticas no mundo, chegando a realizar mais de 600 mil cirurgias anuais (ELIAS, 2006). Todo esse processo de ‘Bundalização’, como nos diz Lessa (2005), não se restringe só ao Brasil, vai muito além. Ana Márcia Silva (2001) traz relatos em seu texto que a influência destes corpos produzidos e veiculados pela mídia estão causando uma não aceitação das características físicas e culturais orientais a tal ponto que está crescendo enormemente o número de cirurgias plásticas para ocidentalizar as formas de seus rostos.

    Não precisamos ir tão longe, segundo Lovisolo (2006) temos inúmeros casos como o de compulsão, anorexia, auto-centramento, consumo desesperado de medicamentos, vigorexia, entre muitas outras conseqüências que podem ser relacionadas com estes ideais de corpos, mas pouco ainda se discute em relação aos caminhos para se evitar tais males.

4.     Educação Física: reflexos do corpo

    Vimos ao longo deste trabalho aspectos relativos à cultura e a nova configuração social da modernidade. Vimos também o processo de subjetivação que usa o discurso publicitário como veículo de interlocução entre os sujeitos sociais e a mensagem que neste processo estão contidas, e refletimos sobre o corpo na cultura e mídia apontando alguns reflexos sociais. E a Educação Física? Onde a mesma se situa neste processo? Perguntas como estas são muito pouco discutidas a nível acadêmico, ou seja, muitos poucos estudos se preocupam em fazer esta interlocução entre a mídia, o corpo midiático e o reflexo direto na Educação Física.

    Esta área de conhecimento é apresentada como a área que estuda o movimento humano. O movimento pode ser compreendido de diversas formas, tanto o movimento estudado pela biomecânica quanto o movimento cultural do qual o corpo faz parte, e é neste segundo que se fará esta discussão.

    O corpo reina e padece por toda a parte (SANT’ANNA, 2005) é uma frase que muito se aproxima da realidade do profissional e da profissão da Educação Física. Nós cuidamos do corpo, temos como o objetivo fazer com que o corpo seja saudável, mas não é esta idéia ou ideal que reina na sociedade. O corpo belo é muito mais desejado que o corpo saudável, em muitos dos casos a saúde é comprometida para se atingir a beleza tão sonhada.

    O profissional fica de mãos atadas diante do processo de embelezamento que é a mais complexa forma de controle social (EDMONDS, 2002), que se utiliza da culpa para alimentar uma indústria que se beneficia da insegurança do indivíduo (ANZAI, 2000) para obter lucro.

    É impossível atender os desejos dos sujeitos, que querem complexas mudanças fisiológicas em um tempo demasiadamente curto, e aqueles que não conseguem o resultado esperado culpabilizam o profissional levantando que a área como um todo é ineficaz. Como promover uma mudança de pensamento, fazendo com que se compreenda o tempo necessário para uma mudança fisiológica significativa levando em consideração os padrões saudáveis enquanto as revistas vendidas nas bancas apresentam um discurso que é capaz de fazer o mesmo processo em apenas dez dias?

    Acredito que se faz necessário uma profunda reformulação na relação da mídia para com o corpo, e que a Educação Física como área cientifica deve coordenar as discussões pertinentes aos reflexos que o corpo midiático exerce nos sujeitos e como estes se comportam diante dos efeitos causados.

    Espero também que outros estudos venham a aprofundar estas minhas considerações iniciais neste assunto, e que possamos dissertar com mais profundidade acerca desta temática que tanto importa para a saúde na contemporaneidade.

Referências

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revista digital · Año 14 · N° 132 | Buenos Aires, Mayo de 2009  
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