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Turismo, juventude e cidadania

 

Mestrando em Lazer (Universidade Federal de Minas Gerais – Bolsista FAPEMIG)

Pesquisador do grupo de pesquisa ANIMA (Lazer, Animação Cultural e Estudos Culturais) 

Professor Assistente I do curso de graduação em Turismo da Faculdade Paraíso – RJ

Especialista em Lazer (Centro Universitário SENAC – SP)

Especialista em Jogos Cooperativos (Universidade Monte Serrat – SP)

Bacharel em Turismo (UNIPLI – RJ)

Bernardo Lazary Cheibub

bernardo@turismo.uff.br
(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo é fruto de análises preliminares de uma pesquisa que está sendo desenvolvida no Mestrado em Lazer –área interdisciplinar – situado na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Educacional da Universidade Federal de Minas Gerais, dentro da linha de pesquisa Lazer, cidade e grupos sociais. A pesquisa tem como objetivo geral identificar e analisar as estratégias de mediação que integram o Projeto Turismo Jovem Cidadão (PTJC) - uma iniciativa subsidiada pelo Serviço Social do Comércio (SESC–RJ) -, buscando compreender como elas são apropriadas e ressignificadas tanto pelos profissionais, como pelos jovens que participam do projeto. Os questionamentos e as provocações inseridas neste texto foram geradas com auxílio de bibliografia nas áreas de Estudos do Lazer (principalmente relacionados as culturas do lazer e do tempo livre dos jovens), Turismo, Mediação, Consumo e Cidadania. As informações referentes ao PTJC foram recolhidas por meio de observação participante durante suas etapas e em entrevistas com os coordenadores técnicos do Setor de Turismo Social do SESC Tijuca.

          Unitermos: Turismo. Juventude. Cidadania.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 130 - Marzo de 2009

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    O Serviço Social do Comércio vem criando há algumas décadas, por meio de seus inúmeros programas e projetos, possibilidades para que as pessoas vivenciem a experiência turística, conheçam e reconheçam lugares e desenvolvam relações inter-pessoais. Dentre os projetos desenvolvidos pela Instituição, o Projeto Turismo Jovem Cidadão possibilita aos jovens oriundos de comunidades marginalizadas do Rio de Janeiro a oportunidade de vivenciar o lazer por meio de visitas aos principais pontos turísticos da própria cidade onde residem, através de passeios e excursões. Técnicos e profissionais envolvidos na organização e execução do projeto selecionam jovens de 12 a 17 anos das comunidades atendidas pela unidade do SESC do bairro da Tijuca. Acompanhados dos Guias e dos profissionais responsáveis pelo projeto, durante cinco dias consecutivos esses jovens realizam visitas temáticas pela cidade, tendo acesso a saberes e a vivências relacionados a vários temas, tais como: transportes públicos urbanos; histórias do Rio antigo; meio ambiente; e pontos turísticos do Rio de Janeiro.

    Se a palavra cidadania está implícita no nome do projeto, devemos enfrentar seus significados, ou seja: que concepções são dadas a este símbolo? Para Falcão, cidadania é “a apropriação consciente de direitos e deveres, tornando possível a participação no processo social.” (2006: 143). Embasado pelos escritos de Pais (2005), consideramos esta e tantas outras concepções1 genéricas, se empregadas de maneira isolada, sem a devida problematização. De acordo com Pais (2005), falar de cidadania implica falar de identidades, em seu sentido de diferenciação e em seu sentido de pertencimento. Quando é propiciado aos jovens conhecerem novos espaços dentro da cidade onde vivem, espaços próximos geograficamente, mas distantes da sua realidade, que processos de construção do sensível ocorrem com este jovem, e, o mais importante, como são encaminhados e estimulados estes processos pelos profissionais envolvidos?

    Antes de avançarmos na questão da mediação existente no projeto, torna-se necessário contextualizar também a relação do jovem com o turismo e com o consumo. A atividade turística, da forma como foi e tem sido planejada, prioriza incessantemente uma das facetas do fenômeno lazer, que envolve apenas “a satisfação imediata, a utilidade prática, o lucro e a alienação” (GOMES, FARIA: 54) e deixa de lado, em muitas ocasiões, “a alegria do lúdico, a fruição da fantasia, o prazer estético e a experiência criativa” (GOMES, FARIA: 54). Para situar a reflexão que vislumbramos, é necessário recorrer a Sbeck (2001: 63), que sintetiza (e critica) as especificidades da sociedade de consumo: “num cenário em que predominam os padrões de mero entretenimento, as manifestações mais difundidas revelam-se produtos descartáveis, voltados a um consumo imediato e passivo”. Essa descrição se encaixa perfeitamente aos pacotes de temporadas produzidos e consumidos no arranjo produtivo do chamado turismo de massa2. Mesmo outros projetos e iniciativas turísticas que possuem uma “filosofia” mais social-crítica (como no caso do turismo social), na prática, têm priorizado a ampliação do acesso a um número maior de pessoas, sem levar em consideração, muitas vezes, a qualidade da “viagem” como experiência cultural. “Em síntese, tal uso do lazer salienta a reprodução de uma lógica social de produtividade, de ocupação do tempo com atividades “úteis” [...]” (GOMES, FARIA, 2005: 65). Como exemplo visceral desta realidade, temos o city tour, entendido como ocupação de tempo, em uma lógica de consumir o máximo (de informações e imagens) em um período cada vez mais curto.

    Os jovens que participam do PTJC também consomem uma enorme quantidade (e variedade) de informações e imagens no decorrer das visitas. Ao contrário do panorama pessimista exposto pelos autores mencionados no parágrafo anterior, Canclini (1995) nos diz que quando consumimos, somos também cidadãos: “as identidades são uma construção que se logra na imagem, na linguagem, nas formas de comunicação e de consumo, com recurso a múltiplas estratégicas cênicas” (apud PAIS, 2005: 110). Gomes e Faria (2005: 75) o reiteram, afirmando que: “Mesmo as práticas de consumo podem [e devem] ser problematizadas”. Para Certeau (apud GOMES, FARIA, 2005: 75) há uma suposição de “que ‘assimilar’ [consumir] significa necessariamente ‘tornar-se semelhante’ àquilo que se absorve, e não ‘torná-lo semelhante’ ao que se é, fazê-lo próprio, apropriar-se ou reapropriar-se dele”. O mesmo autor atenta para a mediação, como um fator crucial para as mudanças no plano cultural e social. Ora, quando tratamos da idéia de lazer e turismo para jovens que vivem à margem do acesso e das possibilidades de vivenciar novas experiências, estamos falando de “processos de mediação cultural, que contribuam para tornar os indivíduos mais críticos perante o poder dos meios de comunicação e para ampliar os conhecimentos acerca das diversas linguagens” (MELO, 2006: 78).

    Percebe-se que muitos jovens já possuem suas próprias formas de fazer política, de se representarem... quando se apropriam de maneiras distintas do espaço urbano, quando se coadunam, se encontram, se vestem, dançam, ouvem e produzem música e outras formas de expressão - é uma maneira diferente de (re)construir as relações no tempo e no espaço da cidade (é distinto dos espaços e dos tempos em que a política tradicional acontece e que “naturalmente” os afasta). Devemos enxergar nestas manifestações juvenis traços representativos de linguagem e momentos de resistência a uma ordem estabelecida pelo “mundo adulto” e pelo “mundo abastado”.

    Alba Zaluar (1997) atesta que a violência ocorre quando o espaço de linguagem não é mais possível e que a própria violência torna-se uma linguagem. Sabemos que é possibilitada aos jovens do PTJC a experiência de conhecer espaços, edificações, monumentos e atrativos turísticos que geralmente os são “vedados” de acesso, seja por questões econômicas, seja por questões/situações sócio-culturais. Diante do exposto, um grande desafio se apresenta para os educadores sociais/profissionais que estão e estarão realizando as intervenções com estes jovens: como mediar a possibilidade de transformar os tempos/espaços de lazer e de sociabilidade em oportunidades de conscientização política e de participação e integração social?

    Um caminho possível é o de assumir (incorporar, relacionar) que diversas ações que estes jovens já realizam são por si só atos políticos. Este caminho faz o educador social se situar como mais um integrante da construção (na idéia de processo) de uma cidadania, e não como um sujeito que irá mostrar a estes jovens como deve ou como não deve ser cidadão. Até porque a cidadania, como bem colocam Gastal e Moesch (2007), é a construção da cidadania. Seria a busca por um bem-estar geral, sem deixar de perceber a diversidade cultural e as diferenças que se impõem dentro de uma sociedade, dentro de uma mesma cidade ou dentro de um mesmo grupo. Neste ponto, uma cidadania, pautada nos trajetos, nas redes sociais que ligam os indivíduos, é a todo o momento reclamada por estes jovens por meio de suas performatividades espontâneas, encontradas nos momentos onde estão mais libertos dos constrangimentos institucionais: no lazer, no lúdico, no cultural (PAIS, 2005). “É principalmente nos tempos livres e nos lazeres que os jovens constroem suas próprias normas e expressões culturais, ritos, simbologias e modos de ser que os diferenciam do denominado mundo adulto.” (CARRANO, DAYREL, BRENNER, 2004: 176) No entanto, um parodoxo é observado quando pensamos nos paradigmas socialmente atribuídos aos jovens. Carrano, Dayrel e Brenner assumem que: “[...] Não é incomum que a sociedade enxergue nessas culturas traços de marginalidade quando estas fogem ao social e culturalmente esperado pela “adultez” [...]” (2004: 176). Isto mostra que ao mesmo tempo em que os jovens são vistos como modelo cultural, principalmente se associados à imagem de saúde, aventura, beleza e felicidade, quando estes criam novas e peculiares formas de se expressar (normas, hábitos, valores e sensibilidades), acabam sendo criticados e coagidos a agir de acordo com as regras do mundo adulto.

    Por tal razão, encontramos nos programas/iniciativas de lazer uma interessante oportunidade para pensarmos em intervenções críticas e, ao mesmo tempo, prazerosas que, questionem esta ambigüidade do “modelo” comportamental forjado e atribuído ao jovem, que hora endeusa, ora reprova suas atitudes.

    Para podermos decompor as mediações que ocorrem no PTJC, e como elas são ressignificadas e apropriadas pelos sujeitos envolvidos, é necessário perceber todas as determinações, tensões, transformações e (im)possibilidades numa perspectiva dialética e complexa. Identificada(s) a(s) problemática(s) e encaminhada a investigação, resta-nos a formulação de metodologias que considerem os jovens como tradutores/mediadores de questões centrais no mundo contemporâneo e a cidadania como um conceito em processo constante de edificação.

Notas

  1. Concepções estas embutidas muitas vezes em projetos e ações sociais, algumas delas coloridas de um novo assistencialismo “critico” (MELO, 2008)

  2. Nesta ótica, o turismo é reduzido a práticas de consumo e associado a atitudes compensatórias e alienantes no tempo livre das pessoas. O turismo de massa, em inúmeras situações, se utiliza de técnicas e procedimentos padronizados e estandardizados, gerando um “empacotamento das sensações”.

Referências

  • CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995.

  • CARRANO, P.; DAYRELL, J.; BRENNER, A.K. Culturas do lazer e do tempo livre dos jovens brasileiros. In: ABRAMO, H.W.; BRANCO, P.P.M. (orgs.) Retratos da juventude brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo: 2004, v. 1, p.175-214.

  • FALCÃO, C. H. P. Turismo social: em busca de maior inclusão da sociedade. In: CARVALHO, C. L. de; BARBOSA, L. G. M. (orgs.) Discussões e propostas para o turismo no Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006. p.127-145.

  • GASTAL, S.; MOESCH, M. Turismo, políticas públicas e cidadania. São Paulo: Aleph, 2007.

  • GOMES, A. M. R.; FARIA, E. L. Lazer e Diversidade cultural. Brasília: SESI/DN, 2005.

  • MELO, V. A. de. _______. Animación (sócio)-cultural: un punto de vista desde Brasil. In: VENTOSA, V. P. (coord.). Perspectivas actuales de la animación sociocultural. Madrid: Editorial CCS, 2006. p.73-87.

  • MELO, V. A. de. A produção do conhecimento no campo do lazer e as demandas sociais (conferência) In: III Encontro de Pesquisadores de Recreação e Lazer – ENAREL 2008 – São Paulo: SESI, 2008.

  • PAIS, J.M. As Múltiplas “caras” da cidadania. In Castro e Correa. Juventude Contemporânea. Rio de Janeiro: NAU / FAPERJ, 2005. p.107 – 133.

  • SRBEK, W. Uma abordagem cultural do tempo livre. Coletânea do II Seminário O Lazer em Debate. Belo Horizonte: UFMG/DEF/Celar, 2001, p.63-70.

  • ZALUAR, Alba. Gangues, Galeras e Quadrilhas: globalização, juventude e violência. In VIANNA, Hermano (org.) Galeras Cariocas. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. p.17-57.

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