efdeportes.com

O ofício de ensinar: refletindo sobre 

os caminhos da profissionalização

 

Graduado em Educação Física pela Universidade de Cruz Alta (Unicruz)

Especialista em Educação Física pela

Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (Unijuí)

Mestre em Educação nas Ciências – Unijuí

Docente da rede estadual e privada no ensino fundamental e médio

Marlon André da Silva

marlonandre@brturbo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo tem como objeto de reflexão os caminhos da profissionalização do ofício de ensinar. A partir de Perrenoud (2001) discute-se acerca da imagem pública do professor bem como das dificuldades encontradas ao “ser professor”. Salienta-se ainda que tais dificuldades são ignoradas pelos responsáveis pela formação de professores e pelos próprios professores, fato que faz aumentar as dificuldades de profissionalização. Assim, conclui-se que a evolução progressiva da prática pedagógica, como resultado de uma atitude individual e coletiva dos professores, é um dos caminhos possíveis de profissionalização do ofício de ensinar, porém tal evolução não se dá sem algumas características individuais: a postura reflexiva (teorizar a prática), o comprometimento com a evolução pedagógica do coletivo e não apenas individual e a capacidade de expor suas “verdades” no coletivo (dificuldades, maneiras de fazer, experiências etc.).

          Unitermos: Profissionalização. Prática pedagógica. Postura reflexiva.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

1 / 1

Introdução

    Tendo sempre em mente a utopia de avançar em termos de qualidade de vida e entendendo que esta passa impreterivelmente pela função profissional é que trago, neste texto, alguns elementos para fazer pensar a profissão de professor. É coerente pensar que todos querem ser caracterizados em seus ofícios como bons profissionais, ou seja, como pessoas competentes no que fazem. Daí a ser reconhecido e valorizado por sua função profissional é entendido por muitos como algo automático. Desse modo é que coloco algumas questões referentes ao oficio de ensinar: Qual a imagem que a sociedade tem da profissão de professor? Ou melhor: pode ser considerada uma profissão, o “fazer” do professor? Existem possibilidades desse oficio evoluir profissionalmente e então, ser mais reconhecido e valorizado?

    Na busca de elementos para fazer refletir sobre essas questões é que trago num primeiro momento o depoimento de uma professora de ensino fundamental somado a algumas explicações de Nóvoa (1999) e Esteves (1999) acerca das mudanças radicais ocorridas na sociedade e a conseqüência disso para a prática pedagógica e imagem dos professores. Em seguida, baseado em Perrenoud (2001), busco a apreensão dos conceitos de profissão e profissionalização tentando apreender elementos para refletir sobre o oficio do professor e suas dificuldades “profissionais”. Num terceiro momento faço um esforço para delinear alguns possíveis caminhos que possam fazer evoluir a profissão de professor. Entre eles destaco a importância da implicação do próprio professor (querer mudar) e a evolução da prática pedagógica como alguns desses importantes caminhos possíveis. No momento final aponto para algumas características que se tornam necessárias ao professor quando este se assume como ator que pode, individual e coletivamente, trabalhar para transformar o próprio ofício.

A imagem social do professor

    São inúmeras às vezes em que nos encontramos no meio social a discutir sobre o futuro. Mais precisamente sobre o futuro de nossos filhos, o futuro do país, enfim, o futuro da humanidade. Noto que, nessas discussões, política e educação tem espaço destacado. Porém, devido a falta de um saber aprofundado nesses assuntos, noto que, na maioria das vezes, predominam frases e/ou receitas prontas repassadas por outros. Prevalece, no meu entendimento, ditos de senso comum, este entendido como:

    [...] noção não-científica, uma espécie de entendimento originado nas relações práticas, no fazer cotidiano e nas ações em que demandem decisões instantâneas e, ainda, pode-se entender senso comum como a aceitação de dogmas que explicam o mundo de modo monocausal, a explicação mágica do mundo, ou que tudo tem uma determinação divina ou demoníaca. Ou seja, as explicações de senso comum geralmente são explicações sem muita reflexão e questionamentos e assim, levam facilmente ao pré-conceito (SILVA, 2005 p. 387).

    São nessas reuniões informais que tenho percebido o quanto a profissão de professor tem sido vista como uma opção profissional na qual não se deve mais apostar. Ao mesmo tempo em que se debita à educação o papel de corrigir os males do mundo, suas insuficiências culturais, se acredita que vai ser professor aquele ou aquela que não foi capaz de melhores desígnios. Tratando-se da profissionalização do ofício de ensinar, a imagem pública da profissão de professor não pode ser desconsiderada. Vivemos numa sociedade individualista, desigual e extremamente competitiva onde a dignidade do sujeito passa impreterivelmente por sua condição de sobrevivência e de consumo. Nesse sentido, os professores assistem ano a ano o fenômeno de proletarização do magistério, e isto também é sentido por toda a sociedade. Foi-se o tempo em que ser professor trafegava entre as principais e mais rentáveis alternativas profissionais. Somam-se a isto, os enormes desafios cotidianos encontrados na prática pedagógica e temos uma rápida compreensão do que enfrenta quem está autorizado publicamente a “acender” a chama do conhecimento. São as situações complexas, muitas vezes conflitantes que caracterizam esse ofício.

    Modificou-se, também, a consideração social pelo professor. O professor do ensino primário e, sobretudo, o professor do ensino secundário com formação universitária gozavam, ainda há poucos anos, de um elevado “status” social e cultural. O saber, a abnegação e a vocação destes profissionais eram amplamente apreciados. Mas nos tempos atuais, o “status” social é estabelecido, primordialmente, a partir de critérios econômicos. Para muitos pais, o fato de alguém ser professor tem a ver com uma clara incapacidade de “ter um emprego melhor”, isto é, uma atividade profissional onde se ganhe mais dinheiro (ESTEVE, 1999, p.105).

    Além de ter uma imagem “torrada” (NÓVOA, 1999) na sociedade os professores convivem, cada vez mais, devido a mudança social radical por que passa nossa sociedade, com as mais embaraçosas situações. Para refletir sobre essa complexidade enfrentada pelo professor em seu dia a dia, compartilho um depoimento1 de uma professora de EF que trabalha com o ensino fundamental e auxilia na coordenação em uma escola da periferia de Ijuí - RS:

    “Acho que a educação na escola se perdeu, não é que se perdeu, perdeu o foco dela, qual é objetivo da escola? É trabalhar o conhecimento cientifico e hoje na escola, a criança, o adolescente vem para a escola, muito sedento ou necessitando de outras coisas para além dos conhecimentos científicos, daí às vezes você não consegue trabalhar teus conteúdos científicos, não consegue trabalhar a questão da ciência dentro da escola porque tem outras coisas envolvendo, tem a questão da família que não dá conta mais, da sociedade que não dá conta mais, o governo não dá conta mais, o governo está se eximindo cada vez mais de suas responsabilidades... Então o papel de nós professores fica, muitas vezes, a mercê para a gente poder dar conta dessas coisas, isso muitas vezes nos desgasta, eu me sinto muitas vezes, não estar sendo profissional, me sinto muitas vezes não cumprindo meu papel de professor porque tenho que tratar de outras coisas.

    [...] porque eu trabalho na periferia de Ijuí, daí o aluno vem lá com problema de pai que tá na cadeia, de mãe que é alcoólatra, de vó que cria cinco, seis... e estão revoltados.

    Não tem o mínimo e os pais acham que deixando os filhos na escola a escola tem que dar conta de tudo. Que nós professores temos que dar conta de tudo. Muitos vão só para comer a merenda. Outro dia uma mãe, das séries iniciais, veio lá e pediu para levar a filha embora, a professora disse que não, que era 10h30 e que ainda tinha aula. A mãe perguntou então, se ela já tinha comido a merenda, a ‘profe’ disse que sim, no que a mãe respondeu: então vou levar”.

    Parece-me que a principal dificuldade colocada pela professora tem a ver com o elevado nível de assistencialismo que, principalmente para as classes mais injustiçadas, subverteu o papel da escola. Queixa-se a professora da incapacidade de, a família, o governo e a própria sociedade, não distinguir os reais papéis de cada instituição. Assim, o trato com o saber e o conhecimento – papel da escola -, fica extremamente prejudicado, caracterizando o fazer do professor como “um agir com urgência e decidir na incerteza” (PERRENOUD, 2001).

    Mesmo concordando com Perrenoud que a profissão de professor não deve ser reduzida a essa dupla característica, tenho que admitir que ela tem se tornado, cada vez mais, reveladora do cotidiano dos professores.

    Os alunos que vêm à escola têm interesses e origens muito diversos. Principalmente nas periferias os alunos são oriundos de famílias nas quais os pais: ou foram excluídos ou foram expulsos da escola. Esse fato deve ser levado em consideração quando se reflete acerca da incapacidade ou da relutância dos alunos em realizar atividades escolares propostas e também quando não reconhecem nem legitimam o trabalho do professor.

    Entendo que essa situação acaba desencadeando uma série de dúvidas no professor com o decorrer do tempo. A principal delas tem a ver com um sentimento de estranhamento em relação ao seu fazer pedagógico, de não entender qual realmente é sua função: devo me definir relativamente à aprendizagem ou a educação (entendida como formação)? Sobre essa indefinição de funções, Sacristán apoiado em Bernstein esclarece que: “A evolução da sociedade tende a afetar à escola um conjunto cada vez mais alargado de funções; as aspirações educativas a que o professor deve dar resposta crescem, à medida em que se tornam de dia para dia mais etéreas ou invisíveis (1999, p.67)”.

A profissionalização docente

    Historicamente o ofício docente não é um dos mais fáceis e temos vários motivos para acreditar nisso: salários baixos, condições precárias, falta de flexibilidade na administração de recursos, pouca perspectiva de progressão na carreira, trabalho ao mesmo tempo importante, exigente e sem reconhecimento adequado; poderia, assim, parecer-nos a pior profissão que pode ser exercida por um indivíduo. Em contrapartida, para exercer esse trabalho, é necessário o melhor tipo de profissional, com o maior número de qualidades, como diz Codo:

    [...] tem iniciativa própria, é ousado, cria e assume a responsabilidade de suas inovações. Onipotente na medida exata, pois, ao mesmo tempo em que sabe o valor que tem enquanto educador e da importância do trabalho que realiza, é capaz de buscar e oferecer ajuda. Sabe que seu ofício é nobre, grandioso e por isso requer competência de grupo, união (apud SANTOS; LIMA FILHO, p.4).

    Penso que a idéia que povoa as mentes na sociedade - de que a profissão de professor não é das mais fáceis e é das menos rentáveis -, não se originou de forma gratuita. De fato, mesmo sabendo que não se deve apenas ao professor a definição da hierarquia de seu ofício entendo que existem vias de profissionalização que podem elevar o status dessa função e consequentemente resgatar um pouco do prestígio que outrora os professores detinham. E isto depende em grande parte da implicação do professor.

    Para Hoyle (apud SACRISTÁN), há fatores que determinam o prestígio da profissão docente, quando comparada a outras:

  1. A origem social do grupo, que provém das classes média e baixa. 

  2. O tamanho do grupo profissional que, por ser numeroso, dificulta a melhoria substancial do salário. 

  3. A proporção de mulheres, manifestação de uma seleção indireta, na medida em que as mulheres são um grupo socialmente discriminado.

  4. A qualificação acadêmica de acesso, que é de nível médio para os professores de ensino infantil e primário. 

  5. O status dos clientes. 

  6. A relação com os clientes, que não é voluntária, mas sim baseada na obrigatoriedade do consumo de ensino. (1999, p.67).

    Na verdade, segundo Perrenoud (2001), a função de professor não pode ser considerada uma profissão plena. O autor enfatiza isso focando as características das profissões e dos ofícios por Lemosse:

  1. o exercício de uma profissão implica uma atividade intelectual que compromete a responsabilidade individual de quem a exerce;

  2. é uma atividade erudita, e não de natureza rotineira, mecânica ou repetitiva;

  3. no entanto, ela é pratica, pois é definida como o exercício de uma arte, em vez de algo puramente teórico e especulativo;

  4. sua técnica é aprendida após uma longa formação;

  5. o grupo que exerce essa atividade é regido por uma forte organização e uma grande coesão interna;

  6. trata-se de uma atividade de natureza altruísta, que presta um serviço precioso à sociedade (apud PERRENOUD, 2001, p. 137 ).

    Ao não saber lidar de forma tranqüila com algumas situações de sala de aula, e de ainda, não dominar seu objeto de saber, o professor permite que a sociedade produza uma imagem de um profissional muitas vezes “perdido” na sua função. Gera também uma percepção de que aquela função carece de responsabilidade individual e intelectual de quem a exerce. Essas características, aliadas a uma forte apatia para planejamento e organização coletiva, mostram as dificuldades desse ofício para se tornar uma profissão plena. Para Perrenoud, é possível analisar de duas maneiras um ofício tendo em vista o processo de profissionalização:

  • de um ponto de vista estático, a profissionalização de um oficio é o grau em que ele manifesta as características de uma profissão;

  • de um ponto de vista dinâmico, a profissionalização de um oficio é o grau de avanço de sua transformação estrutural no sentido de uma profissão total (2001, p.137).

    Ou seja, o ensino vai ter que sofrer uma transformação estrutural complexa se pretende satisfazer plenamente esses pontos de vista descritos pelo autor. O fato de responder plenamente a alguns critérios e não a outros, ou satisfazer razoavelmente cada um deles é o que vai caracterizar o ensino, juntamente com a enfermagem e o trabalho social, como uma semiprofissão, segundo Etzioni (apud Perrenoud, 2001).

    Parece-me óbvio que ninguém queira ser considerado um semi-profissional. Entendo assim que todos os professores queiram que sua função atinja o quanto antes o “status” de profissão total englobando todas as suas características.

    No entanto, as instituições e a sociedade resistem, a profissionalização não é decretada de modo unilateral, simplesmente porque ela ‘dá direito’ a consideráveis privilégios em termos de autonomia, poder, prestigio e renda. Portanto, podemos perfeitamente imaginar que um ofício instale-se de forma duradoura nas condições de semi-profissão, levando em conta o estado das tecnologias, das necessidades, da divisão do trabalho e das relações de força entre ofícios, entre empregadores e assalariados, entre usuários e profissionais. Podemos até mesmo considerar evoluções regressivas, processos de “desprofissionalização”, de “proletarização”. (PERRENOUD, 2001, p. 137).

    Em nosso meio, principalmente nas escolas públicas, assiste-se a uma tendência a proletarização do professor, demasiadamente superior a tendência de profissionalização da função docente. A tendência a proletarização “coloca a profissão cada vez mais presa a estratégias, didáticas e meios de ensino e de avaliação pensados por especialistas e entregues ‘prontos’ para uso’” (PERRENOUD, 2001, p.126), enquanto a tendência a profissionalização do oficio do professor vai no “sentido de uma evolução cada vez maior para as práticas orientadas por objetivos gerais e uma ética, mais que para diretrizes estreitas” (idem, bidem).

    Entretanto poderíamos nos perguntar acerca das vias de profissionalização. O que os professores podem fazer para que seu ofício se profissionalize cada vez mais?

    Antes de tudo, não poderá haver profissionalização do oficio de professor se essa evolução não for desejada, desenvolvida ou sustentada continuamente por numerosos atores coletivos, durante décadas, para além das conjunturas e das alternâncias políticas. Também sabemos que essa evolução pode não acontecer se os professores resumirem seu fazer a uma mera reprodução de procedimentos decididos em instancias externas à sala de aula.

    Entendo que o caminho que leva a uma real profissionalização do ofício de ensinar deve ter como ponto de partida o reconhecimento que ensinar na escola formal é estar inserido num processo complexo e sutil, marcado por profundas contradições e inevitáveis resistências individuais e grupais. Segundo Perrenoud os professores “são atores que podem, individual ou coletivamente, trabalhar para transformar o próprio ofício” (2001, p. 138). Que não se entenda, a profissionalização do ofício como ampliação do conhecimento e do saber-fazer dos professores, mas sim, como a implementação de uma prática pedagógica eficaz.

    Porém, a evolução progressiva da prática pedagógica, que contribuiria para a profissionalização do ofício, é dependente de forças externas à sala de aula.

    O oficio de professor não é definido apenas por aqueles que o praticam, mas também pelas instituições e pelos atores que tornam essa prática possível e legítima: O Estado, que proporciona bases legais à educação e status ao ofício e aos diplomas que dão acesso a ele; os poderes organizadores – privados ou públicos, nacionais, regionais e locais -, que gerenciam as escolas, contratam e empregam os professores, estipulam suas incumbência; as instituições de formação dos professores, que definem e certificam suas competências profissionais; as ciências humanas, que dão uma imagem mais ou menos realista do ofício; os diretores de escolas e os inspetores escolares, que aconselham ou controlam os professores; as empresas e as administrações, que exigem dos professores e da escola a formação de trabalhadores qualificados; as comunidades locais nas quais se insere a escola; os alunos e as famílias, que tem inúmeras expectativas com relação à escola; a opinião pública e a classe política, que no fim das contas decidem o espaço dos professores na hierarquia dos ofícios. (PERRENOUD, 2001, p. 138).

    Insisto ainda que, as transformações estruturais, tão necessárias à profissionalização do ofício de professor podem ter início com a evolução das representações e das práticas individuais. Esse fato, porém, vai necessitar de um esforço ainda maior dos professores. A situação de ter que, muitas vezes, “agir na urgência e decidir na incerteza” (PERRENOUD, 2001), faz com que muitos professores resistam em participar ativamente quando de debates, reuniões, grupos de estudos, onde talvez tenham que expor suas fraquezas e dificuldades, ou seja, mostrar como agem na urgência e como decidem na incerteza.

    Quanto mais os professores decidirem investir na formação contínua, na prática reflexiva (SCHÖN, 1983, 1987), no trabalho em equipe, na cooperação no contexto de um projeto de estabelecimento, na inovação, na pesquisa de soluções originais, na parceria com os usuários, mais começam a tornar possível uma progressiva redefinição do oficio no sentido de uma maior profissionalização (PERRENOUD, p. 139).

As práticas dos professores: individual e coletiva

    A autonomia e a responsabilidade de um profissional dependem de uma grande capacidade de refletir em e sobre sua ação. Essa capacidade está no âmago do desenvolvimento permanente, em função da experiência de competências e dos saberes profissionais.

    É preciso estabelecer a distinção entre a postura reflexiva do profissional e a reflexão episódica de todos nós sobre o que fazemos. A prática reflexiva é uma postura quase permanente, deve estar inserida numa relação analítica com a ação, a qual se torna relativamente independente dos obstáculos encontrados ou das decepções. Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade, um habitus.

    Parece que tudo é dado na profissão de professor por terceiros (outros), se o professor não intervém, não “negocia” com esses outros, expondo realmente a sua compreensão, não está implicado no processo. Vejo aí a importância de os professores entenderem para além do seu objeto de saber, devem entender também de como funciona a instituição republicana escola. É muito fácil dizer que a escola não está cumprindo seu papel social. Mas qual é o papel da escola? Cabe ao professor que se quer profissional refletir sobre isso. Se não souber responder coerentemente (fundamentado) sobre o papel da escola e consequentemente sobre seu papel como professor, só restará aceitar, então, que outros digam e façam o que bem entendem no espaço escolar - lembro aqui de interferências como, amigos da escola, dentista na escola, uso da escola como palanque eleitoral etc. Daí a importância de se discutir o real papel social da escola. O que cabe e o que não cabe nesse espaço.

    Ainda, devemos admitir a imcompletude, tanto da prática como da teoria. Ambas são importantes. Também, de nada adianta eu saber se esse saber não oportuniza-me movimentar. Assim, podemos dizer que, na escola de nada adianta enchermos a cabeça do aluno se ele esvazia-a ali na frente. A saída só se torna possível se eu levar em conta o que eu faço. Deve ser entendido que não há receitas prontas, não há manual para dar aulas, apesar de alguns considerarem o livro didático como um manual. A receita está a partir do que faço.

    É importante antes de tudo buscar ser competente para buscar competência. Isso vai exigir muita reflexão, que está além do simples pensar, está além do pensamento, como está além do domínio do conteúdo. Perrenoud (2001) quando escreve da incerteza no ofício do professor quer nos mostrar que apenas o domínio do conteúdo não vai gerar segurança. Não vai me dar segurança, é necessário levar em conta o hábitus – chamado de arte, ajuda, maneira, aspecto, inteligência – e os saberes “não-eruditos”. Levar em conta esses itens pode significar a diferença entre um profissional eficaz e outro nem tanto.

Considerações finais

    As mudanças radicais na sociedade e a formação fragmentada são alguns dos fatores que contribuíram para a formação dessa imagem “torrada” que a sociedade tem da profissão de ensinar.

    O não entendimento disso por parte dos professores e dos responsáveis pela formação de professores apenas aumenta as dificuldades dessa profissão evoluir. Na verdade como foi visto em Perrenoud (2001) a profissão corre o risco de, além de não evoluir profissionalmente, regredir, pode acontecer uma proletarização do professorado.

    Mas também, como vimos acima, existem possibilidades para a profissão se tornar mais valorizada e reconhecida. São os caminhos da profissionalização. Porém esses caminhos somente se tornam possíveis no momento em que o próprio professor como já foi dito se reconhecer como ator principal de sua profissão. Individualmente e coletivamente existem mudanças que devem ocorrer segundo Perrenoud e Nóvoa sem as quais dificilmente acontecerá uma alteração nas estruturas que constituem e comandam a profissão de professor. Neste texto reconhecemos algumas dessas importantes mudanças, são elas: a mudança no habitus do professor, adotar uma postura reflexiva e reconhecer a importância das trocas de experiência no coletivo entre outras. Nesse sentido, Nóvoa (1999), é categórico ao enfatizar o trabalho em grupo, ou seja, a troca de experiências pedagógicas - o dizer de como fez e pedir ajuda de como faz aos companheiros -, como uma das possibilidades de se evoluir na prática pedagógica. Essa profissão, como escreve Nóvoa (2000) precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de compreendê-la em toda a sua complexidade humana e científica.

Nota

  1. Depoimento dado ao autor e que faz parte dos anexos da dissertação que pesquisou os elementos constitutivos de mudança da prática pedagógica em professores de EF.

Referências

  • ESTEVE, J. Mudanças sociais e função docente. IN: NÓVOA, A. (org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1999.

  • NÓVOA, A. Professor se forma na escola. Revista Nova Escola, Maio 2001

  • ________. António. Org. Vidas de professores. 2 ed. Portugal: Porto, 2000.

  • PERRENOUD, P. A prática Reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.

  • ________. Ensinar: Agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed, 2001.

  • SACRISTÁN, J. G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. IN: NÓVOA, A. (org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1999.

  • SANTOS, F. L. N.; LIMA FILHO, D. Burnout em professores universitários: adoecendo pelo trabalho. Artigocientifico.com.br

  • SILVA, E. W. Verbete Senso Comum. IN: FENSTERSEIFER, P. E.; GONZÁLES, F. Dicionário Crítico de Educação Física. Ijuí: Editora Unijuí, 2005.

  • TARDIF, M. Saberes Docentes & Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 13 · N° 129 | Buenos Aires, Febrero de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados