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Altius, citius, fortius: um elogio ao esporte 

a partir da obra de Friedrich Nietzsche

 

*Graduado em Educação Física e Filosofia pelo CEUCLAR

Especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pela USP-SP

Atualmente pós graduação (strictu sensu) em Educação Escolar

na UNESP de Araraquara/SP

**Graduado em Pedagogia pela Universidade Salesiana (1990)

Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1997)

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2003)

Atualmente é professor doutor da Universidade de São Paulo.

Edson Renato Nardi*

Ricardo Leite Camargo**

vitabreve@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A partir da análise do texto A luta de Homero de autoria de Friederich Nietzsche, procuramos mostrar que existem elementos suficientes nesta obra nos autorizando a afirmar que, segundo Nietzsche, a competição era um elemento típico da cultura helênica, se manifestando em todas as facetas culturais daquele povo e, em especial, nas práticas esportivas. Este traço competitivo do povo helênico, segundo a nossa argumentação, proveria da manifestação de um aspecto do vitalismo nietzscheano e naquilo que o pensador de Rocken intitulou de cultura agonistica grega. Tal traço apresentava elementos singulares em relação às práticas contemporâneas posto que, segundo nossa argumentação, focavam mais o processo do que o produto e, em conseqüência, mais que a busca do gênio, buscava promover o exercício destes elementos em cada indivíduo que participava destes valores. Indo além, consideramos que o lema olímpico: altius, citius, fortius, de autoria de Henri Didon e utilizado pelo Barão de Coubertin enquanto símbolo dos ideais olímpicos, manifestaria como ninguém estas considerações apresentadas por Nietzsche.

          Palablas clave: Filosofia. Esporte. Nietzsche.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 129 - Febrero de 2009

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Introdução

    O Esporte é uma das raras manifestações culturais que atinge direta ou indiretamente a todos os seres humanos, quer uma pessoa esteja em uma savana africana ou em plena quinta avenida em Nova York, os valores que se imiscuem neste fenômeno cultural acabam como que criando uma ampla sintonia que se interpõe acima de alguns dos elementos que são utilizados para distinguir os seres humanos no mundo, tais como suas crenças religiosas, capitais culturais ou financeiros, etc.

    Dado então a sua grandeza e a sua importância, muitas são as publicações, teses e crônicas redigidas com o intuito de se debruçar sobre este fenômeno, no entanto, uma das que consideramos mais felizes, pode ser sintetizada no lema olímpico: “Altius, Citius, Fortius” (mais rápido, mais alto e mais forte). Tal lema, que foi introduzido nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924 e que, para muitos, dado a sua terminologia latina, tenha sido criada por algum pensador latino ou um grande líder romano, na verdade foi cunhada por Henri Louis Didon (1840–1900), um entusiasta da pratica esportiva e que, por manter laços de amizade com o criador dos Jogos Olímpicos, o Barão de Coubertin, acabou inspirando este célebre personagem da história olímpica a utilizar-se de tal lema para sintetizar, junto com a frase cunhada pelo Bispo da Pensilvânia nos Jogos Olímpicos de 1908: A coisa mais importante não é vencer, mas fazer parte, as características essenciais que, em tese, deveriam inspirar a prática esportiva contemporânea.

    Além disso, consideramos esta frase emblemática dado o fato de que estão contidas nesta afirmação, um elogio à participação, à superação, a afirmação e exercício de uma superioridade que, grosso modo, anima a todos os seres viventes e que, dadas estas características, acabam por sintetizar os elementos basilares que vicejam e fornecem combustível à prática esportiva ao longo de todos os tempos. Mais ainda, consideramos que este lema, ainda que tenha sido criado em uma outra esfera e a partir de outros olhares relativos à temática, carrega consigo algumas das qualidades que foram sublimamente tecidas pelo filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844–1900) relativas ao Esporte.

    Em razão do exposto, propomo-nos neste artigo, nos debruçarmos sobre as considerações que o filósofo de Rockên teceu a respeito do Esporte, buscando mostrar o quanto do ideal exposto no lema olímpico encontra ressonância neste grande filósofo e, além disso, algumas possíveis ressonâncias que poderão advir de suas idéias a situações e discussões que circulam atualmente voltadas para este tema. Para dar conta deste objetivo, pretendemos inicialmente nos dedicar a análise de algumas das características e idéias de Nietzsche com o intuito de contextualiza-lo, permitindo com tal ato, um melhor entendimento dos argumentos que utilizou para a defesa deste fenômeno e, logo a seguir, nos dedicaremos a analisar alguns dos elementos centrais de sua apologia ao esporte.

    No que tange ao nosso primeiro objetivo, este desde já se mostra um desafio homérico posto que, Nietzsche tem sido considerado por muitos, o autor que melhor previu e expôs algumas das características do homem contemporâneo. Em razão disso, os vieses e olhares em relação a este autor são os mais variados possíveis, indo desde a inconteste admiração pela sua ousadia e originalidade intelectual, até uma legião de inimigos, que se munem em seus ataques de ilações de sua obra com o nazismo (injustas, diga-se de passagem) ou ainda, ao considerarem-no um dos grandes vilões do mundo da moralidade à partir da ótica de algumas tendências do cristianismo contemporâneo.

    Outras dificuldades que consideramos pertinentes elencar manifestam-se em razão de seu estilo discursivo, isto porque, Nietzsche inovou na forma de expressão filosófica, pois fazia uso de um estilo discursivo baseado em aforismos, ou seja, emitia máximas ou sentenças em poucas palavras e com grande alcance de possibilidades (sobretudo morais) e que, além disso, possuem um caráter fragmentário e assistemático. Somando-se a isso, a sua produção filosófica passou por vários períodos, que se caracterizaram por tratar de temas diferenciados e que nos autoriza a afirmar que é possível lidarmos com várias possibilidades de análise de Nietzsche, indo desde a apresentação de uma nova interpretação às concepções que os autores dos séculos XVIII e XIV possuíam da cultura grega, manifestada na obra: O Nascimento da Tragédia, obra esta que compôs o chamado primeiro período de escritos (1872 a 1876), até os ataques que fez em seus últimos escritos (1888) ao seu ex amigo e uma das pessoas que considerou inspiradoras de seu trabalho, o compositor Richard Wagner.

    Destacadas então, as dificuldades com o qual nos deparamos, optamos por fazer um recorte conceitual das idéias nietzscheanas e que, desde já o sabemos, provavelmente apresentará lacunas e incompletudes. Dos costumeiros trabalhos que abordam sobretudo alguns conceitos chave de sua obra tais como o Eterno Retorno ou ainda, o seu trato sem dúvida original em relação ao Niilismo, optamos por apresentar dois aspectos digamos, um tanto quanto circunvizinhos das principais idéias nietzscheanas, mas que, dados os nossos objetivos, consideramos extremamente importante realizarmos um passeio sobre elas, referimo-nos ao vitalismo e a ao conceito de cultura agonística. Após a contextualização destes dois conceitos, poremo-nos a dialogar com estes tendo como pano de fundo as considerações que Nietzsche fez em relação ao Esporte, esperando com isso, fornecer elementos ao leitor que se interessa por esta seara, que possa se somar a nós na leitura e análise deste grande pensador.

Conceitos chave

    O primeiro conceito que gostaríamos de apresentar a você leitor é o conceito de vitalismo; como é possível depreender da própria etmologia da palavra, esta refere-se ao que é vital e, em razão disso, o vitalismo se caracteriza por considerar que “existe em cada indivíduo, como ser vivo, um princípio vital, que não se reduz nem à alma ou à mente, nem ao corpo físico, mas que gera a vida através de uma energia própria” (JAPIASSU, 2001: 271). Para que você tenha uma idéia aproximada da magnitude desta concepção na medida em que foi introduzida na seara filosófica diríamos que, ao longo da história da Filosofia, a quase totalidade das produções filosóficas se alicerçaram na idéia de que o motor de nossas ações e decisões amparariam-se pela nossa capacidade racional, ou seja, a capacidade de fazer uso da Razão enquanto meio para conhecermos o mundo e a nós mesmos. Exemplo emblemático desta idéia, que acredita no poder da Razão, pode ser percebida em uma frase que ficou famosa nos meios filosóficos, referimo-nos à frase: conheça-te a ti mesmo, frase esta que se encontrava fixada no Oráculo de Delfos e que foi apresentada pelo personagem Sócrates em uma das obras de Platão.

    Na medida em que os filósofos vitalistas se propuseram a afirmar que a Razão não é a senhora de nossas decisões, imagine o leitor as resistências e dificuldades quanto a tal idéia isto porque, como diria Freud, que foi um dos grandes pesquisadores que sofreram influência desta corrente de pensamento, tal concepção vitalista significa dizer que o homem sequer é “senhor em sua própria casa” ou seja, as nossas idéias e ações, sofrem influência de algo que nós não temos controle mediante o uso de nossa razão, este algo nos escapa e é ele que nos anima a viver, amar, sonhar, guerrear, conquistar, etc.

    Arthur Schopenhauer (1788-1860) outro grande pensador cujos alicerces se amparam no vitalismo e que foi um dos grandes influenciadores da obra de Nietzsche chamou a este impulso vital de vontade e tal se caracteriza por uma vontade cega de viver que acaba influenciando a todos os nossos atos. Segundo ele, tal impulso faz com que nós, nos achemos únicos e importantes por intermédio, por exemplo, daquilo que chamou de princípio de individualidade ou ainda, que criemos algo chamado Amor, enquanto estratégia deste impulso para que nós continuemos indiretamente existindo ou mantendo este impulso atravéss continuemos indiretamente existindo existindo ou mantendo este impulso através da procriação (teoria não muito apreciada pelos poetas e românticos contumazes).

    Ocorre que, para Schopenhauer, este impulso era para nós um grande fado e que deveria ser extirpado por intermédio de uma vida ascética tal como a praticada pelos monges budistas. Nietzsche, no entanto, se apropria deste conceito e tece um olhar extremamente contrastante em relação às idéias de Schopenhuer, na medida em que intitula este princípio de vontade de potência (Der Wille zur Machat) e diz que na verdade, deveríamos cultiva-lo em toda a sua plenitude pois é este impulso que torna a vida interessante e, na medida em que realizamos este impulso vital, a vida se exercita em toda a sua potencialidade e grandeza.

    Dito isto, poremo-nos agora a dialogar com um outro conceito também muito importante ao aspecto que nos propusemos a discutir, referimo-nos ao conceito de princípio ou espírito agonístico (der agonale Geist). Para uma primeira aproximação em relação a este conceito, diríamos a você leitor que, se porventura você percebe na competição um elemento importante em sua vida, na medida em que esta o motiva, faz com que se esmere mais, enfim busque se sobressair e ultrapassar seus próprios limites, certamente estará fazendo uso deste princípio.

    Tal conceito, que provém do grego agónistikós,ê,ón refere-se a tudo aquilo que se refere ou diz respeito à luta e este era usado para se referir tanto às práticas corporais como a ginástica, quanto às competições presentes nos discursos onde se realizava em toda sua plenitude a nobre arte da retórica. Sua origem provém da palavra grega agón e esta referia-se ao local onde se realizavam jogos, quer estes fossem sacros, de luta, etc. Foi o historiador suíço Jacob Bruckhardt (1818-1897), colega sênior de Nietzsche na universidade de Basiléia, quem veio a introduzir o termo princípio agonístico para se referir à cultura grega, no entanto, pudemos constatar em nossa pesquisa que estas considerações existentes em relação ao povo helênico já haviam sido colocadas anteriormente pelo historiador e arqueólogo alemão Ernst Curtius (1814-1896). Foi Curtius quem, por intermédio da palavra alemã Wettkampf primeiro considerou a idéia de que a competição comporia um traço de toda a cultura grega, tal pode ser percebido em um discurso público proferido por este pesquisador em 4 de junho de 1856 na medida em que afirmou ter:

    A guirlanda como um símbolo característico da vida helênica. A guirlanda poderia ser o emblema dos Gregos, que mostra sua força e grandeza e separa-os de todas as outras nações. Os generais do grande rei Xerxes, quando estavam marchando para a Grécia ficaram assustados porque foi dito a eles que os gregos foram se encontrar em Olímpia em razão dos Jogos Olímpicos, e eles prefeririam lutar por uma guirlanda feita de ramos de oliveira como seu único prêmio ao invés de assustadoramente esperar o exército Pérsia. Curtius considerou que estaria apto a entender o terror Persa invocado por esta mensagem, porque eles não podiam entender como um comportamento destes seria possível, como esta serena disposição para a atividade esportiva poderia vencer o medo de perder suas vidas ou propriedades. E a vontade para a luta não estaria somente vinculada ao esporte mas também, Curtius argumentou, em todos os aspectos de suas vidas, que eles viam como uma grande competição. (BACHHIESL, 2003, p. 25)

    A competição não era um elemento exclusivo da cultura grega, no entanto, o povo grego, em detrimento dos demais povos “não competiam por prêmio material tal como o dinheiro, possessão ou poder, igual ao que outros povos faziam, os Gregos somente competiam por honra a apreciação, vencendo, o prêmio era o prêmio em si mesmo” (Idem p. 26) e a isto chamamos de espírito ou princípio agonístico.

    Com o exposto, esperamos ter dado a você leitor alguns instrumentos norteadores para que juntos possamos nos dedicar a analisar a apologia que Nietzsche faz em relação à prática esportiva e o quanto estes se fundamentam nos conceitos chave ilustrados acima e no lema que compõe o título de nosso artigo.

Um elogio ao esporte

    Bem, chegamos agora ao cerne de nosso artigo e, para darmos conta deste objetivo, escolhemos o texto A luta de Homero, texto este escrito entre 1871 e 1872 e que compõe uma das obras póstumas de Nietzsche. Sabemos que ao fazer tal seleção, certamente estreitamos as possibilidades de análise e possíveis aprofundamentos, no entanto, dado as limitações de espaço comuns a qualquer artigo, acreditamos que por intermédio deste texto, seja possível apresentar em linhas gerais as considerações nietzscheanas em relação a este fenômeno e, após a apresentação destas considerações, convidamos o leitor a mergulhar na obra deste filósofo para que possa, enfim, obter na própria fonte os aprofundamentos que se fazem necessários.

    Quanto ao texto especificamente, este se inicia buscando terminar com uma dicotomia criada pela cultura humana, segundo Nietzsche, costumeiramente separamos a humanidade da natureza e consideramos estes dois elementos como distintos quando, na verdade se integram posto que:

    O homem, ainda que em suas mais nobres e elevadas funções, é sempre uma parte da natureza e ostenta o duplo caráter sinistro que aquela. Suas qualidades terríveis, consideradas geralmente como inumanas, são quiçá o mais fecundo terreno em que crescem todos aqueles impulsos, feitos e obras que compõem o que chamamos de humanidade. (NIETZSCHE, 2009: 1)

    Para Nietzsche, na cultura grega, emoções as mais variadas tais como o ódio, a raiva, a angústia entre outros, eram tidos como traços componentes do humano e tais eram manifestados em suas guerras, em seus hábitos sociais, em suas esculturas, etc. Há de se ressaltar a originalidade de tais considerações posto que, como dissemos anteriormente, a Filosofia em uma grande quantidade de suas produções sempre se mostrou avessa às emoções posto que estas seriam uma espécie de corrupção ou enfraquecimento daquilo que, segundo estas correntes filosóficas nos é distintivo e único, a Razão.

    Nietzsche em seu texto dá especial ênfase aos conceitos de discórdia, inveja e o rancor, argumentando que tais sentimentos eram exercitados na cultura grega, no entanto, ao invés destes serem um elemento de apequenamento e destruição, na verdade tais sentimentos propiciavam o estímulo a excelência e a superação do povo grego posto que “quanto mais elevado é um grego, mais luminosa e ardente é a chama da ambição e aquele instinto de rivalidade que sente contra todo aquele que se apresenta em seu caminho” (NIETSCHE, 2009: 1). A competição entre os gregos, segundo o pensador, era o elemento que alavancava um ímpeto à superação nos mais variados aspectos, isto porque, quando o grego se deparava com um feito ou conquista qualquer ao invés de se sentir enfraquecido perante tal fato, isto o estimulava a se superar e esmerar-se de modo a produzir aquilo que consideramos vir a ser a sua areté (excelência). Alguém com quem se contrapor era elemento essencial, isto porque, tal situação, fomentava um desejo interno de mudança com o intuito de vencer ou superar aquele com o qual se comparava.

    Como se percebe, nestes sentimentos e nos atos que realizamos à partir destes, está presente os fundamentos que caracterizam a competição e esta, ao invés de ser um elemento de destruição ou perda, na verdade é um elemento de criação e progresso isto porque “em cada grande virtude arde uma nova grandeza” (Idem: 1), ou seja, este é um processo ad aeternum sempre propiciando o estímulo à criação e sempre produzindo algo novo e melhor.

    Além disso, um aspecto de extrema originalidade na obra de Nietzsche e que consideramos oportuno salientar refere-se à análise que faz do gênio. Vejam, costumeiramente quando lidamos em alguma seara onde está presente a competição, muitas vezes, pensamos a possibilidade de que alguém ou nós mesmos venhamos a conseguir um feito tão marcante que nos torne invencíveis ou insuperáveis, a isto Nietszche intitulou de exclusivismo, ou seja, a possibilidade de que alguém venha a ter uma conquista impossível de ser suplantada. Na cultura grega isto seria um elemento negativo, isto porque, mais importante que o produto é o processo, ou seja, eles não buscavam especificamente a geração do gênio, buscavam na verdade, o exercício constante e mutante da competição, sempre ampliando as possibilidades de conquistas e vitórias e sempre proporcionando a cada indivíduo grego um estímulo à superação de si mesmo.

    Para que o leitor tenha uma idéia da importância deste aspecto, citamos o hábito exemplificado por Nietszche referente ao ostracismo e o quanto este estaria presente na cultura helênica. Quando nos deparamos com esta palavra atualmente, nos vêm à mente a idéia de um indivíduo “deixado de lado”, ou seja, sem receber nenhuma atenção. Na cultura helênica, o ostracismo referia-se ao hábito de, quando alguém viesse a ter um resultado ou conquista típica do gênio, este era afastado, ou seja, colocado em ostracismo para com isso, continuar existindo o estímulo e potencialização do ímpeto competitivo posto que a existência deste elemento:

    No sentido originário desta singular instituição não é o de válvula mas sim o de estimulante; se desterrava aos que sobressaiam para que se restabelecessem a mola propulsora da luta; é esta uma idéia que se opõe ao nosso exclusivismo do gênio no sentido moderno, mas que parte do suposto de que na ordem natural das coisas sempre há vários gênios, que se estimulam reciprocamente, ainda que se mantenham dentro dos limites da massa. Esta é a essência da idéia helênica da luta: aborrece a hegemonia de um só e teme seus perigos, quer obter, como meio de proteção contra o gênio, um segundo gênio (Idem: 4)

    Prosseguindo em sua argumentação Nietzsche nos informa que o estímulo à criação da individualidade era um elemento característica da cultura grega e, embora muitos críticos contemporâneos da competição, poderiam pensar que tal individualidade ocasionasse o declínio da sociedade e da cultura grega, na verdade, segundo Nietzsche, esta individualidade vinha a fortalecer a cultura helênica, posto que o indivíduo grego usava toda a sua potencialidade na defesa e fortalecimento desta cultura isto porque “não havia ali ambições imoderadas nem desmedidas, como nas sociedades modernas; cada jovenzinho pensava no bem estar de sua cidade natal, quando se lançava, bem na corrida, ou a atirar ou a cantar...” (Idem: 5).

    Como se percebe, por detrás de práticas e hábitos competitivos individuais, havia acima disso uma esfera política, o desejo de representar seu povo, a vontade de que a sua sociedade se beneficiasse destas conquistas. Bem o sabemos que tão altos ideais, certamente estão muito longe das práticas esportivas contemporâneas, posto que nestas, o grupo ou a sociedade são deixados de lado e impera amplarmente a ambição e o egoísmo desmedido.

    A partir destas considerações, temos convicção de que já se apresentam condições suficientes para que possamos iniciar o nosso diálogo com os conceitos e o lema exposto inicialmente em nosso texto. Como vocês puderam perceber, Nietzsche faz referência explicita a algumas das competições que compunham os hábitos do grego e, em especial, nos antigos jogos olímpicos, tais como a luta, o tiro (arco e flecha), etc. Acreditamos que tal referência não se dá por acaso, isto porque, em uma cultura que tem nos elementos da competição uma de suas características basilares, os jogos praticados pelos gregos nada mais eram que um elemento de estímulo, reforço e de exercício desta faceta cultural.

    Quanto aos conceitos apresentados inicialmente, consideramos que em todos os elementos instintivos que, segundo Nietzsche, fazem parte da nossa natureza e que se manifestaram na humanidade típica da cultura helênica, em especial nas práticas esportivas, está presente uma faceta da vontade de potência e, mais que isto, esta se apresenta nas tonalidades e elementos que compõem, em especial, a manifestação do espírito agonístico em toda a sua plenitude.

    No que tange ao lema olímpico, podemos nos aventurar a dizer que Henri Didon, embora não saibamos se este teve influência de Nietzsche, ao sacar tal frase sem dúvida manifesta, de forma sintética, tudo o que vimos até agora referente às idéias deste filósofo em relação ao tema que nos propusemos a analisar, isto porque, em nenhum momento dá-se ênfase ao produto, pois, se assim o fosse, o autor poderia fazer uso de uma frase onde isto acontecesse, tais como: o mais alto, o mais forte, etc. Na verdade a frase original, semelhante à proposta nietzscheana nos convida a não buscarmos procurar, encontrar e louvar o gênio, mas encontrarmos em nós mesmos uma força, esta vontade de potência à partir deste ímpeto competitivo cujos fundamentos de controle da manifestação de nossa natureza se encontram no espírito agonístico.

    Com o que afirmamos até este momento das considerações realizadas, acreditamos que a excelência, entendida aqui enquanto superação e afirmação de uma potência, já se encontra dada em estado germinal em cada um de nós, no entanto, o seu exercício dependerá de nossa coragem e ousadia para adentrarmos a esta frenesi competitiva posto que, agora segundo Nietzsche, somente os corajosos serão capazes de faze-lo.

Conclusões

    A partir da análise do texto A luta de Homero de autoria de Friederich Nietzsche, consideramos que existem elementos suficientes nesta obra nos autorizando a afirmar que a competição era um elemento típico da cultura helênica, se manifestando em todas as facetas culturais daquele povo e, em especial, nas práticas esportivas. Este traço competitivo do povo helênico provém da manifestação da vontade de potência e esta adquire nuances específicas por intermédio do exercício do espírito agonístico. Tal traço apresentava elementos singulares em relação às práticas contemporâneas posto que, segundo nossa argumentação, focavam mais o processo do que o produto e, em conseqüência, mais que a busca do gênio, buscava promover o exercício destes elementos em cada indivíduo que participava destes valores. Indo além, consideramos que o lema olímpico: altius, citius, fortius, de autoria de Henri Didon e utilizado pelo Barão de Coubertin, manifesta como ninguém estas considerações apresentadas por Nietzsche.

Bibliografia

  • BACHHIESL. Christian. Ernst Curtius, The Agonistic Principle and Olympia. In: www.ioa.org.gr/books/reports/2003/23_34.pdf. Acesso em 10/01/2009

  • JAPIASSU, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

  • NETTO, Alfredo Naffah. Nietzsche: a vida como valor maior. São Paulo: FTD, 1996.

  • NIETZSCHE, Friedrich. Nietzsche - Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo, Abril, 1978.

  • ___________, Friedrich. La Lucha de Homero. In: http://www.historia.fcs.ucr.ac.cr/biblioteca/historia/Nietzsche,Friedrich-LaluchadeHomero.pdf. Acesso em 05/01/2009

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