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Planificação do treinamento esportivo: 

a sua aplicação ao futebol de campo

 

*Graduação em Educação Física pela Faculdade da Serra Gaúcha (2007)

Pós-graduando do curso de Prescrição de Exercícios Físicos:

ênfase em Obesidade, pela Faculdade da Serra Gaúcha

Auxiliar de Preparação Física da Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul

*Graduação em Educação Física, Licenciatura Plena pela

Universidade Federal de Santa Maria (2000)

Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005)

Professor titular da Faculdade da Serra Gaúcha

Tiago Cetolin*

tcetolin@terra.com.br

Valdeci Foza**

fvaldeci@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O treinamento físico se apresenta como um dos assuntos mais discutidos junto à ciência do esporte nos últimos anos. A planificação do treinamento proposta pela primeira vez por Matveev (1977), sem dúvida provocou um salto na qualidade da estruturação, aplicação e controle do treinamento esportivo. Porém, a evolução da ciência e da tecnologia tem exigido um aprimoramento constante de todas as áreas da ciência, e este aprimoramento junto à ciência do esporte, provocou a exigência de uma elaboração mais especifica para cada modalidade esportiva, construída através de um embasamento empírico. O presente artigo busca apresentar os métodos utilizados na planificação do treinamento esportivo e sua aplicação junto à modalidade de futebol de campo.

          Unitermos: Treinamento esportivo. Periodização. Futebol.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009

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O futebol de campo, suas especificidades e exigências

    O futebol de campo moderno exige que os profissionais envolvidos, na elaboração e aplicação do treinamento, busquem constantemente soluções adequadas, as quais possam rever e trazer novos métodos e formas de periodização do treinamento. Porém, escassos são os estudos que levam em conta os fatores intervenientes e as especificidades do futebol, o qual teve uma grande evolução nos últimos anos e, segundo Weineck (2000), o maior reflexo desta evolução se encontra no condicionamento físico do atleta. Este fator exigiu uma reestruturação no método de periodização, buscando um constante aprimoramento do atleta dentro das qualidades físicas necessárias e um maior tempo de carreira do profissional junto a sua modalidade esportiva.

    A reestruturação proposta pela exigência atual produz diversas dúvidas a respeito da estruturação do treinamento no futebol. Os maiores agravantes para essa dificuldade dizem respeito ao adaptar e/ou enquadrar o processo de treinamento junto ao calendário, onde o período preparatório da maioria das equipes brasileiras é curto e, aliado a esse fator, surge à necessidade de um bom desempenho nas primeiras partidas. Ainda se apresenta conjuntamente o problema de pressão psicológica sofrida pelos profissionais quanto à manutenção de bons resultados, e de oportunizar que nesse breve período de tempo o atleta seja reincorporado as competições com um baixo índice de lesões mantendo-se saudáveis durante o decorrer das competições. Esse fator é determinante uma vez que o período competitivo no futebol é muito longo variando entre 08 e 10 meses de competições, muitas vezes com dois jogos por semana (GOMES, 2002).

A planificação do treinamento e o futebol

    Para se ter uma noção ampla do planejamento de treinamento esportivo é preciso ter em mente que uma das primeiras teorias da periodização do treinamento foi proposta na década de 50 e 60, pelo cientista russo Matveev (1977), hoje conhecida como periodização clássica. O presente sistema de montagem da periodização tem como base dividir o macrociclo ou estrutura anual em três ciclos. O primeiro ciclo, ou período preparatório longo, é dividido em fase básica e fase especifica, as quais têm a função de estabelecer um patamar de desenvolvimento físico ideal para início das competições. O segundo ciclo, também denominado de período competitivo, é onde são planejados ações com objetivo de materializar os êxitos desportivos e a manutenção do desempenho desportivo. O terceiro ciclo, ou período transitório visa criar condições favoráveis para o início de um novo ciclo de desenvolvimento da forma desportiva.

    Porém essa teoria atualmente no treinamento do futebol - apesar de ser ainda muito utilizada pela maioria dos profissionais e preparadores físicos - vem perdendo espaço para outras formas de periodização, principalmente por necessitar de um período preparatório muito extenso e grande necessidade de estimulações gerais de treinamento, pensamento quase impossível de ser aplicado junto ao futebol moderno. Mas ainda existem autores como Silva et al. (2004) e Godoy et al. (2004), que defendem a periodização clássica, argumentando que em análises realizadas junto a competições olímpicas e índices matemáticos demonstram que este tipo de periodização é a mais adequada para o esporte de elite atual.

    Uma das grandes questões quanto ao sistema clássico de planificação junto ao futebol de campo, diz respeito se a mesma é capaz de conduzir a uma manutenção de resultados expressivos junto às competições extensivas bem como na manutenção da saúde dos atletas. Apesar de não haver nenhum indício na literatura, parece que o sistema clássico não apresenta uma boa eficiência junto a esse problema. Por outro lado, um método modificado por Zakharov (1992), parece apresentar um bom índice de aprimoramento para este problema. O autor defende a utilização de três ciclos ou períodos propostos da periodização clássica, sugerindo que a manutenção do alto rendimento é possível através de deslocamento do foco do jogador para a equipe. Assim, o alto nível de aptidão da equipe, em diversas etapas da temporada, seria mantido pela combinação da prontidão individual de diferentes membros da equipe, ou seja, onde há uma alternância de atletas durante a fase competitiva, enquanto alguns que estão jogando estão na melhor da forma desportiva, outros atletas entram na fase de nova aquisição da forma desportiva, para conseqüentemente voltar ao quadro competitivo. Essa idéia parece elegante, uma vez que é unânime no senso científico, que o atleta não consegue manter-se no melhor da sua forma durante o ano todo, porém, segundo a proposta de Zakharov (1992), é possível manter a equipe em seu melhor desempenho durante uma temporada através de remanejo de atletas e/ou controle da atuação da equipe.

    Outra proposta de sistema de periodização, esta já voltada para a modalidade de futebol de campo, foi proposta por Gomes (2002). O autor especifica que para o futebol de campo se deve utilizar um sistema de dupla separação do período competitivo, onde existe uma queda no rendimento esportivo no início do segundo período competitivo, para depois provocar um aumento gradual do rendimento durante a segunda fase competitiva. Segundo Gomes (2002), o presente fenômeno deve ocorre porque o atleta de futebol de campo não necessita desenvolvimento das capacidades de forma máxima e sim de forma sub-máxima. Esta forma de estruturação tem se demonstrada a eficiente para a realidade competitiva do futebol brasileiro, pois a construção do desempenho esportivo é desenvolvida, não só no período de pré-temporada, mas também no período de competições, onde a aplicação das capacidades de treinamento varia a cada mês. Durante os primeiros meses a ênfase é dada aos aspectos funcionais do organismo para posteriormente se voltar às capacidades neuromusculares, centrada principalmente na velocidade.

    Desta forma a pré-temporada é outro ponto a ser observado, a qual no futebol significa o período que antecede as competições, e muitas vezes definida como período de preparação, que na maioria dos casos tem duração de menos de um mês. A pré-temporada se apresenta como um período incerto, pois se torna questionável se no período de aproximadamente um mês ou, em alguns casos, em um tempo ainda menor, o atleta é capaz de alcançar a forma desportiva ideal para o período competitivo. Desta forma, a proposta realizada por Gomes (2002), do aprimoramento de forma gradual do desempenho durante a fase competitiva, parece solucionar esse problema exposto acima do aumento.

    No outro lado de todas as propostas apresentadas para a sistematização da planificação do treinamento, e principalmente a periodização clássica, encontra a proposta por Oliveira (2005). O autor propõe uma periodização que leva em conta o desenvolvimento técnico-tático, e a partir deste chegar a níveis satisfatórios, tanto no aspecto físico, como o técnico, tático e psicológico. Segundo seu método, são programados para o inicio da temporada exercícios específicos de grande intensidade, através de jogos adaptados e um menor uso de exercícios gerais, com pequenas alterações na duração do treinamento durante toda a temporada. A novidade deste processo diz respeito ao atleta manter um nível alto de forma desportiva durante toda uma temporada, sem quedas de rendimento. Porém, parece haver um consenso na maioria dos estudiosos que essa prática não apresenta fundamento cientifico para sustentá-la. (WEINECK, 1999; DANTAS, 2003).

Novos horizontes da planificação do treinamento

    Novas teorias do treinamento vêem sendo apresentadas, principalmente através de adaptações da periodização clássica ou com severas críticas a ela, como é o caso de Verkonshanski (2001), que em seus estudos relata que a periodização clássica apresenta um erro de origem empírica, uma vez que a mesma não leva em conta o conhecimento biológico, e foi formada através de uma idéia aproximativa sobre a atividade esportiva e princípios metodológicos puramente especulativos sem estudos científicos fundamentados, sendo idealizada através da observação de apenas três esportes, todos eles de origens individuais: o atletismo, a natação e o levantamento de peso. Uma das propostas apresentadas foi desenvolvida por Verkonshanski (1990), a qual propõe uma periodização em blocos, onde a distribuição de cargas é concentrada ao longo do ciclo anual de treinamento, apresentando como alternativa a ênfase na velocidade ao longo da temporada de treinamentos e competições. Esta proposta foi investigada por Arruda et al. (1999), onde através de estudos com o futebol encontrou resultados satisfatórios para resistência de força durante toda a etapa competitiva e uma influência negativa sobre a força rápida, comparando o início e o final do período competitivo.

    Parece haver, nos novos métodos de estruturação da planificação, uma preocupação com as dificuldades que os profissionais envolvidos enfrentam frentes as diversas condições de origem financeira, administrativa, material e humana, além dos inúmeros fatores intervenientes. A duração, o perfil e aos objetivos das competições em que vão participar são de suma importância, pois a realidade do futebol de campo não apresenta a alternativa de escolher qual a partida é a principal, ou a de menor importância, com isso se faz necessário levar em conta a duração do período de preparação, a duração da competição e como organizar e harmonizar as cargas de treinamento e competições dentro do contexto. Buscar planejar os períodos em que determinados atletas estarão no ápice, visando respeitar os princípios do treinamento físico os quais são vastamente sustentados pela ciência.

    O futebol moderno em estruturação de treinamento, além de todos os fatores já citados (a dinâmica das cargas, dentro das sessões de treinamentos, semanas ou microciclos e meses ou mesociclos), gera enormes preocupações, pois muitas são as variáveis que interferem no processo de aplicação do volume e da intensidade nesse contexto. Mudanças no calendário de jogos, lesões, incorporação de novos jogadores na equipe, o retorno de atletas que estavam lesionados, viagens, características do adversário, formas de atuar em cada jogo, são algumas dessas variáveis que vem a interferir de modo direto ou indireto na dinâmica dessas cargas. Em algumas teorias do treinamento mais recentes esses fatores se concretizam como no método apresentado por Bompa (2002), o qual defende macrociclos centrados em uma meta especifica (desenvolvimento de uma capacidade biomotora, de uma habilidade, elemento técnico ou tático) e com duração de 02 a 06 semanas ou microciclos. Os principais critérios para a definição da duração do macrociclo são os objetivos específicos, o período do treinamento e o calendário das competições. A não definição exata de microciclos em um mesociclo ou mesoestrutura também é defendida por Forteza (2000), o qual prefere uma estruturação mais dinâmica para direcionar o treinamento. Para isso, o autor nomeou duas variáveis a serem analisadas: a primeira denominada de direções determinantes do rendimento (DDR), as quais constituem conteúdos de preparação necessários e suficientes para o rendimento (e são fatores determinantes que caracterizam uma modalidade esportiva); a segunda que são as direções condicionantes do rendimento (DCR), as quais constituem conteúdos necessários que condicionam a efetividade das direções determinantes do rendimento. Contudo as DDR sempre serão maiores que as DCR e, assim, a estruturação do treinamento tem como base o calendário competitivo e com isso o número de microciclos de um mesociclo ou mesoestrutura varia conforme as DCR e DDR.

Considerações finais

    A periodização no futebol ganhou um grande caráter cientifico e tecnológico na era da informação, pelo motivo de possuir inúmeros fatores intervenientes que estão relacionados entre si e que não podem passar despercebidos. Dentro desse parâmetro, fica cada vez mais difícil organizar e estruturar as cargas de trabalho, e planejar o período competitivo somente através da intuição sem um embasamento cientifico atualizado.

    O questionamento do melhor método de planificação ou estruturação do treinamento deve passar primeiramente por uma análise das características dos atletas e seus estados físicos e mentais, do calendário competitivo, dos objetivos a serem alcançados em uma ou mais competições, da disposição tática que a equipe pretende atuar e dos períodos onde o atleta demandará estar no ápice da sua performance, juntamente com os períodos de recuperação necessários para a distribuição das cargas de trabalho, no tempo correto, entre a preparação e competição, para que não desrespeite a nenhum dos princípios do treinamento esportivo. Embora o planejamento ou estruturação anual sirva de norteador na montagem das cargas de trabalho dos microciclos e das sessões diárias, a observação dos atletas nesses períodos, tal como a flexibilização no momento da aplicação das cargas também merece destaque.

    O calendário competitivo parece surgir como papel principal dentro da periodização do futebol de campo contemporâneo, pois somente com o calendário de competições definido se torna possível traçar metas nos mais variados aspectos. A periodização para uma equipe que engajará somente em uma competição e terá um período preparatório será totalmente diferente de uma equipe que apresentará um período preparatório reduzido e disputará três competições simultâneas. Além destes fatores, o futebol de campo apresenta outras diversidades a serem observadas tais como as diferentes funções dos atletas dentro da equipe, onde cada um apresentará um repertório de qualidades físicas, técnico-táticas e psicológicas. Por exemplo, os meio-campistas e alas apresentam uma característica de jogo onde a capacidade aeróbia se faz de maior importância, enquanto que para os atacantes, a potência e a agilidade são as qualidades mais exigidas. Através disso, cada vez mais a periodização torna-se complexa e individualizada, o que leva a desenvolver várias subdivisões ou sub-periodizações para uma mesma equipe. Também a disposição tática da equipe surge como fator a ser observada, pois diferentes organizações dos atletas em campo geram cuidados no momento da estruturação do treinamento, onde cada esquema tático usado possui uma característica e afeta diretamente as movimentações e demandas físicas dos atletas durante o jogo, e devido a este ponto deve ser um dos fatores norteadores da planificação do treinamento.

    Sendo assim, mesmo com o controle das mais diversas variáveis, da evolução das formas de periodização e do surgimento de novas teorias, algumas destas criadas especificamente para o futebol, se fazem necessários cada vez mais estudos que venham a responder os questionamentos levantados pelos profissionais que trabalham com o futebol, permitindo com isto periodizar de forma racional, e permitir o melhor desempenho do atleta de futebol de campo.

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