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Análise reflexiva sobre as práticas 

avaliativas de Educação Física

 

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Unidade Acadêmica de Graduação

Curso de Educação Física

Andrews Barcellos Ramos

andrewsramos@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O assunto avaliação da aprendizagem é um tema de grande destaque no campo educacional. O objetivo deste trabalho não é apontar uma solução para o problema da avaliação na educação física escolar, visto que anos e anos de detalhados estudos e minuciosas pesquisas ainda não foram suficientes para se alcançar tal feito, em virtude da sua enorme complexidade. O sujeito deste estudo foi: uma professora de Educação Física. Faço uma análise reflexiva da prática pedagógica da professora e os critérios de avaliação. Para tanto utilizei o método de pesquisa qualitativa, a partir da coleta de dados por observação e questionário. Os dados mostram o distanciamento existente entre a resposta do questionário (a teoria) com as aulas observadas (a prática pedagógica da professora).

          Unitermos: Avaliação. Práticas avaliativas. Processo de avaliação. Disciplina Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 128 - Enero de 2009

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Dedicatória

    Dedico este trabalho a todas as pessoas que participaram da minha formação como pessoa, me ensinando a dignidade, humildade, sinceridade e amor no meu afazer diário.

Agradecimentos

    Agradeço a meu avô Marcíllio Jonathas Barcellos, que com sua personalidade e palavras que me ensinaram muito. Te amo! A minha mãe Marlise Bento Barcellos, pela força de vontade que teve ao me educar. À professora Maria, pelo carinho, amizade, e pela atenção dedicada à finalização deste projeto. Agradeço a Deus, que esta sempre ao meu lado. E agradeço a você que está a ler este trabalho.

    Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Educação Física. Orientador: Ms. Maria Rosicler Ferreto Barbosa.

    “Sucesso é o resultado da prática constante de fundamentos e ações vencedoras. Não há nada de milagroso no processo, nem sorte envolvida. Amadores aspiram, profissionais trabalham”.

Bill Russel

Introdução

    O tema avaliação é algo bastante amplo. Permeia todo o processo de ensino-aprendizagem e, por isso, afeta todas as instâncias educacionais, e também as da vida de cada indivíduo. Embora esteja presente em todos os aspectos do processo educativo, pretende-se, nesta pesquisa, ter como objeto de estudo apenas a reflexão pedagógica dos critérios de avaliação utilizados por uma professora de uma escola da rede estadual de ensino da cidade de São Leopoldo.

    A escolha de um tema como este para o trabalho de conclusão de curso (TCC) de Graduação em Educação Física parece um pouco diferente, mas foi ao longo da graduação que comecei a me identificar com os estudos relacionados às práticas avaliativas e os processos de avaliação, que se dá por professores de Educação Física na escola. A pergunta que permeia as minhas indagações para a criação desta pesquisa foi: Como um professor de Educação Física avalia seu aluno? Quais são os critérios utilizados? Será que ele utiliza alguma abordagem teórica sobre avaliação para montagem de seu processo de avaliação?

    Ao cursar a disciplina Ação Pedagógica e Avaliação com a professora Maria Rosicler Ferreto Barbosa, tive a oportunidade de ter contatos com alguns autores que trabalham a temática avaliação pedagógica, e também a escolha de minha orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

    O tema avaliação é amplo, e após a escolha do tema de TCC, comecei a ler alguns autores que possuíam temáticas referentes à avaliação da aprendizagem.

    Sempre fui fascinado pela profissão “Professor”, assim surgiu à vontade de ser um Educador, e em cima desta opção profissional fez-se a escolha do meu estudo de caso sobre avaliação.

    No decorrer do curso, fui me apropriando dos problemas emergentes encontrados na prática do educador, por intermédio dos estágios curriculares em escolas municipais, e em escolinhas comunitárias de futebol.

    A partir destas reflexões iniciais, destaco a problemática desta pesquisa, que se propõe a pensar e identificar qual é a prática pedagógica avaliativa de uma professora no ensino médio. Assim, desejo fazer uma reflexão sobre as representações encontradas nas observações de suas aulas e no questionário proposto.

    Este trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa seguindo a caracterização de Minayo (1992), que tem como objetivo compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos.

    Para análise foram feitas observações das aulas da professora e um questionário composto com uma pergunta: O que é avaliação no teu entender professora?

    Como o objetivo do trabalho é refletir as aulas observadas, propus a análise do tempo de aula, número de alunos, atividades realizadas, se houve intervenção da professora e ainda faço um breve destaque da observação. A coleta foi realizada no final do mês de março de 2008 até o final do mês de abril do mesmo ano.

1.     Pressupostos pedagógicos da educação física escolar

    Este capítulo apresenta um histórico das práticas de Educação Física escolar no Brasil com o objetivo de compreender as linhas de avaliação que vêm sendo praticadas na escola.

    Meu projeto de pesquisa está centrado na reflexão pedagógica das práticas avaliativas no ensino de Educação Física, de uma professora que leciona na 1ª série do ensino médio de uma escola da rede estadual de São Leopoldo.

    Segundo Ferreira (2002), os problemas emergentes da avaliação da aprendizagem têm sido abordados sob vários ângulos, porém, considerando a complexidade e amplitude do tema, sempre há lugar para novas investigações. Acrescenta ainda que o professor vive em um ambiente complexo e desenvolve no seu cotidiano pedagógico uma atividade também complexa – a avaliação da aprendizagem. Para essa autora, o professor, no ato de avaliar, determina e é determinado pelo contexto de seus valores pessoais e pela contingência institucional. É em meio dessa complexidade que o professor se constitui peça fundamental para operacionalizar o processo, sejam quais forem os parâmetros estabelecidos por ele ou pela instituição. Desse modo, como pode o professor operacionalizar uma ação avaliativa que possa reunir com as necessidades e peculiaridades do aluno e atenda os pressupostos básicos da avaliação?

1.1.     Histórico sócio-cultural da avaliação

    A Educação Física constitui-se como uma área acadêmica, independente de contemplar ou não a denominação de ciência, produzindo conhecimentos que não são neutros, havendo interesses que orientam a sua produção. A Educação Física Escolar foi incorporada à escola desde o nascimento desta instituição, estando ligada aos princípios e valores dominantes na sociedade capitalista, bem como às orientações científicas predominantes. Seja aquela que se estrutura no interior da instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, expressam uma visão biologizada e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso instrumento de disciplinarização da vontade, de adequação e reorganização de gestos e atitudes necessários à manutenção da ordem (SOARES, 1994).

    No Brasil, no final do século XIX e na primeira metade do século XX, a Educação Física Escolar permaneceu ligada as questões de higiene, saúde e formação do homem sempre pronto a servir a Pátria e ser um trabalhador eficiente. Sua sustentação era feita pelos também defensores da educação brasileira, ou seja, havia uma grande preocupação no sentido de que a Educação Física Escolar fizesse parte dos currículos escolares contribuindo para a formação do povo brasileiro, assim como já acontecia com a organização escolar, em outros países (MELLO, 2002).

    Para Mello (2002), após a Segunda Guerra Mundial, o suporte teórico na Educação Física Escolar continuava dominado pelas ciências biológicas, na perspectiva da aptidão física, porém agora tendo no esporte o conteúdo predominante. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 4.024/61, estabeleceu os fins da educação e garantiu o direito de todos a ela. A Educação Física foi uma disciplina que mereceu tratamento especial no artigo 22, determinando que “será obrigatória a prática de Educação Física nos cursos primário e médio até a idade de 18 anos”. Segundo Bracht (1999), tal perspectiva se oficializa no projeto de nação da ditadura militar que se instalou, em 1964, ligando sua importância ao desenvolvimento da aptidão física e do desporto. Para Castellani Filho (2005), o final dos anos sessenta esteve associado à estratégia de minimização das possibilidades de rearticulação do movimento estudantil, que fora violentamente atingido como de resto todos os demais setores da sociedade que exigiam a volta do país à normalidade institucional democrática - pelo aparelho repressivo do Estado, vindo a colaborar, com seu caráter lúdico-esportivo, para desviar as atenções dos estudantes das questões de ordem sóciopolítica.

    Em 1971 ocorrem as reformas no ensino primário e médio a partir da nova LDB nº 5.692/71. Nela a Educação Física não só continua obrigatória, como também é estendida a todos os níveis de ensino. Conforme Corrêa e Moro (2004, p. 30), além da obrigatoriedade proposta pela lei no 5.692/71, a Educação Física é regulamentada pelo Decreto-Lei noº 69.450/71, estabelecendo os objetivos e o currículo da Educação Física. Assim, a Educação Física tinha a finalidade de:

    “Formatação do corpo produtivo, portanto forte e saudável, que fosse ao mesmo tempo dócil o bastante para submeter-se à lógica do trabalho fabril sem questioná-la, portanto obediente e disciplinado nos padrões hierárquicos da instituição militar” (CASTELLANI FILHO, 2002, p. 5-6).

    Com o fim da ditadura e o início da elaboração da Constituição de 1988 inicia-se um processo de debates em torno da educação nacional e da elaboração de uma nova LDB. Nesse período a Educação Física Escolar parece querer voltar os olhos para outros horizontes. No entendimento de Mello (2002), este seria o momento em que a Educação Física Escolar brasileira começava a se perceber como prática social. Para Mello (2002, p. 04) identidade e legitimidade da Educação Física Escolar passaram a ser um dos focos da atenção de pesquisadores.

    Em 1996 é aprovada a LDB por intermédio da Lei no 9.394, mantendo-se a obrigatoriedade da Educação Física. Em seu Artigo 26, parágrafo 3º, a Lei diz: “A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos”. Além disso, o artigo 27, inciso IV da referida lei, diz que os conteúdos curriculares da educação básica deverão ter como diretrizes a promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais, o que demonstraria a importância do conteúdo da Educação Física.

    De acordo com Corrêa e Moro (2004), a vinculação da Educação Física ao Projeto Pedagógico da escola pode impulsionar a reflexão crítica de seu papel, caracterizando-se por uma conquista. Porém, dependerá muito da participação dos professores de Educação Física na construção do projeto, que deverá ter como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os PCNs foram publicados pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC) em 1998, destinados aos alunos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, tendo como objetivo a compreensão da cidadania como participação social e política. Conforme consta nos PCNs a Educação Física escolar deve garantir a participação de todos os alunos, visando seu aprimoramento como seres humanos, de forma democrática e não seletiva. Os PCNs definem a Educação Física como: Área de conhecimento da cultura corporal de movimento, e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício dos exercícios críticos da cidadania e da melhoria da qualidade de vida (BRASIL, 1998).

    A história da Educação Física no Brasil, assim como da educação, em cada época, ligou-se à representação de diversos papéis determinados pelos interesses da classe dominante, assumindo assim, funções específicas de acordo com as diversas tendências. Para Campos (2004), a quebra de paradigmas que ocorreram na Educação Física Escolar é decorrente de tendências que se vão constituindo dentro do processo histórico.

    Ghiraldelli Jr. (1988) percebe a presença de várias tendências na Educação Física, após estudo realizado pela análise extensa em artigos e periódicos da área dos anos de 1930 a 1990, além de pesquisar em livros editados. Como resultado de seu trabalho, o autor aponta cinco tendências de ensino na Educação Física Brasileira: a Educação Física Higienista (1930); a Educação Física Militarista (1930-1945); a Educação Física Pedagogicista (1945-1964); a Educação Física Competitivista (pós 1964) e, finalmente, a Educação Física Popular. Essa última tendência é uma proposição do autor a partir da pedagogia crítico-social dos conteúdos que tem como pensador e articulador José Carlos Libâneo.

    Há, pois, uma pluralidade de entendimentos sobre a Educação Física Escolar observando-se uma disputa pela hegemonia do pensamento pedagógico e científico, bem como uma preocupação com a construção de seu campo acadêmico, gerando uma diversidade de abordagens. Ao longo do tempo avançaram os estudos sobre as abordagens que caracterizam a atuação do profissional de Educação Física.

    Bracht (2003) diz que o predomínio do conhecimento das ciências naturais na Educação Física, principalmente da Biologia e suas ramificações, serviam de fundamento para justificá-la, existindo, dessa forma, uma ausência de reflexão pedagógica. Para o autor, as articulações das discussões nas ciências humanas e sociais foram incorporadas na área da Educação Física Escolar, determinada por vários fatores, permitindo ou fazendo surgir uma análise crítica da predominância da aptidão física e do esporte. O eixo central dessa crítica foi dado pela análise da função social da educação e da Educação Física Escolar, como elementos constitutivos de uma sociedade capitalista marcada pela dominação e pelas diferenças sociais.

    Para Castellani Filho (2002), o pensamento contestador da tradição da Educação Física no Brasil constitui-se a partir das teorias pedagógicas sistematizadas e identificadas no interior da educação brasileira. A incorporação desse referencial teórico teria sido facilitada pelo acesso de profissionais de Educação Física aos cursos de pós-graduação e também pelo momento histórico de abertura política e democratização vivida pelo País. Somando-se a esses fatores, o processo de formulação de uma nova constituição parece ter contribuído para que a Educação Física começasse a ser pensada sob um novo prisma.

    Atualmente, o que se percebe é uma concorrência de propostas pedagógicas, observando-se uma pluralidade de paradigmas se empenhando na tarefa de propor melhores soluções para a Educação Física escolar. Estes paradigmas ou propostas metodológicas são diferenciados pela base teórica que fundamentam o pensamento das diversas comunidades científicas da Educação Física brasileira. Nessa perspectiva, segundo Bracht (2003), as propostas pedagógicas apresenta-se bastante diversificados, embora haja muita resistência a mudanças com relação ao paradigma da aptidão física e ao esportivo. Várias foram às propostas pedagógicas que surgiram nas duas últimas décadas, colocando-se como alternativas para se promoverem mudanças.

    Considerando que a proposta deste projeto de pesquisa busca investigar as práticas de avaliação de uma professora do ensino médio, a investigação histórica dos diferentes momentos do ensino da Educação Física na escola, apresentadas neste capítulo remetem a conhecermos os estudos de Perrenoud (1999), Hoffmann (2003) e Luckesi (2005) e outros referentes à temática avaliação.

1.2.     Avaliação

    Seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas um processo técnico ela é também uma questão política. Avaliar pode se constituir num exercício autoritário de poder de julgar ou, ao contrário pode se constituir num processo e num projeto em que avaliador e avaliando buscam e sofrem uma mudança qualitativa (GADOTTI, 1999:01).

    O aspecto a ser destacado neste contexto é o conceito da avaliação, que apresenta significados diferentes quando associados à vida ou a escola, como destaca HOFFMANN (p.147, 2003):

    Nada é mais forte que o significado conferido à avaliação na escola versus o sentido da avaliação em nossa vida. A avaliação na escola carrega um significado muito diferente da avaliação no nosso dia-a-dia. (...) Para educadores e educandos, para a sociedade, avaliação na escola é obrigação: penosa, um mal necessário.

    Essa mesma idéia de avaliação permeia as discussões de LUCKESI (2005), uma vez que expõe a avaliação da aprendizagem como um entendimento novo de uma situação e, portanto, uma oportunidade de tomada de novos rumos, que concretizar-se-á na prática diária. Ainda destaca que “a avaliação é um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão” (p.33). Nessa perspectiva, observamos uma avaliação constituída num momento em que o processo de avanço está atrelado a ações, a crescimento, tanto para autonomia quanto para o desenvolvimento de competências. A essa etapa do processo de ensino-aprendizagem cabe, portanto, identificar a distância em que se está e o que falta para chegar àquilo que foi traçado como objetivo a ser atingido.

    Nesse caso, de acordo com PERRENOUD (1999), vale lembrar que não é uma idéia nova possibilitar que a avaliação auxilie o aluno a aprender. Desde que a escola existe, os questionamentos feitos acerca das notas, das punições, vêm sendo uma constante, bem como o desejo de colocar – conforme apontado anteriormente – a avaliação mais a serviço do sistema do que do aluno.

    Da forma que tem sido exercida, como mostra LUCKESI (2005, p.41), a avaliação escolar serve de mecanismo mediador da reprodução e conservação da sociedade, no contexto das pedagogias domesticadoras; para tanto, a avaliação necessita da autoridade exarcebada, ou seja, do autoritarismo. Aqui, dois aspectos de relevâncias precisam ser pontuados: os efeitos provocados pelo capital na educação e o desenvolvimento de uma pedagogia que atenda a esses princípios. Trata-se de um elo forte que conduz as linhas de pensamento e ação dos educadores, no que diz respeito ao processo aprendizagem, como um todo. A concepção da avaliação escolar “esta a serviço de uma pedagogia, que nada mais é do que uma concepção teórica da educação, que por sua vez, traduz uma concepção teórica da sociedade” (LUCKESI, 2005, p. 28). O que vemos, portanto é uma pedagogia dominante que tende, a qualquer custo, servir a um modelo social também dominante. Nessa lógica, a avaliação da aprendizagem acompanha os mesmos princípios, manter as desigualdades.

    Se a idéia implica domínio, poder, anulação do sujeito, como conseqüência temos avaliações que, associada à atuação docente autoritária, tornam-se verdadeiras armas contra os estudantes, os quais deixam seu papel de atores na aquisição do conhecimento e tornam-se seres manipulados, especialmente em decorrência do medo. Nesse tipo de contexto:

    De instrumento de diagnostico para o crescimento, a avaliação passa a ser um instrumento que ameaça e disciplina os alunos pelo medo. De instrumento de libertação, passa a assumir o papel de espada ameaçadora que pode descer a qualquer hora sobre a cabeça daqueles que ferirem possíveis ditames da ordem escolar. (LUCKESI, 2005, p. 40).

    Nessa vertente da avaliação da aprendizagem alguns pontos merecem destaque. Dentre eles, o medo é algo digno de um cuidado especial. Afinal, tem marcado cada estudante no decorrer de sua vida acadêmica. E, direta ou indiretamente, provoca bloqueios no desenvolvimento pessoal e acadêmico de determinados indivíduos. Ele é fruto do erro, tão mal explorado no âmbito escolar.

    No destaque, LUCKESI (2005, p. 51) “o medo tolhe a vida e a liberdade, criando a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente”. Esse é o grande propósito desses sistemas há pouco apontados, nos quais, as oportunidades de sucessão são restritas a poucos e todos os cidadãos são conscientes de tal fato. O erro aqui é tomado meramente para mensurar, para classificar o ser humano, sem qualquer preocupação como fato de ter ocorrido ou não a aquisição do conhecimento, sem ser considerado como ponto de partida para a aprendizagem.

    O erro passa a ser fonte de condenação e castigo porque implica culpa e essa deve sofrer reparos. Atende-se, portanto, a expectativa do sistema que quer manter o controle, e não há maneira mais apropriada para fazê-lo senão por meio desse sentimento tão constrangedor que tem afetado nossos estudantes ao longo dos anos.

    Na concepção de HOFFMANN (2003), esse erro está diretamente vinculado à postura do professor no momento da correção das avaliações aplicadas. Mas, a autora defende a idéia de que, muitas vezes, os professores têm uma atitude que conduz à culpa e ao castigo em detrimento das cobranças feitas pelos pais, que não são diferentes de tudo o que observamos a cerca da internalização de determinados valores.

    A subjetividade é notória nas aulas e inclusive na elaboração das avaliações. A visão de mundo do professor, bem como sua compreensão de determinados conceitos, automaticamente canalizam, direcionam o suposto entendimento ideal por parte do discente. O mesmo se dá no processo corretivo, quando a subjetividade não pode ser eliminada.

    Hoffmann destaca:

    No momento em que o professor formula uma questão, seja oralmente ou por escrito, revela uma intenção pedagógica e uma relação com o educando, o que implica obrigatoriamente subjetividade [...] As questões elaboradas revelam o entendimento do professor [...] sua visão de conhecimento. (HOFFMANN, 2003, p. 50).

    Como se destaca a avaliação classificatória, também é interessante entender de que maneira ela é conceituada por alguns autores. HOFFMANN (2003) nomeia este tipo de avaliação como classificatória e que, por isso tem a qualidade como algo referente a padrões pré-estabelecidos, adequados a critérios de promoção elitista, padrão de comportamento ideal, gabaritos de respostas às tarefas. Nesses casos, pretende-se apenas verificar o que é certo ou errado, da ótica do professor, e, a partir disso, aprovar ou reprovar. É um processo único para exclusão e não para o objetivo primeiro da avaliação: avanço, crescimento.

    Segundo PERRENOUD (1999), essa função tradicional da avaliação classificatória certifica apenas as aquisições em relação a terceiros, ou seja, o diploma, de certa forma, atesta ao empregado em potencial que determinado funcionário recebeu uma formação. No entanto, limitadas são as críticas com relação à qualidade com que tal bagagem de conhecimento foi adquirida.

    Uma outra faceta da avaliação classificatória é a competição que lhe vem agregada. Não é fácil identificá-la nos processos avaliativos, quando estes se apresentam vinculados a sistemas econômicos e, por sua vez, à ascensão social. A competição, mecanismo do neoliberalismo, passa a ser estimulada na educação desde a idade mais tenra. A premiação, portanto, se dá através de notas.

    Se analisar a avaliação conforme PERRENOUD (1999) como “uma reapresentação, construída por alguém, do valor escolar ou intelectual de outro indivíduo”, automaticamente nota-se que nos vínculos avaliativos não existem apenas avaliado e avaliador, mas também os grupos familiares. Estes mantêm uma relação direta com processo de desenvolvimento dos estudantes, bem como dos resultados obtidos através da avaliação.

    A partir da primeira reação, é acreditar que não há possibilidade de interferir nesse sistema, mas LUCKESI (2005, p. 42) nos remete à reflexão de que há chances sim, embora bastante singelas: “Isso não quer dizer que no seio da sociedade conservadora e no contexto de uma pedagogia autoritária que vão possibilitar a sua transformação”.

    Acreditar nestas mudanças remete ao que LUCKESI (2005) sugere: as mudanças podem ocorrer a partir de uma pedagogia que distancie-se do modelo conservador. Para isso, seus princípios devem nortear a educação, almejando-a como mecanismo de perspectivas e possibilidades de transformação social, não mais como responsável pela conservação da sociedade.

    Então o ideal, portanto, é buscar “pedagogias que pretendem oferecer aos educandos meios pelos quais possa ser sujeito desse processo e não objeto de ajustamento” (LUCKESI, 2005, p. 31).

    [...] haverá a superação do autoritarismo, focando a autonomia do estudante, uma vez que este modelo social requer uma participação democrática de todos. Objetiva-se o diagnóstico para um avanço, para um crescimento intelectual. (LUCKESI, 2005, p. 32).

    Participação implica envolvimento, comprometimento no ato de aprender. De certa maneira, demanda também o desejo, vontade, pré-disposição para as atividades escolares. A motivação, que pouco existia no modelo conservador, aparecia como bonificação ou punição por meio de notas, destaque apenas para os melhores alunos.

    Em um contexto mais democrático, a motivação apresenta-se de forma diferenciada, muito mais centrada no prazer da investigação, na satisfação de buscar efetivamente o conhecimento.

    Essa é, na verdade, uma prática pedagógica democrática, pois, através dela, todos dispõem de oportunidades para o aprender. Isso não quer dizer que obstáculos e as diferenças não existam, mas sim que a forma de lidar com eles é diferenciada. Não se visa apenas ao julgamento, ao apontamento dos fracassos, mas especialmente que ações devem ser colocadas em prática para que haja avanço e, conseqüentemente, o desenvolvimento intelectual dos educandos.

    Nessa perspectiva, a avaliação deixa de ser classificatória e, conforme Luckesi (2005) apresenta-se como diagnóstica, ou seja, a avaliação da aprendizagem toma para um objetivo maior, que é a transformação social, na medida em que mostra-se como instrumento de avanço, de identificação de novos rumos.

    Perrenoud (1999) também lança mão de uma prática avaliativa que atende a esses princípios. Trata-se da avaliação formativa que segundo ele, é algo que faz parte da lógica emergente do sistema, principalmente por ainda estar à margem da sociedade e, conseqüentemente, da educação, por implicar uma intervenção diferenciada.

    Essa avaliação é definida como uma regulação contínua das intervenções e das situações didáticas. Seu papel não é mais criar hierarquias, mas delimitar as aquisições e os modos de raciocínio de cada estudante, o suficiente para auxiliá-lo a progredir no sentido dos objetivos.

    A avaliação formativa deve forjar seus próprios instrumentos, que vão do teste criterioso, descrevendo de modo analítico um nível de aquisição ou de domínio, à observação in loco dos métodos de trabalho, dos procedimentos, dos processos intelectuais no aluno. (PERRENOUD, 1999, p. 15).

    Hoffmann (2003), utilizando-se de uma nomenclatura diferenciada, não deixa de se mostrar partidária dessa mesma concepção de avaliação da aprendizagem, explicitada anteriormente. Para ela, essa etapa do processo de ensino-aprendizagem implica necessariamente trabalho em parcerias, reorganização de tudo aquilo que, num resultado primeiro, apresentou-se de forma desfavorável, não atendendo plenamente aos objetivos traçados.

    Neste caso, são necessários acompanhamento e diálogo constantes, pois o saber vai sendo lapidado, moldado. O empenho de professor e aluno, portanto, são fundamentais, haja vista que a relação entre ambos torna-se intensa nesse tipo de processo avaliativo, nomeado por Hoffmann (2003) como avaliação mediadora.

    A perspectiva de avaliação mediadora pretende, essencialmente, opor-se ao modelo do “trasmitir-verificar-registrar” e evoluir no sentido de uma ação reflexiva e desafiadora do educador em termos de contribuir, elucidar, favorecer a troca de idéias entre e com seus alunos, num movimento de superação do saber transmitido a uma produção de saber enriquecido, construído a partir da compreensão dos fenômenos estudados. (p.114).

    A prática da avaliação mediadora compromete-se como desenvolvimento máximo possível, deixando de lado os limites, de forma a não perder de vista os objetivos traçados, afinal, eles são desencadeadores da ação educativa que aqui destaca a autonomia moral e intelectual do estudante.

    Remete-se, diante dessas práticas avaliativas, a um processo de verificação constante, contínuo, o que propicia as interferências do educador e os reajustes por parte do aluno e do professor para o desenvolvimento adequado de suas competências e habilidades.

    É notório, portanto, que a prática da avaliação mediadora, da avaliação diagnóstica ou da formativa, demanda uma pedagogia diferenciada, que suponha uma qualificação crescente dos docentes, tanto nas áreas de atuação quando no domínio didático, pois somente com esse comprometimento poderá existir o estímulo à emancipação, alvo primordial nesse tipo de prática avaliativa.

    Segundo Freitas (2003), a avaliação em sala de aula tem pelo menos dois momentos, divididos em duas vertentes: a avaliação formal, que contempla o “aspecto instrucional”, na qual serão constatadas as habilidades do aluno em momentos como prova e testes; avaliação informal, que contempla as avaliações do “comportamento” e dos “valores e atitudes”. Todos eles trabalham em conjunto. Seria uma avaliação completa.

    Enguita (1989) também atribui à avaliação da aprendizagem os aspectos formal e informal, evidenciando a sua amplitude:

    A avaliação é, de fato, um mecanismo onipresente na cotidianeidade das salas de aula, pois tem lugar formal ou informalmente – mas sempre com efeitos – cada vez que o aluno responde ou deixa de responder uma pergunta do professor [...] À avaliação do trabalho e do comportamento escolares juntam-se, além disso, o emprego de provas psicológicas ou psicométricas [...] (p. 203).

    Em uma conotação mais ampla, Mészáros (2005) apropria-se dos termos formal e informal, atribuindo este ao processo contínuo da aprendizagem e que, via de regra, encontra-se fora das instituições educacionais formais. Portanto, libertam-se da manipulação e do controle desse tipo de educação.

    Ressalta ainda que as “aspirações emancipadoras” da educação formal tornam-se cada vez mais distantes quanto maior for o distanciamento entre a escola e a vida. Aspirações essas que se constituem por meio de práticas pedagógicas que visem à transformação social e que não deixem as avaliações fugirem desses ideais.

    Diferentemente da avaliação mediadora, diagnóstica e formativa, o que incomoda no processo avaliativo, conforme análises de Freitas (2003), Enguita (1989) e Mészáros (2005) é o peso que tem a avaliação informal do professor que, permeado pelo contexto social neoliberal, perde o controle de toda a sala em consenso com práticas pedagógicas que garantam a equidade e a eficácia anteriormente comentadas, realiza uma avaliação baseada em juízos de valor que influenciam a existência de estratégias metodológicas distintas, de acordo com esses pré-julgamentos.

    Ainda que a avaliação formal seja substituída por processos mais juntos, a atuação do professor em sua relação com o aluno deve ser pautada em reflexões críticas sobre a aprendizagem, já que o problema trazido com as notas sobre a ênfase na meritocracia não se dissolve, continua como o perigo de acentuar.

    Considerando que o processo educativo se faz através de uma relação bipolar (professor-aluno), na qual não se distingue ensino da aprendizagem, percebe-se que, da mesma forma, se faz a avaliação, considerando-se que essa ocupa lugar privilegiado dentro do processo formativo.

    Diante disso, Luckesi (2005) aborda a avaliação numa perspectiva comparativa entre as práticas isoladas do professor, preocupadas apenas com as questões formais (exames) – apontadas anteriormente por Freitas (2003) – e uma avaliação contemplativa de inúmeros fatores, principalmente subjetivos, que contribuam com o aumento da auto-estima do estudante, do professor e, conseqüentemente, do trabalho educacional.

    É na verdade a avaliação da aprendizagem compreendida por Luckesi (1994) como um resumo útil e necessário para auxiliar cada educador e cada educando na busca e construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida.

    Faz-se necessário sabermos discernir bem entre exames e a avaliação, pois esta deve conter características como: ser amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva; diversa, portando, dos exames: excludentes, não amorosos e classificatórios. Trata-se, na verdade, do que nos aponta Enguita (1989) com relação a essas práticas:

    Obter a menção do “apto”, “aprovado” ou “suficiente” em uma matéria serve para livrar-se dela, mas não assegura por si mesmo nada no futuro. Se todos obtêm, então só ganha quem obtém a menção “notável”, “excelente”, etc. Ao contrário, a mais baixa das notas acima do umbral de aprovação adquire um grande valor se os que a obtêm são poucos. (p. 197).

    O ato de avaliar, antes de tudo, deve implicar a disposição em acolher. Avaliar um educando, portanto, significa acolhê-lo no seu ser e no seu modo de ser, exatamente como ele está, para, a partir daí, decidir o que fazer. Não é possível avaliar um objeto, uma ação ou pessoa caso ela seja recusada ou excluída desde o início, ou mesmo julgada previamente. A disposição para acolher é o ponto de partida para a prática avaliativa formativa, diagnostica e mediadora.

    Assentado nesse ponto, o ato de avaliar implica dois processos articulados e indissociáveis: diagnosticar e decidir. Não é possível uma decisão sem um diagnóstico, e um diagnóstico sem uma decisão é um processo abortado. Trata-se da avaliação diagnóstica, proposta anteriormente por Luckesi (2005).

    Esse processo de diagnosticar compõe-se de duas partes: a constatação e a qualificação do objeto de avaliação. A primeira tem por finalidade descobrir as propriedades especificas do objeto, servindo como “base material” para o ato de qualificar, ou seja, atribuir uma qualidade, positiva ou negativa, ao objeto que está sendo avaliado. Sendo assim, é a partir dos dados constatados que lhes atribui uma qualidade, a qual é considerada como parte de um todo maior: o processo de ensino-aprendizagem.

    Todavia, essa qualificação não se dá no vazio. Ela é estabelecida a partir de um determinado padrão, de um determinado critério de qualidade que temos ou que estabelecemos para o objeto. Qualificações como satisfatório ou insatisfatório surgem a partir de uma tessitura teórica, conceitual, cultural e social em que estão envolvidos a avaliação e seus objetos.

    Assim sendo, um mesmo objeto pode ser avaliado como satisfatório em um determinado contexto e insatisfatório em outros, para um aluno e não para outro.

    Eis uma concepção de avaliação que se distingue daquela que se conhece como classificatória ou tradicional. Nesse caso, portanto, avaliar é o ato pelo qual, através de uma disposição acolhedora, qualifica-se alguma coisa (um objeto, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar uma decisão sobre ela.

    São pontos comuns identificados na avaliação mediadora de Hoffmann (2003) e na avaliação formativa de Perrenoud (1999). Afinal, nessa linha de raciocínio, quando atuamos junto à pessoa, há uma necessidade de diálogo entre a qualificação e a decisão, pois, não apenas os critérios de um, mas de ambos – acerca da qualidade – serão considerados, já que o ato de avaliar não é impositivo, mas sim dialógico, amoroso e construtivo. Assim como se pode observar em Hoffmann (2003), ao discorrer acerca da avaliação mediadora:

    [...] a avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber pelo aluno e pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriquecido, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a avaliação passa a exigir uma relação epistemológica com o aluno. Uma conexão entendida como uma reflexão aprofundada sobre as formas como se dá à compreensão do educando sobre o objeto do conhecimento. (p. 116).

    Deste modo, a avaliação é vista como auxílio para uma vida melhor, mais rica e mais plena, em qualquer de seus setores, desde que constata, qualifica e orienta para novas possibilidades e, certamente, mais adequadas porque assentadas nos dados do presente.

    É necessário ressaltar que uma clara opção epistemológica está associada à investigação feita pelo professor sobre os trabalhos dos alunos, na tentativa de dispor de dados suficientes para a aprovação ou reprovação. Nesse caso, reflete-se uma visão positivista que, como já foi apontado, está vinculada às práticas das avaliações tradicionais e classificatórias.

    Por outro lado, existe uma visão dialógica na medida em que a reflexão sobre o objeto do conhecimento acontece numa parceria entre professor e aluno, que juntos, almejam a superação. Esse, do ponto de vista de Hoffmann (2003), é o princípio fundamental da avaliação mediadora.

    Perrenoud (1999) remete-se a essa prática dialógica quando se refere à avaliação formativa, à medida que esta impõe uma ruptura, porque se desloca a aprendizagem do critério dos níveis e passa a tratá-la de forma individualizada. Essa nada mais é do que a estratégia de luta contra o fracasso e as desigualdades presentes no âmbito escolar. É o reflexo de uma pedagogia diferenciada que, por assim ser concebida, cumpre um papel de resistência, o que envolve desafios e conflitos diante do contexto educacional dominante. Dentre as dificuldades, algumas podem ser apontadas:

    [...] obstáculos materiais e institucionais numerosos: o efetivo das turmas, a sobrecarga dos programas e a concepção dos meios de ensino e das didáticas, que quase não privilegiam a diferenciação. (PERRENOUD, 1999, p. 16).

    Como a consideração às particularidades dos estudantes e o processo avaliativo contínuo são características marcantes dessa avaliação formativa, há que se pensar no aspecto da predisposição dos docentes para praticar essa teoria.

    Para isso, não se pode perder de vista as limitações que o sistema educacional impõe e tampouco a exigência de uma total dedicação do professor para a realização desse tipo de avaliação, como êxito tanto para ele quanto para o aluno. Afinal, o docente consciente enxerga que essa avaliação contínua é uma das poucas formas que há para aprimorar a aprendizagem, mas, em função das dificuldades que agrega, normalmente ela é aplicada apenas “em escolas experimentais ou em algumas classes-piloto” (PERRENOUD). Restringe-se, de certa forma, a práticas inovadoras e que não se apresentam como algo majoritário na educação.

    Diante disso, conforme Perrenoud (1999, p. 81) “[...] o principal instrumento de toda avaliação formativa é, e continuará sendo o professor comprometido em uma interação com o aluno”.

    Chega-se, então, ao professor – ponto crucial das avaliações que buscam a emancipação do estudante. É importante pensar na formação desses profissionais, principalmente no que se refere à avaliação. Segundo Cunha (1989, p. 109), “Parece que ninguém pode ensinar bem alguma coisa, se não consegue para si uma resposta sobre a finalidade do conhecimento que aprofundou”.

    Além disso, há que se considerar vários outros aspectos que, certamente, estão agregados a essa formação docente. Trata-se da visão de mundo do professor, da sua visão ético-epistemológica diante dos acontecimentos não apenas educacionais, mas principalmente sociais, no sentido amplo. Sem dúvida alguma esse conhecimento interfere na sua atuação no processo de ensino-aprendizagem. Partidária dessa idéia, Cunha (1989) explica esta situação:

    A forma de ser do professor é um todo e depende certamente, da cosmovisão que ele possui. Não sei até que ponto é importante ou possível classificar as atitudes dos professores. Até porque também elas, como fruto da contradição social, nem sempre apresentam formas lineares e totalmente coerentes com uma corrente filosófica. É inegável, porém, que a forma de ser e de agir do professor revela um compromisso. (p. 70).

    Tal situação denuncia, de certa forma, o despreparo do professor ao lidar com essa perspectiva diferenciada de avaliação de aprendizagem, pois como afirma Hoffmann (2003, p.108) “o modelo que se instala em cursos de formação é o que vem a ser seguido pelos professores que exercem o magistério nas escolas e universidades” e não raro esse modelo atende ao tradicional, conservador.

    Segundo Hoffmann (2003), essa idéia é assim exposta:

    [...] a ação avaliativa, enquanto mediação, não esta ao final do processo, mas pretende se fazer presente entre uma tarefa do aluno e a etapa posterior de construção, por ele, de um saber enriquecido, complementado. O significado do aluno, sua curiosidade e comprometimento sobre o objeto de conhecimento, refletindo juntamente com o professor sobre seus avanços e dificuldades, buscando o aperfeiçoamento de ambos. (HOFFMANN, 2003, p. 124).

    Diante dessa vertente do ato de avaliar, não se pode esquecer de que a avaliação formativa (Perrenoud), mediadora (Hoffmann), diagnóstica (Luckesi) e forma/informal (Freitas) sofrem influências de pré-supostos subjetivos do avaliador, que decidirá os padrões e critérios de qualidade, assim como a tomada de decisão sobre o objeto. É algo inerente ao processo.

1.3.     Rendimento escolar e LDB 9394/96

    A LDB e a sua flexibilidade são destaque como uma de suas características mais expressivas. Segundo Silva (1998), essa flexibilidade enseja a criatividade e desafia os sistemas educacionais a buscar alternativas para os problemas que inquietam administradores, técnicos e professores ao longo dos anos. Na expectativa de uma educação voltada não apenas para a produção e difusão dos saberes culturalmente construídos, prossegue a mesma autora, a Lei preconiza a formação do cidadão participativo e responsivo às demandas cada vez mais complexas da sociedade moderna. Introduz inovações que mudam e favorecem a diversidade de práticas avaliativas. Conforme o Art. 24, inciso, V da Lei:

    V- A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

  1. avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;

  2. possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

  3. possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação de aprendizado;

  4. aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

  5. obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos.

2.     Metodologia

    Para a realização do estudo, optei pelos princípios da pesquisa qualitativa, na perspectiva de aprender a realidade na sua complexidade, incluindo e reconhecendo as subjetividades de todos os envolvidos. Tem também como objetivo, conforme Minayo (1992) compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos.

    Após o despertar do assunto a ser pesquisado, é nessa hora que nasce o desejo de pesquisar, para dar conta do que ainda não se sabe. Inicia-se, então, um período de investigação, um tempo de convívio com o desconhecido, procurando, como a maior parte das pesquisas qualitativas, preencher lacunas no conhecimento (MAZZOTTI, 1998, p. 151).

    O fato de uma pesquisa se propor à compreensão de uma realidade específica, [...] não a exime de contribuir para a produção de um conhecimento (MAZZOTTI, 1998). No mesmo sentido de análise de produção de conhecimento, destaco:

    [...] admitir que o descobrimento e a criação de novos conhecimentos resultam da dedicação pessoal do indivíduo disciplinado e da mente aberta à pesquisa. (BRANDÃO, 2003, p. 58).

2.1.     Descriçaõ do espaço investigativo e dos sujeitos

    Esta pesquisa será desenvolvida numa escola estadual de ensino médio, da cidade de São Leopoldo. Realizei 6 visitas à escola durante um mês, sendo de 30 minutos as aulas observadas, numa turma de Educação Física de 1ª série do Ensino Médio. A turma tem o número de 37 inscritos, conforme o caderno de chamada da professora, a média de idade dos alunos é de 15 a 19 anos.

    A escola tem uma área de Educação Física privilegiada, onde há uma quadra coberta com arquibancada, e rede ao redor da quadra e iluminação propicia para a prática de atividades físicas.

    A professora que é formada pela Instituição Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) no curso de Educação Física – Licenciatura Plena, há 6 anos e leciona na escola há 5 anos.

2.2.     Instrumentos

    O estudo de caso conforme Yin (2001), é encarado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, onde os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos.

    A mesma autora corrobora que o estudo de caso deve ser conduzido quando se vislumbra uma instância em particular, quando o foco de interesse está em um fenômeno contemporâneo, ocorrendo numa situação de vida real.

    Assim sendo, o estudo de caso, como afirma André (2003, p. 51), “permitira um estudo mais aprofundado, dentro de seu dinamismo próprio”.

    Essa escolha metodológica permite, portanto, que a realidade estudada seja observada com mais profundidade, sempre deixando claro que os resultados serão válidos para o caso aqui relatado, como pode ser relacionado ao exemplo de Triviños (1987, p. 111):

    Não se pode generalizar o resultado atingido no estudo de um hospital, por exemplo, a outros hospitais. Mas aqui está o grande valor do estudo de caso: fornecer conhecimento aprofundando de uma realidade determinada, que os resultados atingidos podem permitir e formular hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas.

    O método utilizado neste estudo de caso é caracterizado como qualitativo, uma vez que busca compreender questões:

    "(...) de um nível de realidade que não pode ser quantificado. De fato”, (...) a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas “(Minayo, 1994:21-22)”.

    A investigação caracteriza-se, portanto, como um estudo de caso. O estudo de caso privilegia um caso particular, uma unidade significativa, neste caso a professora, e visa retratá-la de forma completa de acordo com o objetivo do estudo. As características associadas ao estudo estão relacionadas às características gerais da pesquisa qualitativa. Como apontam Lüdke e André (1986) e Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Portanto, procurou-se presenciar o maior número de situações constantes no dia-a-dia escolar e por meio de observação e questionário.

    Ainda, segundo Lüdke e André (1986), para realizar uma pesquisa é preciso promover um confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele.

    Trata-se de um tipo de pesquisa que tem sempre um forte cunho descritivo, onde o pesquisador não pretende intervir sobre a situação, mas dá-la a conhecer tal como ela lhe surge.

    Os instrumentos de pesquisa a serem utilizados são o questionário e a observação.

    A elaboração do questionário conforme Gil (2002), consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem redigidos. Ainda o autor destaca que não existem normas rígidas a respeito da elaboração do questionário.

    Quanto à natureza observacional, segundo Lüdke e André (1986), a observação possibilita um contato estreito com o fenômeno pesquisado, dessa forma é possível ao observador compreender melhor as “perspectivas dos sujeitos” e o significado que eles, nesse caso a professora investigada, atribui à sua prática. E o fato de ser não-participante proporciona ao pesquisador o papel de mero espectador, não influenciando intencionalmente as situações observadas, tanto quanto possível.

    Este tipo de instrumento proporciona objetividade e rapidez no registro e verificação dos dados, por ser uma técnica sistemática de observação e registro de práticas particulares de modo a determinar quais são freqüentes e quais são incomuns. Tal instrumento evita que o pesquisador desvie seu olhar para outros aspectos que não os contemplados pela pauta, desse modo, o pesquisador sabe o que procura (Miranda, 2005).

    A pesquisa foi realizada com base nas informações obtidas através da coleta de dados com uma professora de Educação Física do Ensino Médio.

3.     Análise reflexiva dos dados coletados

    Esta parte do trabalho tem por objetivo examinar e apresentar os resultados investigados na escola.

    Foram observadas 6 aulas de uma turma de Educação Física de 1ª ano do Ensino Médio. Durante as observações a pauta utilizada analisou o tempo de observação, a turma, atividades realizadas, intervenção da professora e destaques da observação.

    Apresento a seguir as planilhas da observação:

1ª aula

Data e tempo de observação

31/03/2008 – 30 minutos

Turma, série e nº de alunos

X1 – 1º ano do ensino médio – 34 alunos

Atividades realizadas

Após a chamada inicial, a professora entregou a bola de futsal e vôlei para o grupo de alunos.

Foi montada a rede de vôlei e colocada nas laterais as traves de futsal. Jogaram o vôlei meninos e meninas, totalizando 12 alunos, sendo 7 meninos e 5 meninas. No futsal, ficou 10 meninos, jogando o futsal recreativo.

Intervenção da professora

Houve somente como intervenção da professora, o momento da chamada inicial.

Destaques da observaçao

Destaco que dos 34 alunos presentes somente 22 participaram, sendo então que os 12 restantes ou ficaram sentados conversando entre si e escutando música ou saíram do ginásio. Não houve atividade orientada por parte da professora para os alunos ociosos.

A professora ficou sentada toda aula observada, conversando com alguns alunos que estavam ao seu redor.

2ª aula

Data e tempo de observação

07/04/2008 – 30 minutos

Turma, série e nº de alunos

X1 - 1ª série do ensino médio - 33 alunos presentes

Atividades realizadas

Os alunos ficaram todos ao redor da professora esperando a chamada, e após dirigiram-se para a quadra. No vôlei ficaram 10 alunos, também sendo 6 meninas e 4 meninos. Para completar a equipe chamaram a professora para jogar, e ela por motivo de dores no braço não foi. Fui convidado também, e arranjei uma desculpa para continuar o processo de observação.

Então prosseguiu o vôlei com 10 alunos e o futsal recreativo com 10 jogando e 5 aguardando de fora normalmente.

Intervenção da professora

Somente a chamada.

Destaques da observaçao

Dos 33 alunos presentes somente 25 participaram. O restante manteve-se sentado conversando

3ª aula

Data e tempo de observação

08/04/2008 – 30 minutos 

Turma, série e nº de alunos

X1 - 1ª série do ensino médio - 27 alunos presente.

Atividades realizadas

Cheguei 10 minutos antes do início da aula. Fiquei aguardando a chegada dos alunos e da professora.

A professora chegou com sua chamada em mãos, e os alunos foram chegando. Enquanto eles iam chegando ela ia colocando a presença.

Teve neste dia uma evasão muito grande, ficando na quadra de vôlei somente 8 alunos, 6 meninos e 2 meninas.

No futsal ficaram 7 meninos jogando, um futsal recreativo, com as traves postadas nas laterais.

Intervenção da professora

Somente a chamada inicial.

Destaques da observaçao

Ao longo do processo de observação vi que os alunos vinham com roupas inadequadas à prática esportiva. Perguntei para a professora se a mesma cobrava o uniforme e a mesma respondeu: - “Não tem obrigatoriedade vir de uniforme, então pode participar da aula”.Os restantes dos alunos ficaram sentados conversando com a professora sobre uma novela da TV, e o restante saiu do ginásio.

4ª aula

Data e tempo de observação

14/04/2008 – 30 minutos

Turma, série e nº de alunos

X1 - 1ª série do ensino médio - 31 alunos presentes

Atividades realizadas

A professora não esteve presente neste dia. E a supervisora da escola, disponibilizou as bolas para que os mesmos ficassem jogando.

Intervenção da professora

A chamada foi realizada conforme a supervisora solicitou: com uma folha em branco pediu que os alunos colocassem seus nomes, que depois ela ia repassar para a professora os presentes.

Destaques da observaçao

Ficaram jogando o basquete alguns meninos com a bola de futsal. As meninas ficaram sentadas conversando, escutando música juntamente com outros meninos.

5 ª aula

Data e tempo de observação

28/04/2008 - 30 minutos 

Turma, série e nº de alunos

X1 - 1ª série do ensino médio - 27 alunos presentes

Atividades realizadas

A professora já estava no ginásio quando cheguei à escola. Houve uma demora de 15 minutos até o aparecimento dos alunos. Eles estavam em prova de matemática como comentado entre eles. A professora fez a chamada dos que iam chegando e a quadra de vôlei e as traves não estavam nos locais destinados a prática coletiva. Fui auxiliar os meninos e meninas a montar a rede de vôlei, e a mudança do local das traves de futsal. Neste dia não tinha a bola de futsal, a mesma tinha sido furtada conforme destaque da professora. Os meninos ficaram em 14 jogando futsal, 10 ativos e 4 a espera. E o vôlei aconteceu de forma mista tendo 12 alunos jogando. 7 meninas e 5 meninos.

Intervenção da professora

A chamada inicial somente.

Destaques da observaçao

Ficou neste dia presente que a professora não fazia nenhuma anotação referente suas aulas, pois a mesma ficava sentada somente com sua bolsa. Neste dia teve maior participação dos alunos nos esportes ali propostos, sendo que somente uma aluna ficou sentada conversando com um outro menino que parecia ser de outra turma.

6ª aula

Data e tempo de observação

29/04/2008 - 30 minutos 

Turma, série e nº de alunos

X1 - 1ª série do ensino médio - 29 alunos presentes

Atividades realizadas

A chamada inicial já estava ocorrendo quando eu cheguei na quadra coberta da escola. Os alunos estavam ao redor da professora. A professora liberou as bolas para jogarem. A escola tinha disponibilizado uma nova bola de futsal. Os meninos ficaram em 10 jogando futsal. E o vôlei ficou com 11 alunos de ambos os sexos. Após os alunos dirigirem-se à quadra, a professora me falou que estava se transferindo de cidade e que iria para o Estado de Santa Catarina, na capital Florianópolis, onde iria lecionar em uma escola pública.

Intervenção da professora

A chamada inicial e quando um aluno chutou a bola de vôlei ela destacou: - “Não chutem a bola de vôlei pessoal”.

Destaques da observaçao

Dos 29 alunos presentes na chama, apenas 21 participaram ativamente da aula. Sendo que os 8 restantes ficaram sentado, neste dia tinha revistas com as meninas e elas ficaram comentando sobre as novelas.

    Para coleta de dados, foi apresentado a professora um questionário no dia 31/03/2008 com devolução programada para o dia 07/04/2008, com a seguinte questão: - O que é avaliação no teu entender professora?

    A resposta foi a seguinte: - Será continuada e cumulativa. O aluno será avaliado em todas as aulas pela sua participação, uniforme, pontualidade e interesse. Também será avaliado através de testes práticos de corrida, exercícios físicos e atividades esportivas. Será observado o crescimento individual do aluno nos aspectos: Físico (coordenação motora, agilidade, equilíbrio, resistência e higiene corporal), no Emocional (respeito, solidariedade, companheirismo, justiça e colaboração) e no Intelectual (apresentação de trabalho solicitados, capacidade de aprender as atividades propostas, raciocínio lógico, executar uma seqüência de exercícios na ordem).

    Foram realizadas duas aulas anteriores ao início da observação, que coincidiram com as primeiras duas aulas do semestre.

    Geralmente a professora começava suas aulas com a chamada inicial. Para iniciar as atividades a professora realizava a entrega do material (uma bola para futsal e uma bola para o vôlei) e assim não direcionava o tipo de atividade a ser realizada. Em todas as aulas de posse das bolas a turma organizava-se para efetuar estes dois esportes. Aparentemente fica caracterizado que a aula não apresentava um planejamento mais específico porque não havia um direcionamento das atividades a serem realizadas.

    A prática desportiva desenvolvida nas aulas pela escolha dos alunos foi o vôlei e o futsal. Analiso o não planejamento e o não direcionamento das aulas observadas, porque sendo esta a terceira aula do trimestre, as questões teóricas e as práticas que envolvem tais desportos aparentemente não foram trabalhadas nas aulas anteriores.

    A partir destes dados pergunto-me: - Quais dados foram coletados para a elaboração avaliativa de cada aluno no decorrer das seis aulas?

    Segundo a resposta da professora no questionário realizado, sua avaliação seria contínua e cumulativa. O aluno será avaliado em todas as aulas pela sua participação, uniforme, pontualidade e interesse.

    Não percebi em nenhuma das seis aulas observadas, qualquer anotação referente aos critérios de avaliação definidos pela professora no questionário.

    Segundo Perrenoud (1999), uma avaliação é contínua e cumulativa quando formativa, é também mediadora segundo Hoffmann (2003) e diagnóstica segundo Luckesi (1994 e 2005).

    Pode-se concluir que dentre as análises do cotidiano, por meio da observação e questionário houve um distanciamento entre o depoimento teórico da professora e sua prática pedagógica.

    Dos 34 alunos participantes da primeira aula, 12 não participaram de nenhuma atividade proposta pela professora, na segunda aula 8 não participaram, na terceira.aula 12 não participaram, na quarta 9 alunos ociosos, quinta aula eram 6 alunos que não participaram e na sexta aula 8 alunos ficaram sem atividade. Se um dos critérios de avaliação definidos pela professora é a participação, como serão avaliados os alunos que não participam das atividades nas aulas? O que caracteriza tal postura pedagógica?

    Pensando sobre a autonomia, fui percebendo que poderia haver nas práticas da professora uma proposta de desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Perguntei-me, então: - Estará a professora propondo autonomia mesmo quando não direciona suas aulas? Ou não consegue realizar aquilo que almeja enquanto ideal de avaliação descrito no questionário?

    Vygotsky (1996, p. 230) considera que a liberdade não é a mesma coisa que a necessidade gnosiológica e que a vontade é a transformação da linguagem em ação executada ou por outros ou por si mesmo. Penso que estamos diante da emergência de elaboração do domínio da professora sobre sua própria conduta, em um movimento em que tanto exerce a autonomia, em alguns momentos, quanto em outros ainda não o faz. Mas nos dois casos há uma vontade e uma busca de conhecimentos norteando seus modos de ação e tomada de consciência em relação ao que já é aos seus limites.

    Penso que nessa situação ela exerce autonomia em todos os momentos de minha observação. Ela se conduz de modo autônomo, quando opta por trabalhar os alunos de forma livre.

    Conforme Vygotsky, há tipos de auto- consciência, e não etapas ou estágios. Esses modelos de perceber-se e regular-se vão se configurando em condições reais de produção. Mais do que algo pronto, fixo, definido, acabado, a autonomia vai se produzindo em íntima relação com o acesso ao conhecimento e a sua reprodução.

    Compreendendo o contexto histórico dialético-dialógico do qual o ser humano faz parte, somando ao entendimento que se tem de avaliação como ação participante de outras tantas atividades no trabalho docente, opta-se neste momento discutir e refletir acerca das aulas desta professora frente a um tema que nos últimos tempos, tem se composto com um mito, que assusta e é provocador de tantas inquietações: a avaliação.

    As questões atuais limitam, cerceiam a prática docente, especialmente no que se refere à avaliação da aprendizagem. Tendo em vista essa prática, é possível notar que, nem sempre, o que garante a disposição do docente em buscar novas alternativas como práticas avaliativas se deve apenas a sua formação acadêmica. Muitas vezes, as interferências estão muito mais vinculadas a reflexões pessoais que o profissional vem desenvolvendo no decorrer de sua vida.

    Uma abordagem que se aproxima do que foi exposto é a de Cunha (1989) quando também infere que as percepções do professor vão além de sua formação acadêmica, que são intrínsecas às relações sociais que lhes forma possíveis durante a vida.

    [...] é importante perceber que a produção do conhecimento não é necessariamente uma prática ligada a uma concepção política de educação. Pelo menos na forma consciente no professor. No nosso cotidiano, na sala de aula, ela tanto pode expressar uma intenção meramente pedagógica como pode resultar de uma opção madura de perceber a realidade. Parece que tudo depende das oportunidades que cada um teve de descobrir a teia das relações sociais que antecedem o saber. (CUNHA, 1989, p. 113).

    O trabalhador, por exemplo, em seu próprio trabalho, à medida que vai tendo um maior conhecimento e domínio sobre seu próprio fazer, vai nele imprimindo suas nuances singulares, seguindo menos prescrições, chegando mesmo a fazê-lo do jeito que considera mais significativo ou adequado aos critérios forjados em sua experiência. Mesmo quando não tem ainda o domínio completo de alguns conhecimentos e modos de ação, ele se experimenta em algumas possibilidades, como o fazia a professora.

    No movimento de se experimentar, fazendo “usos peculiares de si por si mesma”, a professora não é autônoma sempre, mas produz e vivencia situações em que vai elaborando a consciência de si mesma, reconhecendo que há, ainda, algo a conhecer, a saber, fazer. Ou utilizando-me do conceitual vygotskyano, “os usos de si por si mesmo” mediados pelo outro indiciam o desenvolvimento proximal da própria atividade plenamente auto-regulada. E dessa atividade auto-regulada em constituição trato a seguir.

    Como destaca Paulo Freire (1997, p. 25), “quem ensina, aprende a ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Assim sendo, a professora que tem em vista possibilitar a seus alunos o conhecimento das próprias vivências, está lidando com sua própria autonomia. Ela coloca em questão seu próprio trabalho, na medida em que esse trabalho se organiza e se legitima na sua relação com o aluno.

    Nesse sentido, sua autonomia profissional não se desenha fora dessa relação e nem se completa, se finaliza na medida que vai sendo redimensionada pelas novas gerações que chegam à escola carregando consigo suas distintas condições de existência. Mas os saberes, os valores, os comportamentos que os adolescentes têm, e que podem ser indicadores para o trabalho do educador, podem não ser os mesmos valores que a escola tem para si.

4.     Considerações finais

    Ao propor um trabalho de reflexão da prática pedagógica avaliativa de uma professora de Educação Física, não procurei desmerecer a professora analisada, e sim refletir as suas aulas e os métodos de avaliação que a mesma utiliza.

    Defendo uma avaliação em Educação Física que auxilie o professor e os alunos a obterem resultados, a identificarem falhas durante o processo de ensino aprendizagem, e que aponte os acertos e as dificuldades. A avaliação é o apoio e o resultado do trabalho do professor e do aluno na busca do conhecimento e, conseqüentemente, da aprendizagem. Mas para poder fazer uma avaliação sob essa ótica, é preciso mudar o modo de pensar do professor e da comunidade escolar, ver o ensino, a aprendizagem e conseqüentemente a avaliação a partir de suas matrizes teóricas e adequando-as à realidade de ensino na qual o professor está inserido.

    Constatei que a professora analisada fala de avaliação contínua, mas há uma diferença grande quanto aos instrumentos utilizados e quanto aos níveis de conceitualização desse processo. Há na resposta da professora muitas referências de uma avaliação de rendimento, sendo-lhe atribuída uma grande importância, mas há também uma certa confusão quanto aos critérios de avaliar. A mesma diz que avalia a participação em aulas, mas se ela não tem nenhuma planilha de avaliação para anotar nas aulas: Será que a mesma se recorda de todos os alunos que ficam sem fazer nada em suas aulas?

    Perguntas que ficam sem respostas, e sim, fica a visão de uma professora sem comprometimento com seus alunos, com sua formação acadêmica e com a sua escola.

    É preciso que os professores de educação física conheçam a história da área e como se deu a construção do referencial teórico da avaliação em sua disciplina, para que possam buscar novas maneiras de realizar esse processo, como forma de analisar de que modo está se processando o ensino e a aprendizagem.

    O professor de educação física precisa entender que a avaliação não é apenas o cumprimento de uma exigência burocrática, mas um processo de construção de conhecimento; ou seja, por meio da avaliação o professor pode analisar se os objetivos educacionais foram atingidos ou não, e repensar sua prática para que esses objetivos possam ser atingidos. É preciso acabar com a idéia de que a nota é um produto apenas do aluno. Ela é um resultado do professor e do aluno juntos; é uma parte do processo de ensino.

    Uma avaliação clara e coerente com os objetivos educacionais e com a proposta político-pedagógica da instituição de ensino é um modo de buscar um ensino de qualidade. O professor que possui um processo de avaliação apoiado em uma base teórica bem estudada e definida pode realizar um trabalho mais coerente com o processo de ensino.

    Para que isso ocorra, é preciso que as discussões, estudos e publicações a respeito desse tema sejam mais enfáticos nas universidades, pois são essas instituições que formam os professores que atuarão nas escolas. O professor tem de sair da universidade sabendo quais são as linhas teóricas da educação física (compreender o referencial teórico da pedagogia, da sociologia e da psicologia que dão suporte a essas linhas de pensamento na área) e como elas propõem os processos de avaliação e, a partir daí, estudá-las, modificá-las e aplicá-las na escola com coerência e segurança.

    Não basta a reprodução de parâmetros avaliativos já conhecidos e utilizados. É preciso haver a busca por formar um corpo de conhecimento sólido em avaliação da educação física escolar, com coerência e seriedade.

    A escola vem cobrando de seus professores uma reflexão a respeito do tema avaliação. O professor de educação física não pode ficar fora dessa reflexão.

    A disciplina de educação física possui conteúdo e, por isso, ela precisa ter uma avaliação coerente com o programa educacional elaborado pelo professor e pela escola.

    A avaliação da aprendizagem revela-se múltipla e complexa, demandando olhares de diferentes perspectivas para que a amplitude e magnitude do fenômeno educativo possam ser aprendidas de maneira mais consistente, crítica e com reais possibilidades de transformação.

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revista digital · Año 13 · N° 128 | Buenos Aires, Enero de 2009  
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