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Experiências de inclusão de professores da Educação Física na escola comum: a relação professor/aluno com necessidades especiais

 

*Docente do PPGRI Centro Universitário Metodista IPA

**Bolsistas de Iniciação Científica – IPA

(Brasil)

Atos Prinz Falkenbach*

Anna Carolina Muniz Ordobás**

Gabriel Souza Machado**

atos@univates.br

 

 

 

Resumo

          O presente estudo é fruto do desenvolvimento investigativo da pesquisa de título Educação Física e Inclusão que tem como finalidade abordar e aprofundar as temáticas da inclusão na área da educação física escolar. O referencial teórico estuda a formação dos professores para atuar com a inclusão, as dificuldades e resistências dos professores diante da realidade de inclusão na escola comum e as experiências positivas e negativas dos professores na prática inclusiva. A metodologia de corte qualitativo, através das entrevistas e observações permitiu organizar as seguintes categorias: a) a relação professor/aluno com necessidades especiais nas aulas de educação física; e; b) a relação do grupo com o aluno com necessidades especiais. É possível compreender que ainda há um processo educativo a ser conquistado e naturalizado na inclusão. Não restam dúvidas que para haver o processo de inclusão a postura dos professores são decisivas, fator que concorre para a contínua formação nessa área, desde a formação inicial até a formação continuada.

          Unitermos: Educação Física. Inclusão. Formação pedagógica.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008

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Introdução

    O presente estudo é fruto do desenvolvimento investigativo da pesquisa de título Educação Física e Inclusão que tem como finalidade abordar e aprofundar as temáticas da inclusão na área da educação física escolar. É oportuno explicar que as motivações para investigação nessa área se fundamentam no histórico seletivo e técnico da educação física, cujas práticas demonstraram exercícios de segregação e de exclusão por diferentes formas e modalidades.

    A prática da inclusão nas escolas ainda é um grande dilema aos professores. Apesar de inúmeros estudos demonstrarem sensibilidade dos professores em relação ao tema, ainda é possível perceber fragilidades, em sua maioria, pedagógicas nesse processo (Medeiros e Falkenbach, 2008).

    Diante de uma situação paradoxal em relação à inclusão de alunos com necessidades especiais na escola comum podemos indagar: como os professores que ministram aulas para alunos com necessidades especiais na escola comum interpretam suas relações com os alunos? O que avaliam ser mais fácil ou mais difícil nessas relações? Que experiências os professores relatam diante da prática da inclusão em suas aulas? Como se organizam pedagogicamente para as práticas?

    Uma vez que o artigo descreve as experiências de inclusão vivenciadas pelos professores de educação física na escola comum organizamos o questionamento principal que podemos destacar: como os professores de educação física compreendem o fenômeno da inclusão em suas aulas e como manifestam a relação com alunos com necessidades especiais em suas práticas educativas?

    No desenvolvimento do presente artigo abordamos os temas da formação de professores na prática da educação inclusiva envolvendo as dificuldades no processo formativo e a formação continuada, bem como a compreensão dos professores acerca das experiências que possuem com a inclusão de alunos com necessidades especiais nas aulas comuns.

Formação de professores para trabalhar com a educação inclusiva

    O tema da formação de professores para o processo da educação inclusiva inserida na escola comum necessariamente inicia-se nas reflexões acerca da formação inicial dos futuros docentes, na graduação. Apresentamos reflexões acerca da formação inicial, das suas dificuldades na formação e perspectivas para a inclusão na formação de professores.

    Podemos iniciar descrevendo que a formação inicial dos professores é o que permite a sensibilização para a temática da inclusão. Se por um lado há um histórico de cultura de segregação e de culto à estética e à produção, por outro é necessário que se compreenda o manancial existente da diversificação de pessoas com diferentes níveis de desenvolvimento, grupos étnicos, raciais e com deficiências. Assim o processo formativo pode se constituir no início de uma sensibilização para melhor compreensão e até intervenção na realidade, principalmente no ambiente educacional.

    Rodrigues (2005) apresenta evidências que ilustram a formação inicial dos professores. Explica que os currículos não desenvolvem a área da inclusão em disciplinas específicas ou como recurso para as áreas de formação pedagógica. O processo formativo parece estar mais voltado para disciplinas afetas com a especificidade das necessidades especiais, muitas vezes com casos severos e que acabam por distanciar ainda mais o futuro professor de uma realidade possível de inclusão na escola. Também é comum observarmos uma prática em que as disciplinas voltadas para as necessidades especiais no curso de formação inicial são de esportes adaptados, atividade que é específica para as populações especiais e menos para uma ação de inclusão.

    Como resultado dessa graduação em uma perspectiva biomédica e distanciada da atividade pedagógica, das vivências práticas com as crianças, podemos perceber fragilidades formativas aos professores. Freitas (2006) sublinha essa preocupação:

    “É consensual a afirmação de que a formação de que dispõem os professores hoje no Brasil não contribui significativamente para que seus alunos se desenvolvam como pessoas, tenham sucesso nas aprendizagens escolares e, principalmente, participem como cidadãos detentores de direitos e deveres na chamada sociedade do conhecimento” (p. 168).

    Em relação às dificuldades dos professores diante do tema da inclusão na escola Corrêa (2002) explica que na prática dos professores formadores a inclusão é um fenômeno refletido, mas distante. O autor destaca que os cursos de formação de professores pouco ensinam a trabalhar com a diversidade na sala de aula. Trata-se de passar a informação sem considerar a realidade que o futuro professor irá enfrentar e nem as diferenças existentes na sua turma, ou seja, não é trabalhada a formação considerando a diversidade existente na sala.

    Freitas (2006) ilustra que há oportunidades em que o professor pode idealizar um aluno, sem se dar conta de que trabalhar com a diversidade é algo intrínseco à natureza da atuação docente e de que não faz sentido pensá-la como uma condição excepcional. Assim pensamos que a formação inicial é uma excelente oportunidade tanto para a sensibilização dos futuros professores, como também de exercitarem práticas pedagógicas refletidas com os professores formadores para as realidades que convivem em sala de aula.

    É interessante perceber que a diversidade e a inclusão são temas que o professor se depara constantemente. O corpo do professor é um veículo de linguagem preciso e pode auxiliar na aprendizagem dos alunos acerca da inclusão. Em outras palavras, as convicções do professor demonstradas em suas posturas e atitudes se manifestam concretamente na sua posição em relação à inclusão. Os alunos são usuários dessas aprendizagens que se manifestam na atitude corporal do adulto (FALKENBACH, 2005).

Dificuldades e resistência dos professores diante da inclusão

    Para melhor entender a questão da inclusão escolar é interessante buscar um pouco da compreensão e dos sentimentos dos educadores perante esse assunto no contexto da escola e da educação física.

    Sobre a inclusão propriamente dita, grande parte dos professores acredita que seu objetivo principal é a busca pela igualdade, uma igualdade baseada na razão, na capacidade humana de aprender, buscando compreender que todos são diferentes e apresentam suas características próprias. Tal temática é abordada por Mantoan (2007) que explica a necessidade da formação dos professores diante da riqueza das diferenças na escola, ou seja, as diferenças como um processo de aprendizagem.

    Partindo da idéia de que toda criança apresenta suas individualidades e características próprias, a grande maioria do professores, apesar de se sentirem despreparados para tal incumbência, acreditam que a inclusão de alunos com necessidades especiais pode ser benéfica não apenas aos alunos como também para a escola, melhorando a abordagem sobre questões como as relações interpessoais, o respeito e a aceitação das diferenças.

    De acordo com Falkenbach e Cols. (2007) é possível entender que alguns professores de educação física não estão preparados para ministrar aulas de educação física, com carência de conhecimentos para proporcionar atividades que auxiliam no processo de inclusão, questão essencial a ser compreendida no coletivo social. Medeiros e Falkenbach (2008) citam os estudos de Cardoso para explicar que os próprios professores são conscientes de suas fragilidades diante da prática inclusão na escola comum.

    Medeiros e Falkenbach (2008) explicam ainda que é comum a insegurança do professor de educação física quanto à inclusão de alunos com necessidades especiais na escola comum. Ilustram que os professores justificam que são despreparados, cientes de que a inclusão não é fácil de ser trabalhada e vivenciada devido à diferença dentro da sala de aula. Tal insegurança pode estar relacionada ao medo de viver o novo ou ainda a falta de competência profissional.

    Os autores descrevem que os professores investigados acreditam que para trabalhar com uma classe inclusiva é preciso um pré-planejamento, um ambiente preparado para receber uma turma de alunos com necessidades especiais e a possibilidade de experienciar diversos métodos de aprendizagem, uma vez que todo educador se depara, durante as aulas de educação física, com as diferentes características de cada aluno.

    De acordo com Furini (2006) os professores destacam importância às vivências, pois desenvolvem experiências de inclusão no ambiente escolar, uma vez que tal processo de inclusão é gradativo e que ocorre de forma lenta. Furini (2006) explica ainda que não adianta apenas que o aluno com necessidades especiais esteja presente, mas que se oportunize um contexto de qualidade, com o professor buscando alternativas para que todos avancem no processo de desenvolvimento.

    Pacheco (2007) relata que os professores, com pouca experiência na prática educativa da inclusão explicam que é necessária a aquisição de conhecimentos na área para poder proporcionar aulas realmente educativas, abrangendo as diferenças entre os alunos. Acreditam também que é importante a implementação de ambientes educativos, planejados, que proporcionem a possibilidade do profissional da educação física possa desenvolver um bom trabalho, disponibilizando uma variedade de métodos de aprendizagem.

Experiências pedagógicas positivas e negativas com a inclusão

    Stainback e Stainback (1999) perceberam que existe uma dificuldade de aceitação dos colegas de classe perante os alunos com necessidades especiais, devendo o professor saber interpretar isso, não obrigando um aluno a aceitar o outro, mas mostrar suas diferenças e igualdades, fazendo-os realizarem atividades em conjunto para facilitar o processo de aceitação entre as diferenças. As afinidades desenvolvidas entre os grupos homogêneos são simples, o processo de inclusão e de reconhecimento das diferenças é que se trata de um aprendizado.

    No que se refere às reações dos professores com os alunos com necessidades especiais Furini (2006) descreve que os educadores mostram-se empenhados em proporcionar incentivos para incluir como um aluno do grupo, atenuando as diferenças, ou fazendo com que não estejam presentes ou destacadas.

    Góes e Laplane (2004) explicam que existe um gradativo processo de desmotivação dos professores com relação aos alunos com necessidades especiais, devido à dificuldade de comunicação entre eles, fazendo com que o professor, com o passar do tempo, demonstre baixa expectativa de que os alunos consigam alcançar os objetivos pré-determinados pelo educador. Reforçam assinalando que os professores podem acostumarem-se com as dificuldades de cada um e desistem de procurar alternativas para o aprendizado. Sob a ótica emocional, o comover-se em deparar-se com o diferente, o especial, estabelece um distanciamento criando o temor em compreender e ser compreendido. Isto perturba o profissional que pode afastar-se alegando falta de preparo por receio em frustrar-se pessoal e profissionalmente.

    Pacheco (2007) chama a atenção para a interação e comunicação entre professores e alunos, para que o educador compreenda melhor as necessidades de cada indivíduo. Devido à importância dessa interação e comunicação o autor explica que o trabalho em equipe seria benéfico para todos os alunos, pois este ensino em equipe proporciona que os professores estejam disponíveis para dedicarem-se a uma quantidade inferior de alunos, podendo assim melhor compreender suas principais necessidades, prestando um atendimento mais qualificado.

Metodologia

    O presente estudo visa reconhecer os aspectos que influenciam aos professores na questão da inclusão escolar. Como o tema é inclusão na escola, elaboramos os seguintes objetivos: 

  1. analisar a formação de professores na prática da educação inclusiva; 

  2. refletir perspectivas para a formação docente; 

  3. analisar dificuldades e resistências dos professores; e; 

  4. analisar as experiências pedagógicas positivas e negativas dos professores na experiência com a inclusão.

    O estudo realizado se ajustou às características do modelo qualitativo, que teve como objetivos a investigação, descrição, análise e interpretações das informações recolhidas. A escolha da escola observada se deu a partir de várias visitas em escolas públicas e estaduais da cidade de Porto Alegre. As escolas foram escolhidas pelo critério do caráter inclusivo, com a presença de um aluno com necessidades especiais matriculado e que freqüenta regularmente a escola. Também foi fundamental o aluno participar das aulas de educação física com um professor devidamente habilitado nas aulas.

    A entrevista realizada com os professores foi organizada no modelo semi-estruturado, que permitiu obter informações com questões abertas que foram previamente definidas pelo pesquisador, mas que ao mesmo tempo permitiram explorações que não estavam previstas anteriormente. É importante ressaltar que as observações iniciaram antes da realização da entrevista com o professor, para que o participante da pesquisa não estivesse sobre influência das questões de entrevistas realizadas. Somente após as primeiras quatro observações optamos por realizar a primeira entrevista com o professor para assim poder verificar as relações entre o que foi observado e o que foi respondido pela mesma.

    O procedimento de triangulação de informações proposto por Triviños (1995), permitiu destacar duas categorias de análise a partir do discurso do professor e das observações das aulas de educação física que são: 

  1. a relação professor/aluno com necessidades especiais nas aulas de educação física; e; 

  2. a relação do grupo com o aluno com necessidades especiais.

Relação professor / aluno com necessidades especiais

    Ao avaliarmos as informações observadas podemos perceber que no que diz respeito à relação entre o professor e o aluno com necessidades especiais, a grande maioria dos educadores acredita ser relevante a criação de um vínculo afetivo com o aluno para facilitar o processo de inclusão. Através da observação podemos perceber que é comum ocorrer maior atenção a estes alunos. Vygotski (1997) interpreta que as relações com crianças com necessidades especiais são sempre tidas como especiais, assim por mais que a relação pretenda ser naturalizada ou mesmo de atender as necessidades dos alunos, essa relação apresenta elementos de destaque em relação aos demais alunos do grupo.

    Tal postura especial pode ser percebida principalmente no início do processo, pois o processo inédito pode conduzir ao professor a adotar posturas de preocupação ou de tensão em tentar estar mais próximo fisicamente e de estabelecer um diálogo com maior freqüência do que com os demais alunos: Esse fato pode ser ilustrado na observação descrita:

    “A professora busca a aluna com sua cadeira de rodas ainda no saguão da escola, carrega sua mochila e pergunta o que ela mais gosta de fazer. Após a estagiária conduz a menina até a quadra poliesportiva. Deixa-a no meio da quadra e ela tenta tirar a mochila, como não consegue, a turma grita para a estagiária ajudar para tirar a mochila, que após conseguir baixa-se junto da cadeira de rodas na altura da menina e conversa com ela sobre o que poderia fazer” (Obs. número 1 em 04/04/2007).

    Outra observação dessa mesma rotina da aula de educação física demonstra a atenção especial que a aluna recebe durante o procedimento do alongamento. Durante a sessão de exercícios orientados pela professora, o grupo de alunos desenvolve de forma autônoma e a menina na cadeira de rodas desenvolve auxiliada pela estagiária que é destacada para essa atividade.

    O comportamento da professora e da estagiária representa um destaque em relação aos demais alunos do grupo. Demonstra interesse sobre a criança e dispõe-se em ajudar para o início das aulas. É preciso demonstrar atenção para que este comportamento do educador não implique em atritos entre a turma, pois apesar de raro, é fato que alguns alunos podem sentir-se insatisfeitos em não receber o mesmo tratamento. O que ocorre e não é raro é o professor estar sendo avaliado pela turma de alunos em relação ao seu comportamento voltado para o aluno com necessidades especiais (Falkenbach, 2005). Tal avaliação ocorre porque os alunos percebem a atenção especial do educador em relação ao aluno. Assim os alunos aprendem sobre o destaque às diferenças e menos em naturalizar e descomprometer as diferenças. Outra observação descreve:

    “Durante a atividade de vôlei, devido ao fato de Iasmim tocar muito pouco na bola, a professora organiza situações em que consegue passar a bola para a menina. Em situações de saque da equipe contrária, a professora recebe a bola e passa à colega. Também enfatiza ao grupo verbalizando que devem privilegiar os passes e a participação de todo o grupo” (Obs. número 02, em 11/04/2007).

    Durante as atividades da educação física pôde-se notar o quanto se torna indispensável, em certas ocasiões, a interferência do educador no sentido de introduzir e privilegiar o aluno com necessidades especiais nas atividades, pois existem momentos em que a turma pode excluí-lo durante algum esporte ou vivência lúdica, principalmente se a atividade for competitiva.

    Outro aspecto relevante da observação diz respeito à empolgação dos educadores que iniciam o trabalho sempre com grandes expectativas em relação aos alunos, principalmente com necessidades especiais. Como o processo educativo pode ser mais lento que o planejado existe um pouco de desestímulo por parte do educador fato percebido na observação que segue:

    “Durante o desenvolvimento das atividades orientadas e oferecidas aos alunos, a professora não teve nenhum contato nem estabeleceu uma conversa com a aluna com necessidades especiais em uma aula de educação física que foi realizada em sala de aula” (Obs. número 3 em 18/04/2007).

    As circunstâncias dinâmicas de uma aula em que há apenas um professor para atender ao grupo de alunos podem acarretar em um esquecimento ou até dificuldades de atenção melhor dedicada aos alunos. Diferente do que ocorreu na aula de educação física da menina cadeirante, nas observações iniciais desse tópico, quando ela recebe atenção privilegiada de uma estagiária, aqui há o isolamento e desinteresse pela possibilidade do aluno integrar-se na aula.

    Não se trata apenas de alunos com necessidades especiais, pois essa possível desatenção com os alunos pode ocorrer com qualquer outro. A questão que está em xeque é o fato de uma professora não conseguir estar atenta ao grupo de alunos e algumas necessidades especiais quando desempenha atividades pedagógicas sozinha.

Relação do grupo com o aluno com necessidades especiais

    Em paralelo às considerações sobre a relação professor/aluno é válido salientar as informações observadas acerca da interação do grupo com o aluno com necessidades especiais. A partir das observações realizadas foi possível constatar duas realidades distintas que são positivas e negativas, em relação à inclusão de alunos com necessidades especiais e o grupo de colegas: a) relação de ajuda e de curiosidade do grupo em relação ao aluno com necessidades especiais; b) atitudes de exclusão e pejorativas do grupo com o aluno com necessidades especiais.

    Em uma primeira análise foi possível identificar a participação ativa e interessada do grupo como motor de crescimento nas práticas diárias de inclusão dentro da escola. As atitudes demonstradas pelo grupo caracterizavam-se na maioria das vezes por ações baseadas no respeito às diferenças e limitações da aluna. Nas atividades acompanhadas durante a observação, o grupo procurava adequar-se às características da menina, toda a realidade da turma era voltada para o seu bem estar:

    “Outra menina que estava sentada grita e pergunta para a menina que está levando a aluna com necessidades especiais, se ela não queria que ela levasse a menina com necessidades especiais para que ela pudesse jogar – o grupo faz trocas, de modo que ninguém fique sem participar da aula nem a menina fique sem parceiros durante as atividades” (Obs. número 06 em 30/05/2007).

    Diante deste contexto a resposta demonstrada pela menina foi favorável. Demonstrou participar das atividades com entusiasmo, interesse e motivação, mantinha uma boa relação com o grupo, fato este percebido na observação que segue:

    “14:51h Começa o jogo de handebol, a menina joga na equipe sem coletes. Ela posiciona-se na área de defesa, uma colega auxilia segurando sua cadeira. 14:55h A menina recebe a bola através de um passe que um menino de sua equipe fez. A menina segura a bola em seu colo, pega a bola com as duas mãos olha para frente e joga-a para um menino próximo localizado a sua frente. O grupo consegue incluir a menina nas brincadeiras e isso a deixa muito animada” (Obs. número 05 em 30/05/2007).

    A observação destaca que se passaram 4 minutos desde que o jogo iniciou até que pela primeira vez ela toca na bola. Depois do registro dessa observação um novo longo tempo ocorre até que ela participa ativamente tocando na bola. Apesar disso podemos constatar que está atenta ao jogo e contente pela sua participação. Falkenbach (2005) destaca que é fundamental a acolhida do grupo para a inclusão da criança e que tal fenômeno ocorre com o auxílio da linguagem do professor que acredita na inclusão.

    Beltrame e Tremea (2005) destacam essas características do contexto da aula como fatores importantes ao desenvolvimento da criança. Compreende-se aqui seu desenvolvimento como um todo, ou seja, seu desenvolvimento físico, moral, intelectual, emocional, social, etc.

    Em uma segunda análise foi identificado um grupo mais distante da inclusão, não tão participativo e interessado nas práticas inclusivas. Suas atitudes eram de desrespeito e deboche perante as dificuldades do menino com necessidades especiais:

    “A professora chama o menino, mas ele diz que não quer fazer, a professora grita com ele e pede para que ele entre no círculo (vem pra cá agora, entra no círculo agora). Ele bravo entra no círculo e todos os alunos debocham dele, gritam: está com medo! A professora pede silêncio pra explicar a atividade. A atividade é o ‘bobinho’, onde um aluno deverá ficar no centro do círculo e deve tirar a bola dos demais colegas. A professora pergunta quem será o bobinho e todos gritam que será ele e indicam com os dedos apontados para o menino. Gritam - porque ele já é bobinho” (Obs. número 02 em 25/05/2007).

    Por muitas vezes o menino pareceu não se importar com a falta de respeito dos colegas, mas em alguns momentos ignorava a presença dos colegas assim como faziam com ele. Durante as brincadeiras e jogos nas aulas de Educação Física demonstrou entusiasmo por ter a oportunidade, mesmo não conseguindo ter uma participação ativa, pois o grupo não o incluía nas jogadas:

    “Em uma atividade de tocar e de adivinhar o menino é tocado e é questionado pela professora sobre quem o tocou. A professora pergunta – quem te tocou? Os colegas gritam em coro – Não sabe, não sabe! - A professora interrompe e pede silêncio. Solicita rapidez para o menino. Quando ele responde e erra o grupo grita e ri do seu erro. Mesmo com os deboches o menino pareceu não se importar e ficou contente em participar da brincadeira” (Obs. número 4 em 15/06/2007).

    Fica bem claro a partir das duas realidades observadas que, na primeira, o processo de inclusão acontece de forma natural, sem pressões, nem grandes obstáculos, o grupo consegue aceitar as diferenças e incluir a menina nas atividades diárias, apesar de estar clara atenção especial. As atitudes do grupo com a menina tentam ser naturais, mas não acontecem da mesma forma como acontecem as atitudes para as outras crianças do grupo, pois elas são pensadas e voltadas para tentativas de sua inclusão. Porém há um movimento de inclusão que não é o que ocorre na situação dessa observação, pois podemos constatar pequenas ações que ainda não foram alteradas e impedem que o processo de inclusão transcorra de uma forma reconhecida pelo grupo. Como foi percebido na observação que segue:

    “A professora pediu silêncio e iniciou a chamada. Eduardo estava sentado no seu lugar e parado olhando para frente bem quieto. Quando, a professora chamou seu nome ele olhou e perguntou pra ela – O que professora? E ela respondeu – Chamei seu nome Eduardo, estou fazendo a chamada, responda presente! Ele sorriu e respondeu – Presente professora. Os colegas mais próximos riram do Eduardo porque ele perguntou o que a professora queria” (Obs. número 6 em 29/06/2007).

    Compreende-se que são pequenas atitudes que fazem uma grande diferença no andamento do processo de inclusão, por mais que seja necessário todo um suporte pedagógico adequado, de nada adianta se ele não for acompanhado por atitudes e posicionamentos que traduzam o desejo de realmente incluir o aluno com necessidades especiais.

Considerações finais

    Inicialmente o estudo propôs-se a investigar como os professores de educação física compreendem o fenômeno da inclusão em suas aulas e como manifestam a relação com alunos com necessidades especiais em suas práticas educativas. Considerando o conteúdo da formação de professores para trabalhar com a educação inclusiva, bem como a compreensão dos professores acerca das experiências que possuem com a inclusão de alunos com necessidades especiais nas aulas comuns podemos refletir:

    Quanto ao processo da relação professor/aluno com necessidades especiais nas aulas de educação física podemos considerar que:

  1. A criação de um vínculo afetivo entre professor e aluno com necessidades especiais favorece um ambiente com melhores possibilidades de exercitar a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. Aspecto que favorece a naturalização da presença do aluno com necessidades especiais no grupo.

  2. As relações do professor com o aluno com necessidades especiais são sempre especiais, assim é necessária a compreensão do adulto para que não haja descontentamento do grupo. O professor pode novamente tentar naturalizar a relação do aluno com o grupo e com o professor diminuindo as diferenças.

  3. O professor encontra-se em um ambiente paradoxal o que requisita sensibilidade para compreender o limite entre a inclusão e a exacerbação das diferenças no grupo. Pode tentar qual o equilíbrio entre proporcionar um ambiente inclusivo e proporcionar exposição do aluno com necessidades especiais ao grupo.

  4. A linguagem inclusiva, as posturas e as convicções do professor acerca da inclusão são indispensáveis para a promoção dos valores como a integração, solidariedade e o respeito durante a prática da educação física.

  5. A constante motivação e sensibilização do professor voltada à questão da inclusão parecem essenciais para evitar retrocessos e para alcançar objetivos relacionados ao desenvolvimento das relações inclusivas entre os alunos.

    Quanto à relação do grupo de alunos com o aluno com necessidades especiais podemos destacar que:

  1. As atitudes do grupo influenciam diretamente no processo de inclusão. Foi possível observar que diante de ações positivas do grupo, o aluno com necessidades especiais sente-se incluído no grupo e retribui com ações positivas. Porém nas situações permeadas pelo preconceito o aluno demonstra agir da mesma forma, excluindo o grupo de suas brincadeiras e contribuindo para a sua própria exclusão.

  2. Mesmo com toda a realidade do grupo voltada para o bem – estar da menina com necessidades especiais o grupo em si, não perde sua identidade, pois em alguns momentos durante as práticas de Educação Física a atenção da turma não exclusivamente para a menina.

  3. O processo de inclusão encontra obstáculo na falta de sensibilidade do grupo perante as dificuldades do colega com necessidades especiais, bem como na falta de respaldo do professor para auxiliar na postura educativa diante da realidade de inclusão.

  4. As atitudes de respeito, auxílio e curiosidade por parte do grupo mostram-se como um dos fatores fundamentais para o bom desenvolvimento do processo de inclusão.

    A partir da descrição das considerações finais do artigo é possível compreender que ainda há um processo educativo a ser conquistado e naturalizado na inclusão. Não restam dúvidas que para haver o processo de inclusão a postura dos professores são decisivas, fator que concorre para a contínua formação nessa área, desde a formação inicial até a formação continuada.

Referências

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