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Cultura corporal e Educação Física: elementos 

para uma re-significação da prática docente

 

*Graduação em Educação Física pela Faculdade do Clube Náutico Mogiano

Graduação em Pedagogia pela Faculdade Integradas de Osasco

Mestrado e Doutorado em Educação Física pela

Universidade Estadual de Campinas

Atualmente é professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul

e da Universidade Cruzeiro do Sul.

**Graduação em Educação Física pela Universidade Cruzeiro do Sul

Atualmente é professora do Colégio Cruzeiro do Sul, atuando na

Educação Infantil e nos Ensinos Fundamental e Médio.

Tem se dedicado, também, aos estudos relacionados à cultura

e a educação física escolar.

Rildevania Alves Monteiro

alves38@hotmail.com

Adalberto dos Santos Souza

neysouza11@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este texto tem como finalidade discutir como os aspectos culturais influenciam a prática da Educação Física. Para fundamentar essa afirmação trazemos ao longo do texto o conceito de cultura que pauta essa discussão e, posteriormente, alguns pesquisadores da área que apontam para essa importância. Finalizamos mostrando como as aulas de Educação Física devem superar a visão de que o ensino das modalidades e técnicas esportivas deve pautar-se nos modelos do esporte de alto rendimento, apontando, assim, para uma visão que considere o contexto no qual estão inseridos os alunos.

          Unitermos: Cultura. Educação Física. Prática pedagógica.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008

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Introdução

    O objetivo desse trabalho é discutir a influência dos aspectos culturais sobre a prática da Educação Física. Para tanto, utilizaremos como base teórica as idéias do antropólogo americano Clifford Geertz sobre o conceito de cultura.

    Segundo Geertz (1989), é por meio desse mecanismo chamado cultura que o homem adquiriu a capacidade de ser o construtor de sua própria história, desde a utilização de ferramentas, passando pelo convívio social, pela linguagem chegando a outras formas mais complexas de significar o fazer humano. O autor demonstra com isto, como o convívio entre povos foi tecendo uma teia de significados que foram ganhando densidade ao longo da história da humanidade, significados estes que, por sua vez, estão em constante processo de re-significação.

    O conceito de cultura proposto por Geertz (1989, p.15) tem forte influência das idéias de Max Weber. Uma vez que para este “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Geertz (1989) ao balizar-se neste conceito, afirma que para entender o que é cultura, e como ela influencia as ações de um determinado grupo, é preciso identificar e perceber como as pessoas são, como se relacionam, como agem e interagem, é, portanto, ir além do visível, é mergulhar, de fato, no significado das ações desenvolvidas pelos indivíduos em suas sociedades.

    Percebe-se a partir dessa visão, que mais do que uma decorrência biológica, a questão cultural é essencial para o desenvolvimento humano, pois os aspectos culturais ultrapassam fronteiras e necessitam ser decifrados como teias de significados que obtêm sentidos próprios. Ainda nessa linha de raciocínio, devemos lembrar que o ser humano não é visto, na perspectiva de Geertz, de forma “estratigráfica”, na qual as relações entre os fatores biológico, psicológico social e cultural da vida humana estariam compostos de níveis superpostos aos inferiores e reforçando os que estão acima dele. Pelo contrário, o autor propõe uma visão sintética, na qual todas as relações entre os itens apontados acima estão em constante sintonia, não sendo possível analisar um sem a influência do outro.

    É essa compreensão da necessidade de uma construção própria para as ações humanas e a relação delas com a vida cotidiana das pessoas que pauta as reflexões contidas neste texto em relação à Educação Física. O entendimento dado a ele é o de que as aulas de Educação Física são realizadas em situações específicas com significados próprios a cada grupo que dela tem acesso. Neste sentido, a noção de construção cultural é fundamental para a compreensão de como devem ser desenvolvidas as aulas, o que reforça a importância de se discutir qual a influência que os aspectos culturais têm sobre elas.

Cultura corporal e Educação Física

    O significado atribuído à cultura por Geertz (1989) é o ponto de partida para as discussões que circulam nesse texto, é ele que dá subsídios para as discussões sobre as formas de manifestações culturais que estão relacionadas ao “corpo”. Formas que são absorvidas ativamente, recebendo um sentido, um significado no próprio processo de recepção e, portanto, vão adotando significados diferentes em sociedades distintas.

    Obviamente que a priori, estas formas e significados não se tornam inteligíveis a todos os atores que fazem parte desse contexto. Decifrá-las, portanto, é uma das tarefas a ser cumprida pelos professores, uma vez que o comportamento das pessoas também é “condicionado”, em grande parte, pelas regras sociais estabelecidas culturalmente. Regras estas construídas com base num significado simbólico que toma forma aos poucos.

    De acordo com essa idéia, pode-se afirmar que o processo cultural delimita, em grande parte, como as pessoas escolherão suas formas de manifestarem-se nas mais diversas situações, inclusive, em relação às questões ligadas ao seu corpo.

    Rodrigues (1986) afirma ser inegável a existência de conjuntos de motivações orgânicas, que conduzem os seres humanos a determinados tipos de comportamento. Mas o autor alerta que, a cada uma dessas motivações biológicas, a cultura atribui uma significação especial, em função da qual assumirá determinadas atitudes e desprezarão outras.

    Percebe-se, como conseqüência disso, que não há comportamento que não passe pela influência cultural e é sobre a égide dessa influência que os corpos também são formados. O ser humano modifica constantemente seu corpo, sem se dar conta da importância e da ligação entre essa necessidade e o resto de suas relações sociais.

    Na obra de Daolio (1995, p.39) percebe-se um entendimento parecido a esse quando o autor afirma que o homem, por meio do seu corpo, pode assimilar e se apropriar “[...] dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração [...]”. Essa incorporação nada mais é do que o processo pelo qual os seres humanos passam a internalizar em seus corpos os valores sociais que estão contidos na sociedade.

    Obviamente que se o corpo passa a ser compreendido no que diz respeito ao seu “desenvolvimento”, numa perspectiva cultural, poderemos inferir como Daolio (1998), que a cultura deve ser entendida como um dos principais conceitos para a Educação Física. Entretanto, o autor acrescenta que quando se assume essa postura, ou seja, de que a Educação Física deve ter uma atuação eminentemente cultural, “[...] há que se considerar, primeiro, a história, a origem e o local daquele grupo específico e, depois, suas representações sociais, emolduradas pelas suas necessidades, seus valores e seus interesses” (DAOLIO, 2001, p.35).

    Nota-se pelas discussões realizadas até o momento, que o corpo não foge as influências culturais, que ele é o meio de expressão fundamental do ser humano, sendo assim, não há possibilidade de existência de uma dimensão física isolada da sua totalidade.

    Outro autor importante para essa discussão sobre a influência da cultura no modo como agimos, e, principalmente, como agimos em relação ao nosso corpo, é o antropólogo Frances Marcel Mauss. No texto escrito no início do século XX, no qual o autor aborda o que chama de técnicas corporais, ele acaba por considerar a ação humana como sendo também um ato social, que ocorre dentro de uma configuração dada pelo meio em que o homem vive. Sendo assim, a técnica que utilizamos para determinadas ações não é influenciada exclusivamente pelo desenvolvimento biológico, como se pensou durante muito tempo, existe nela toda uma gama de determinantes culturais, o que nos leva a afirmar que ela é eminentemente simbólica. Ao falar de cada uma das técnicas o autor procura indicar as influências culturais que elas sofrem, e como elas podem ser transformadas.

    Com essa afirmação inferimos que, se por um lado o desenvolvimento humano pode ser semelhante em alguns aspectos, por outro, a maneira com que ele se desenvolve provavelmente será diferente em virtude de vários fatores determinantes, entre eles, os condicionantes socioculturais.

    Outros autores ao se debruçarem sobre essa questão propõem uma mudança na forma de olhar dos que atuam com a Educação Física. Temos como exemplo o Coletivo de Autores (1992, p.39). Segundo eles o professor precisa fazer com que aluno entenda que

    o homem não nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, ou desafios, ou necessidades humanas.

    Essa percepção dos autores reforça a necessidade de se compreender que o ser humano é mais do que um ser determinado biologicamente, uma vez que, ele é fruto da cultura em que vive.

    A contribuição das discussões sobre as questões culturais são fundamentais para a Educação Física, e isso está justamente na possibilidade de propiciar uma mudança no seu olhar sobre o corpo para, conseqüentemente, não observá-lo mais como um amontoado de ossos, músculos, articulações, nervos e células.

    A visão de um corpo essencialmente biológico afasta a área de uma compreensão ampla do ser humano, da compreensão de que são os significados atribuídos pela sociedade que definem o que é corpo e como ele age nas mais diferentes situações. Tal visão é explicitada por Mauss (1974) quando o autor afirma que cada pessoa irá servir-se de seus corpos por intermédio de técnicas adquiridas ao longo de sua existência e transmitidas pela sociedade em que estão inseridas.

    Observar o trabalho realizado pela área com essa lente nos permite afirmar que é necessário garantir aos alunos o ensino dos jogos, das lutas, da dança, da ginástica e outras manifestações culturais do movimento humano de uma forma contextualizada, possibilitando a eles, a aquisição de um olhar crítico sobre as informações que lhes são transmitidas. Sendo assim, a compreensão do que fazemos com o nosso corpo poderá ser re-significada e, percebida dentro de um contexto que pode ser lido como a cultura o pode.

    Ao longo do texto afirmamos que a Educação Física deve ter uma atuação eminentemente cultural e que para isso ocorrer ela necessita penetrar no universo das representações sociais. Com isso, estamos reconhecendo que a Educação Física é uma representação do social, “porque é o produto de uma prática simbólica que se transforma em outras representações” (SOUZA, 2008, p.100).

    Nessa linha de raciocínio podemos vislumbrar as aulas de Educação Física dentro de um contexto, que carrega consigo as questões de uma data época e de uma determinada sociedade, fazendo com que a atuação dos professores esteja umedecida dessas questões. Portanto, falar das aulas é falar das pessoas que estão envolvidas nesse cotidiano, professores, alunos etc. Além disso, a forma como os alunos vêem o seu corpo e a relação deste com as práticas corporais, passa por questões que transcendem a quadra, questões, sobretudo, de ordem cultural.

Apontamentos finais

    Após essa breve discussão, da influência dos aspectos culturais sobre o que fazemos e como enxergarmos o nosso corpo e a relação disso com as aulas de Educação Física, é um equívoco continuar a imaginar o ser humano dividido em biológico, social, cultural, psicológico. Todos esses fatores formam o que Mauss (1974) chama de “homem total”, pois, para ele, o homem é ao mesmo biológico, social, cultural e psicológico.

    Geertz (1979) apresenta visão parecida a de Mauss ao falar de uma “concepção sintética de ser humano”. Segundo ele, existe uma interação indivisível entre os aspectos citados acima, fatores esses que ao mesmo tempo em que influenciam, possibilitam a influência por parte da sociedade onde vivemos, produzindo, desse modo, uma constante modificação do que chamamos de cultura. Isso ocorre muitas vezes sem que tenhamos consciência.

    Neste contexto, percebe-se que, mais do que uma conseqüência biológica, a cultura é fundamental para a “evolução” do ser humano, pois toda ação humana é considerada um ato social que obtém significados diferentes dependendo da sociedade em que ocorre.

    As aulas de Educação Física devem superar o ensino, apenas, das modalidades e técnicas esportivas e, principalmente, o ensinar por ensinar. Os professores devem estar atentos aos interesses dos alunos, reconhecendo e respeitando o aporte cultural de cada um, garantindo com isso, o ensino contextualizado das manifestações relativas a cultura de movimento, possibilitando dessa forma, com que os alunos adquiram um senso crítico em relação a como são transmitidas tais atividades.

Referências bibliográficas

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.

  • _________. Educação física e cultura. Revista Corpoconsciência. Faculdade de Educação Física de Santo André. Santo André: n.01, 1998, p. 11-18.

  • _________. A antropologia social e a educação física: possibilidades de encontro. In: CARVALHO, Y. M. de; RÚBIO K. (Orgs.) Educação física e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 27-38.

  • GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.

  • MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU, 1974.

  • RODRIGUES, J. C. O tabu do corpo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Dois Pontos,1986.

  • SOUZA, A. dos S. Educação Física no Ensino Médio: representações dos alunos. 2008. Tese (Doutorado em Educação Física). Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas 2008.

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