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As gratificações e frustrações da docência em Educação Física escolar para os acadêmicos do CEFD/UFSM em situação de estágio

 

*Licenciado em Educação Física (UNICRUZ)

Especializando em Ciência do Movimento Humano (UNICRUZ)

Especializando em Educação Física Escolar (CEFD/UFSM)

Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

**Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM)

Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM)

Professor Adjunto do Departamento de Metodologia do Ensino (CE/UFSM)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM)

Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física (GEPEF/UFSM)

Rodrigo de Rosso Krug*

rodkrug@bol.com.br

Hugo Norberto Krug**

hnkrug@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Objetivamos analisar os motivos dos sentimentos de gratificação e de frustração dos acadêmicos de Educação Física em situação de estágio do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A metodologia caracterizou-se pelo enfoque fenomenológico sob a forma de estudo de caso com abordagem qualitativa. Os participantes foram vinte e seis (26) acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física (Currículo de 1990) do CEFD da UFSM matriculados na disciplina MEN-433 Prática de Ensino em Educação Física. O instrumento utilizado para a coleta de informações foi uma entrevista semi-estruturada. A interpretação das informações foi à análise fenomenológica. Após o desvelamento das essências são visíveis os sentimentos de gratificações e frustrações dos acadêmicos com a docência na escola e esta temática pede espaço na comunidade acadêmica para ser discutida. Entretanto, duas situações chamam à atenção: a) As essências dos sentimentos de gratificações, bem como de frustrações são em sua maioria ligadas aos alunos; e, b) A quantidade de essências dos sentimentos de frustrações é superior à quantidade de essências dos sentimentos de gratificações.

          Unitermos: Educação Física. Formação de professores. Formação inicial. Prática de ensino. Gratificações. Frustrações.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 125 - Octubre de 2008

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O ponto de partida da investigação

    Atualmente a questão da formação de professores ocupa uma posição de destaque em discussões acadêmicas, profissionais e políticas na busca de uma melhoria da qualidade do ensino na escola.

    Segundo Gatti (2000) as pesquisas mostram que o que temos, em nossa realidade, de fato, é uma descaracterização crescente dos cursos de formação de professores. As Licenciaturas em geral ocupam lugar de “curso menor” nas universidades. As pesquisas também mostram um baixo nível de satisfação dos licenciandos e licenciados com a formação recebida.

    Esta autora ainda acrescenta que podemos inferir que o clima de exercício profissional dos professores não parece ser dos mais alentadores, pois, embora muitos encontrem gratificações no trabalho em aula e nas relações afetivas com os alunos, estas nem sempre representam uma condição suficiente para a manutenção de motivação e investimento em qualidade e para a superação das dificuldades que se apresentam aos docentes.

    Já Schmidt (2000) destaca que as frustrações ocupacionais são causas importantes no declínio da motivação, ocasionando conseqüências negativas para o desempenho da função do profissional.

    Sobre as gratificações e as frustrações da docência na escola, Gatti (2000, p.62-63), diz que as pesquisas:

    “trazem à tona elementos importantes para se discutir qualidade no ensino, elementos estes que, em geral, são desconsiderados pelas políticas educacionais. Qualidade passa necessariamente – e sobretudo – pelas pessoas enquanto seres interacionais, mais do que por aspectos técnicos abstratos. Estes só tomam vida com e pelas pessoas. Daí a importância de se considerar, nas políticas educacionais, a condição pessoal dos professores”.

    Assim, partindo destas colocações, deslocamos o nosso interesse do professorado em geral, para os professores de Educação Física, no intuito de estudar mais particularmente os futuros professores de Educação Física que estão em situação de Estágio Curricular. Gatti (2000) coloca que quanto à qualidade da formação de professores, os estágios apresentam-se como pontos críticos, pois sua programação e seu controle são precários.

    Portanto, a partir dessas premissas discriminadas originou-se a seguinte questão problemática, norteadora desta investigação: Quais são os motivos dos sentimentos de gratificação e de frustração dos acadêmicos de Educação Física em situação de Estágio Curricular do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)?

    Desta forma, esta investigação teve como objetivo geral analisar os motivos dos sentimentos de gratificação e de frustração dos acadêmicos de Educação Física em situação de Estágio Curricular do CEFD/UFSM.

    Justificou-se esta investigação acreditando-se que a mesma pudesse oferecer subsídios para modificações no contexto da formação de professores de Educação Física, particularmente na compreensão do fenômeno do Estágio Curricular, auxiliando conseqüentemente na qualidade da formação inicial.

A fenomenologia como caminho da investigação

    A investigação caracterizou-se pelo enfoque fenomenológico sob a forma de estudo de caso com abordagem qualitativa.

    Os participantes foram vinte e seis (26) acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física (Currículo de 1990) do CEFD/UFSM matriculados na disciplina MEN-433 Prática de Ensino em Educação Física (Estágio Curricular Supervisionado). A escolha dos participantes se deu de forma espontânea onde a disponibilidade dos acadêmicos foi o fator determinante. Os acadêmicos estudados foram identificados "por números" para preservar a identidade dos mesmos.

    O instrumento utilizado para a coleta de informações foi uma entrevista semi-estruturada que foi gravada e transcrita.

    A interpretação das informações foi à análise fenomenológica proposta por Giorgi (1986) que prevê quatro procedimentos metodológicos. São eles: 

  1. O sentido do todo - equivale à etapa da "descrição do fenômeno". A descrição é um modo de acesso à situação conforme vivida pelo sujeito e o pesquisador está presente na situação, através do meio oferecido pela linguagem. Esta linguagem pode ser de forma oral, através de entrevistas, gravadas e depois, transcritas em forma escrita, através de documentos; 

  2. As unidades de significado - a partir do sentido do todo, obtido pela descrição do fenômeno, processa-se a "redução fenomenológica". Esta é também tomada como instrumento metodológico que fornece à pessoa a possibilidade de descrever a experiência sem os pressupostos metafísicos do senso comum, na atitude natural. Capta-se o sentido do todo e, então, volta-se ao início para discriminar as unidades de significado, conforme uma determinada perspectiva e com o foco no fenômeno que está sendo investigado; 

  3. Transformações das unidades de significado - para a fenomenologia toda realidade é tida como significativa, pois só o que tem sentido é real. O mundo é aquilo que percebemos. Ao atingirmos a essência do fenômeno ele se mostra em toda a sua significação. Retomamos todas as unidades, reescrevendo-as em função do fenômeno que está sendo investigado, ou seja, fazendo uma transformação das unidades de significado em linguagem educacional; e, 

  4. Síntese das estruturas de significado - partindo-se da valorização da verdade como critério fenomenológico que está presente na essência do fenômeno, elabora-se uma descrição harmoniosa e consistente que equivale à própria estrutura da experiência vivida pela pessoa. Transformar as unidades de significado em unidades estruturais de modo mais geral do que as do sujeito, de tal modo que respeitando sua experiência, possa transmitir o fenômeno como objeto de análise. Realiza-se, então a síntese de todas as unidades transformadas em uma perspectiva consistente.

    Também consideramos aqui, como um quinto procedimento, o que Comiotto (apud ODORIZZI, 1996) propõe, que é que a partir do sentido unitário e básico do fenômeno surjam dimensões fenomenológicas, nas quais as essências se mostram.

Os achados da investigação: a interpretação dos significados

    Dos relatos apresentados nas entrevistas, após o emprego do método fenomenológico, emergiram as essências do sentimento de gratificação e de frustração dos acadêmicos de Educação Física do CEFD/UFSM com a docência na escola. Elas são as seguintes:

As essências do sentimento de gratificação dos acadêmicos de Educação Física do CEFD/UFSM com a docência na escola

Primeira essência: os alunos

    A principal essência identificada nos depoimentos dos acadêmicos de Educação Física do sentimento de gratificação com a docência na escola foi “os alunos”. Esta essência teve vinte e três (23) ocorrências (Acadêmicos 1; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 10; 11; 12; 13; 14; 15; 16; 17; 18; 19; 21; 22; 23; 24; 25 e 26). Alguns depoimentos foram: “O contato (...) com os alunos é o mais gratificante, tu receber um obrigada e um abraço sincero" (Acadêmico 5); "O mais gratificante é o modo como as crianças vêem os professores. Como eles se apegam fácil e demonstram o carinho e respeito por nós" (Acadêmico 17). O conteúdo desta essência corresponde com o que salientam Silva; Krug (2004) de que a principal manifestação do sentimento de gratificação dos professores de Educação Física com a docência é a boa afetividade com os alunos. Inferimos que o mesmo deve acontecer com os acadêmicos em situação de estágio.

Segunda essência: o bom andamento da aula

    Uma outra essência identificada nos depoimentos dos acadêmicos de Educação Física foi de que “o bom andamento da aula” lhes proporcionava um sentimento de gratificação com a docência na escola. Esta essência teve somente duas (2) ocorrências e as falas foram às seguintes: "(...) os momentos em que a aula fluía com naturalidade" (Acadêmico 2); "(...) quando a aula sai como planejado" (Acadêmico 9). Para corroborar com esta essência nos reportamos a Siedentop (1983) que diz que o ensino deve ser concebido com direção ao processo de aprendizagem e para isso o ensino deve encontrar maneiras de ajudar os alunos a aprenderem a se desenvolverem através de experiências que os levem a crescer em destreza, entendimento e atitudes.

Terceira essência: o aprendizado profissional adquirido

    A fala a seguir: "O aprendizado profissional adquirido" (Acadêmico 20) mostra outra essência do sentimento de gratificação dos acadêmicos de Educação Física com a docência na escola que foi “o aprendizado profissional adquirido” pelo mesmo. O conteúdo desta essência corresponde ao que salienta Pereira (1996) de que o Estágio Curricular Supervisionado/Prática de Ensino é essencial à formação do futuro professor, pois lhe proporciona um momento específico de aprendizagem sobre a sua função profissional.

As essências do sentimento de frustração dos acadêmicos de Educação Física do CEFD/UFSM com a docência na escola

Primeira essência: os alunos

    Facilmente podemos desvelar nas falas dos acadêmicos de Educação Física que “os alunos” foi a principal essência do sentimento de frustração destes com a docência na escola. Esta essência teve quinze (15) ocorrências (Acadêmicos 2; 5; 6; 7; 8; 9; 11; 15; 17; 19; 20; 21; 23; 24 e 26). Alguns depoimentos foram os seguintes: "A falta de valores nos alunos, principalmente respeito e interesse" (Acadêmico 2); "A falta de interesse dos alunos” (Acadêmico 6); “Os alunos são muito indisciplinados, desinteressados mostrando algumas vezes falta de educação” (Acadêmico 11); "Além da desmotivação por parte de alguns alunos, a falta de atenção deles" (Acadêmico 26). Nitidamente o conteúdo desta essência mostrou-nos que os alunos indisciplinados são o principal motivo de frustração dos acadêmicos. De acordo com Aquino (1996) há muito tempo os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Também, está claro que, a maioria dos educadores não sabe como interpretar e administrar o ato indisciplinado. Desta forma, segundo Silva; Krug (2002), não apenas os professores experimentados, mas, também, os futuros professores em situação de Estágio Curricular, tornaram-se reféns do emaranhado de situações que a indisciplina escolar comporta, ocasionando assim, dificuldades na prática pedagógica dos mesmos. Então inferimos que pela problemática da indisciplina dos alunos o professor ou o futuro professor tem um insucesso pedagógico e com isso surge a frustração.

Segunda essência: a falta de preparação profissional

    Outra essência do sentimento de frustração dos acadêmicos de Educação Física com a docência na escola foi “a falta de preparação profissional” manifestada pelos mesmos. Esta essência teve quatro (4) ocorrências (Acadêmicos 12; 13; 18 e 22). Algumas falas foram: “Ter consciência de que sabemos muito pouco sobre a Educação Física Escolar, quais atitudes devemos tomar nas horas que acontecem os problemas, ou seja, pouca e defasada gestão de classe” (Acadêmico 22); “Foi eu achar que não tinha capacidade para dar aula” (Acadêmico 18). A respeito do conteúdo desta essência citamos Carmo (1998) que diz que o problema da preparação profissional em Educação Física tem sua gênese na pouca qualidade dos cursos de Licenciatura. Já Molina Neto (1997) coloca que a formação inicial é deficiente, caracterizada por disciplinas de enfoque acadêmico-enciclopédico e na perspectiva técnica de formação. Além disso, Krug (1996) também salienta que a formação do professor de Educação Física se encontra desarticulada da realidade social concreta, privilegiando a formação esportiva.

Terceira essência: as atividades erradas

    Uma outra essência identificada nos depoimentos dos acadêmicos de Educação Física foi de que “as atividades erradas” lhes proporcionavam um sentimento de frustração com a docência na escola. Alguns acadêmicos disseram o seguinte: “Nem sempre as atividades saíam como o previsto” (Acadêmico 1); “Não conseguir passar alguma atividade da melhor maneira possível” (Acadêmico 16). Quanto ao conteúdo desta essência reportamos-nos a Noal (2003) que destaca que a maior preocupação do professor (no caso deste estudo do futuro professor) é com relação ao processo ensino-aprendizagem. Assim, é lógico compreender que quando o professor ou o futuro professor não consegue, por algum motivo, atingir o sucesso pedagógico há o surgimento da sensação de fracasso que leva ao sentimento de frustração para com a profissão. Segundo Kolasa (apud MATTOS, 1994) o fato do individuo não atingir uma meta é frustrante, e um dos modos de lidar com isso é abandonar as circunstâncias que cercam esse sofrimento.

Quarta essência: não houve

    Outra essência facilmente identificada nos depoimentos dos acadêmicos foi de que “não houve” frustração com a docência na escola. Esta essência teve três (3) ocorrências (Acadêmicos 3; 10 e 25). As falas dos acadêmicos foram: “Frustrante talvez não seria a melhor palavra, mas eu gostaria de que tivesse conseguido 100% dos objetivos cumpridos” (Acadêmico 3); “Nada” (Acadêmico 10); e, “Nada, não encontrei muitos problemas, nada de grave” (Acadêmico 25). Para confirmar o conteúdo desta essência citamos Shigunov; Farias; Nascimento (2002) que dizem que há aqueles professores que não mencionam nenhum fato ou evento da prática pedagógica negativo que tivessem marcado sua docência. Assim, inferimos que o mesmo deve acontecer com os acadêmicos em situação de estágio.

Quinta essência: os problemas não resolvidos pela escola

    “Os problemas não resolvidos pela escola” foi mais uma essência do sentimento de frustração dos acadêmicos de Educação Física com a docência na escola que se desvelou na seguinte fala: “Perceber que apesar do esforço existem casos que a escola não consegue resolver” (Acadêmico 4). Sobre o conteúdo desta essência nos reportamos a Tani (1992) que coloca que o professor de Educação Física manifesta insegurança no enfrentamento de problemas que surgem no exercício de suas atividades profissionais e isto é devido aos poucos conhecimentos do mesmo. Já Witter (2002) diz que a escola é um microcosmo que reflete o mundo exterior e seus problemas, mas que, por seus objetivos e por sua especificidade, também gera problemas peculiares que, por vezes, se projetam para além de seus muros. Conceição et al. (2007) salientam que o professor, como um dos personagens da escola, dos processos que nela acontecem, “está sujeito a inúmeras questões que podem interferir na sua atuação profissional e, portanto, na construção de sua prática educativa” (p.15). Consideramos que esta situação pode ser transferida para os acadêmicos em situação de estágio.

O tema da investigação desvelado: quando entendemos as essências dos sentimentos de gratificação e frustração dos acadêmicos de Educação Física com a docência na escola

    Após o desvelamento de todos os depoimentos dos acadêmicos de Educação Física entrevistados, são visíveis os sentimentos de gratificações e frustrações dos mesmos e esta temática pede espaço na comunidade acadêmica para ser discutida.

    O que mais chama à atenção é que as essências dos sentimentos de gratificações, bem como de frustrações na docência em Educação Física Escolar para os acadêmicos de Educação Física em situação de Estágio Curricular, são em sua maioria (23 e 15 respectivamente) ligadas aos alunos o que nos leva ao entendimento do que aponta Cunha (1996) de que a aula é um lugar de interação entre pessoas e, portanto, um momento único de troca de influências. Assim, pressupomos que em conseqüência do tipo de relação estabelecida entre o professor e seus alunos estas influências podem originar sentimentos de gratificações ou de frustrações entre os mesmos. É lógico que boas relações originam sentimentos de gratificações enquanto que más relações originam sentimentos de frustrações. Aí, centralizamos a análise em uma questão importante: afinal, a aula é um espaço formativo de boas ou más relações inter-pessoais? Para acontecer o aprendizado não é necessário um clima positivo entre o professor e seus alunos? A literatura especializada em Educação diz que “sim”, pois, entre muitos autores, encontramos Pinto (1998) que diz que o bom relacionamento entre professor e alunos é a condição de toda a aprendizagem significativa. Então, o que está acontecendo com os professores ou como no caso desta investigação com os futuros professores? Talvez o que determine este fato, e é o que nos leva a como entender o mesmo, seja que ele pode ser explicado pelos condicionantes sociais que atuam sobre a prática pedagógica do professor ou do futuro professor, bem como sobre a escola, pois os mesmos podem ser externos ou internos à aula ou mesmo à escola. Os condicionantes sociais estão ligados às políticas ideológicas, sociais, educacionais, econômicas, culturais, entre outras.

    Outro fato que também chama à atenção é que numericamente a quantidade de essências dos sentimentos de frustrações (5) é superior à quantidade de essências dos sentimentos de gratificações (3). Surge aí outra questão importante para ser analisada: será que vale a pena ser professor de Educação Física Escolar? Estes sentimentos de frustrações com a docência na escola não podem levar o professor ou o futuro professor a abandonar a carreira? Mattos (1994) diz que a docência é uma das profissões que mais causa desgastes psicológicos, emocionais e físicos. Assim, este trabalho que poderia ser uma fonte de realização pessoal e profissional torna-se penoso, frustrante e todas as situações novas que poderiam servir como motivação, passam a ser uma ameaça temida e, portanto, evitadas. Já segundo França; Rodrigues (1999) o professor frustrado passa a depreciar o seu trabalho, sentindo-o como um peso. Eis aí outra questão extremamente delicada para ser analisada. Vários indicadores sinalizam para a criação e instalação de um quadro de mal-estar docente, não somente para os professores de Educação Física, mas também para os acadêmicos em situação de Estágio Curricular. Krug (2008) em seu estudo intitulado “Vale a pena ser professor... de Educação Física Escolar?” constatou este quadro de mal-estar docente chegando a sinalizar de que não vale a pena ser professor. Entretanto, também sinaliza para o enfrentamento deste quadro de mal-estar docente no intuito de revertê-lo para um bem-estar docente.

    A partir destes dois fatos analisados e visíveis nos resultados deste estudo, interpretamos que no rol das determinações das essências dos sentimentos de gratificações e frustrações dos acadêmicos em situação de estágio com a docência na escola emergem dois fatores importantes que devem ser desvelados pelos professores e ou futuros professores: 

  1. A influência dos condicionantes sociais. Segundo Cunha (1992), em uma visão simplista, a função do professor é ensinar e poderia reduzir este ato a uma perspectiva mecânica, descontextualizada, em situações hipoteticamente semelhantes. O ensino é sempre situado, com alunos reais em situações definidas. E, nesta definição interferem fatores internos da escola, assim como as questões sociais mais amplas que identificam uma cultura e um momento histórico-político. Isto quer dizer que não existe neutralidade pedagógica, pois o ensino é um ato socialmente localizado; e, 

  2. As relações inter-pessoais, as quais podem oscilar entre as boas e as más relações.

    Assim, finalizamos destacando que esta investigação não teve a pretensão de solucionar problemas docentes ou de futuros docentes, mas sim, contribuir para que os mesmos tomem consciência da realidade que os cercam e tentem compreendê-la mudando as estratégias de trabalho e enfrentando os desafios da profissão. E, que motivados construam e desenvolvam com entusiasmo os seus projetos, para que sintam orgulho de seu trabalho e encontrem a realização profissional. E neste sentido, nos apoiamos em Silva; Krug (2004) que dizem que o professor precisa se sentir, antes de mais nada, como uma pessoa que faz parte da sociedade, que pode ter alguma limitação, como qualquer pessoa e/ou profissional, mas que também possui potencial e capacidade para desenvolver atividades que propiciem prazer e satisfação para ter uma sensação de gratificação com aquilo que faz. Já Noal (2003) destaca que a sensação de gratificação do professor pode ser conseguida com a segurança e a confiança que este possui ao desempenhar a sua função entre outros aspectos que influenciam na saudável relação entre professor-aluno e conseqüentemente resultar em sucesso profissional.

Referências

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