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Educação Física e Psicomotricidade:
em busca de uma educação mais humanista

 

Especialista em Educação e Reeducação Psicomotora, pela UERJ.

Professor de Educação Física do Estado do Rio de Janeiro

e Município de Itaboraí, formado pela UFRRJ.

Jeimis Nogueira de Castro

jeimis@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo pretende investigar de maneira sucinta como se deu o aparecimento da Educação Física e da Psicomotricidade no Brasil, e a partir daí, relacionar a prática psicomotora com as aulas de educação física do ensino fundamental e médio, procurando utilizar o conceito das duas abordagens sem a presença de dualismos. Buscando, dessa forma, contribuir para que as aulas de educação física tenham uma visão mais humanista dentro do ambiente escolar.

          Unitermos: Educação Física. Psicomotricidade. Prática pedagógica.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 124 - Setiembre de 2008

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Um pouco sobre a história da Educação Física e da Psicomotricidade

    A Educação Física sofreu grande influência do renascimento, a corrente alemã representou um notável impulso pedagógico aos exercícios físicos, através dos ideais da educação helênica. Houve também influências do modelo higienista, onde, no desenvolvimento do conteúdo escolar, o médico e mais especificamente o médico higienista, tem um papel destacado. Esse conhecimento orientou a função da educação física na escola para o desenvolvimento da aptidão física dos alunos. (CASTRO et al, 2008)

    Segundo o Coletivo de Autores (1992), no Brasil, especificamente nas quatro primeiras décadas do século XX, foi marcante no sistema educacional a influência dos Métodos Ginásticos e da Instituição Militar. Ressalta-se que o auge da militarização da escola corresponde à execução do projeto de sociedade idealizado pela ditadura do Estado Novo.

    Na forma de associações livres, essas Escolas de Ginásticas difundem-se para outros países da Europa e da América e pressionam a inclusão da ginástica, considerada como educação física, no ensino formal de todos os países que já dispunham daquela forma de difusão do saber, ou seja, sistemas nacionais de ensino e escolas. (CASTRO et al, 2008)

    Nas décadas de setenta e oitenta surgem os primeiros movimentos de ruptura com o modelo vigente até aquele momento. O retorno dos primeiros profissionais titulados nos principais centros de pesquisa do mundo e a abertura de programas de mestrado na área contribuíram para esse movimento.

    É neste contexto histórico que a psicomotricidade começa a ganhar espaço nas aulas de educação física no Brasil, segundo Soares (1996), a abordagem psicomotora na educação física das escolas brasileiras foi o primeiro movimento mais articulado a partir da década de setenta. Neste movimento o interesse da educação é com o desenvolvimento da criança juntamente com o ato de aprender, através dos processos cognitivos, afetivos e psicomotores; ou seja, buscando a formação integral dos educandos, procurando romper o dualismo cartesiano corpo-mente, integrando assim o movimento na formação da personalidade humana.

    O francês Jean Le Boulch (1983), um dos precursores da utilização da educação psicomotora nas aulas de educação física afirma que a corrente educativa da psicomotricidade surgiu na França, em 1966, pela fragilidade da educação física, pelo fato dos professores de educação física não conseguirem desenvolver uma educação integral do corpo. Para ele, muitos desses professores centravam sua prática pedagógica nos fatores ligados à execução dos movimentos, tendo como principal objetivo de sua ação educativa chegar à perfeição desses movimentos, de forma mecânica.

    A educação psicomotora de Le Boulch justifica sua ação pedagógica colocando em evidência a prevenção das dificuldades pedagógicas, dando importância a uma educação do corpo que busque um desenvolvimento total da pessoa, tendo como principal papel na escola preparar seus educandos para a vida, utilizando métodos pedagógicos renovados, procurando ajudar a criança a se desenvolver da melhor maneira possível, contribuindo dessa forma para uma boa formação da vida social.

    Para atingir esse objetivo, a educação psicomotora procura trabalhar como foi descrito acima, na prevenção de problemas de dificuldades escolares de várias origens, como: afetividade; leitura e escrita; atenção; lateralidade e dominância lateral; matemática e funções cognitivas; socialização e trabalho em grupo.

    Após Le Boulch, temos a influência dos franceses André Lapierre e Bernard Aucouturier que defendem a psicomotricidade como uma prática corporal específica que permite o convite à autonomia criativa, onde tem como qualidades essenciais dessa abordagem pedagógica a disponibilidade, o respeito e a aceitação. Valorizando assim, a simbologia dos gestos, ou seja, o estudo e a interpretação dos símbolos contidos no gesto dos seres humanos. Esse simbolismo do gesto é valorizado em sua significação primitiva. Daí ser a maneira de se movimentar, de manifestar qualquer atitude e/ou ação muito importante para a compreensão dos sujeitos. (LAPIERRE & AUCOUTURIER, 1986)

A relação da Psicomotricidade com a Educação Física

    A sublime tarefa de educar pelo movimento humano se repete a cada momento fecundo, reconstruindo toda a história do corpo. Conquista a herança dessa possibilidade somente quem a todo dia a reconquista. Fernando Athayde (1998)

    A psicomotricidade e a educação física podem apresentar bastantes semelhanças, segundo Ferreira (2006) existem três formas de utilização destas abordagens.

    Há os que acreditam não ser possível diminuírem o impacto entre o conflito da psicomotricidade com a educação física, pois há uma ligação destas com o modo próprio de ver o mundo de cada abordagem, portanto o educador deve utilizar apenas uma delas. Na segunda postura, ocorre uma tolerância ao trabalho com os dois métodos, utilizando-se em uma abordagem psicomotora recursos da educação física ou o inverso. Uma terceira postura é a liberdade de utilização de conceitos, sem a presença de dualismos, articulando as duas abordagens.

    Optaremos pela terceira postura para dar orientação a este artigo, procurando contribuir para que as aulas de educação física dentro do ambiente escolar sejam praticadas em um ambiente harmonioso e não-invasivo, que respeita os educandos como pessoas que já possuem a sua cultura, e a partir daí, procuraremos desenvolver as potencialidades próprias deles, dando liberdade para se movimentarem da sua maneira de forma prazerosa e lúdica.

    O mesmo autor alerta que é preciso desmistificar a não aproximação entre a psicomotricidade e a educação física nos meios acadêmicos, sendo comum observar preconceitos quanto à utilização mútua das abordagens, encontrando defensores ferrenhos, mas também encontrando aqueles que experimentam as duas abordagens, como um método prevalecendo sobre o outro.

    Ele entende que a psicomotricidade e a educação física não são incompatíveis, elas podem ser integradas e que ao invés de serem inimigas podem ser instrumentos auxiliares, a junção de uma metodologia com a outra, não se faz impossível, pois ambas podem se auxiliar e se completar. Em seu artigo, Ferreira (op. cit) faz uma comparação entre a educação física e a psicomotricidade com o romance de Romeu e Julieta, falando que da mesma forma que as abordagens citadas, os dois não são incompatíveis somente por suas origens familiares (Seriam os Montecchios corporais? Seriam os Capuletos intelectuais?). O casal se completa em seu objetivo: o amor (as abordagens referidas também podem se completar em seu objetivo: promover a junção entre o movimento e o pensamento, ou seja, o pensar e agir). Por fim, ao invés de inimigos, Montecchios e Capuletos poderiam se juntar e conjuntamente teriam encontrado respostas para suas perguntas, assim como a psicomotricidade e a educação física.

    Já Fernando Athayde (1998), diz que a relação da psicomotricidade com a educação física se baseia em uma sinergia, palavra derivada do grego synergía, cooperação sýn, juntamente com érgon, trabalho. É definida como o efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de vários subsistemas na realização de uma tarefa complexa ou função.

    Fernando Athayde (op. cit) acredita que entre as duas áreas deve haver uma migração, porque as duas abordagens trabalham no contexto da cultura, da condição humana, ligados ao contexto histórico-cultural que é a forma com que o homem se expressa e atua para materializar o seu pensamento, sendo essa materialização um processo cultural.

    Portanto, a psicomotricidade juntamente com a educação física pode ser trabalhada nas aulas do ensino fundamental e médio de maneira sinestésica, sendo contrária a utilização funcionalista dessas duas abordagens, onde as aulas ocorrem para se chegar a um fim único com conceitos estanques.

    As aulas de ensino fundamental e médio que buscamos com este artigo não há distinção entre uma abordagem e outra. Buscamos a dialética da motricidade humana, onde entendemos a psicomotricidade como condição humana, que nada mais é do que a inteligência da ação e do movimento ou a ausência consciente do movimento. Essa inteligência tem origem na ação, que ocorre quando o educador ensina algum movimento aos seus aprendizes, e eles antes mesmo de realizarem este movimento planejam e pensam na ação que irão desenvolver. Este processo é ontológico e ocorre durante toda a vida das pessoas, é o que chamamos de cultura do movimento.

    Durante as aulas de educação física se pode trabalhar todos os conceitos da motricidade humana como uma conseqüência de um trabalho que tem como prioridade desenvolver o gosto pela atividade física de forma prazerosa, lúdica e autônoma, onde os educandos fazem o que mais lhes dão prazer, que é andar, saltar, correr, rastejar, rebater, equilibrar, esquivar-se, quicar, equilibrar, chutar, passar, receber, transportar.... Dentro do ensino dos grandes jogos e dos esportes também trabalhamos a psicomotricidade, porque os educandos ao realizarem essas atividades estarão pensando, agindo e sentindo.

    Baseado em Monteiro (2007), iremos expor alguns destes conceitos que são trabalhados dentro das aulas como conseqüência da mesma, e não como único fim.

  • Coordenação Motora Fina - Capacidade de controlar pequenos músculos para exercícios refinados. Exemplo: recorte, colagem, encaixe, escrita;

  • Coordenação Motora Global - Possibilidade de controle e organização da musculatura ampla para a realização de movimentos complexos. Exemplos: correr, saltar, andar, rastejar;

  • Estruturação Espacial - É a orientação e estruturação do mundo exterior relacionado com outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento. Sendo a consciência da relação do corpo com o meio;

  • Organização Temporal - É a capacidade de avaliar tempo dentro da ação, organizar-se a partir do próprio ritmo, situar o presente em relação a um antes e a um depois, é avaliar o movimento no tempo, distinguir o rápido do lento. E saber situar o momento do tempo em relação aos outros;

  • Estruturação Corporal - Relacionamento do indivíduo com o mundo exterior, conhecimento e controle do próprio corpo e de suas partes, adaptação do mesmo ao meio ambiente;

  • Imagem Corporal - A experiência do indivíduo em relação ao próprio corpo sujeito, impressão subjetiva.

  • Conhecimento Corporal - Conhecimento intelectual que se tem do próprio corpo.

  • Esquema Corporal - Tomada de consciência de cada segmento do corpo (interna e externa) o desenvolvimento do esquema corporal se dá a partir da experiência vivida pelo indivíduo com base na disponibilidade do conhecimento que tem sobre o próprio corpo e de sua relação com o mundo que o cerca;

  • Lateralidade - Representa a conscientização integrada e simbólica interiorizada dos dois lados do corpo, lado esquerdo e lado direito, o que pressupõe a linha média do corpo, que no decorrer estão relacionados com a orientação face aos objetos. Essa conscientização do corpo pressupõe a noção de direita e esquerda e, sendo que a lateralidade com mais força, precisão, preferência, velocidade e coordenação, melhor capacidade e dominância cerebral.

Considerações finais

    A educação física por muito tempo se preocupou em desenvolver na escola a aptidão física dos estudantes e até hoje ainda se vê esta ênfase nos exercícios físicos. Existem muitos professores que focam seus trabalhos mais na prática motora, na organização de campeonatos, no treinamento desportivo, na execução de movimentos; porém, um educador com uma visão mais humanista, poderá focar seu trabalho no prazer e no gosto da prática da atividade física.

    Pretendemos fazer com que nossos educandos tenham prazer em participar das aulas de educação física e ao mesmo tempo, queremos dar condições para que eles aprendam e saibam buscar o conhecimento, porque não adianta trazer o conhecimento pronto e acabado, se o educando não está preparado para recebê-lo. Através dessa prática pedagógica os estudantes poderão aprender a conviver em grupo, comunicando-se verbal e corporalmente uns com os outros, aprendendo também a respeitar as dificuldades e o tempo de aprendizado de cada pessoa, convivendo sempre em um ambiente onde as pessoas não são iguais, não se manifestam e nem se movimentam da mesma maneira, porque segundo Laplantine (1998), mesmo nas sociedades que são bem diferentes umas das outras, as pessoas acabam tendo algumas semelhanças também, uma delas é a capacidade das pessoas se diferenciarem umas das outras, de se expressarem de formas as mais variadas possíveis, e sem, com isso, perderem a condição de seres humanos.

    E dessa forma irão aprender a lidar com a diversidade cultural, através do princípio de alteridade, juntamente com a compreensão humana. Sobre esse assunto, Morin (2000), diz que educar para compreender um ao outro, não se deve ser ensinado como se ensina uma disciplina específica, ele diz que ensinar a compreensão humana é diferente. Para Morin, ensinar a compreensão humana é uma missão fundamental da nossa educação, porque através dela é que se ensina a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade.

    Pode-se também explorar a questão da comunicação não-verbal, através da cultura do corpo, porque segundo Daolio (1995), é através do nosso corpo que nós nos apropriamos e assimilamos os valores, normas e costumes sociais, por um processo de incorporação, onde acontece mais do que um aprendizado intelectual, a pessoa assimila um conteúdo cultural, que é instalado no seu corpo e no conjunto de suas expressões. Portanto, fica claro, que todo aprendizado cultural que nós realizamos, ocorre por intermédio do nosso corpo.

    E para que os aprendizes tenham condições de irem ao encontro dos conhecimentos de forma autônoma, podemos trabalhar essa questão com atividades onde ocorra liberdade para eles construírem suas próprias obras, baseado em Rogers (1972), acreditamos que um ensino de qualidade é aquele que facilita a mudança e a aprendizagem, onde o estudante que se educa é aquele que aprendeu a aprender, que conseguiu aprender como se adaptar e mudar, que conseguiu entender que nenhum conhecimento é seguro, que nenhum processo de busca de conhecimento oferece uma base segura. Por isso que Morin (op. cit, p. 86), diz que o processo de ensino-aprendizagem é: “a navegação em um oceano de incerteza, entre arquipélagos de certeza”.

    Por tudo isso, temos como objetivo final, contribuir para formação dos nossos educandos, como um todo, através dos domínios cognitivos, emocionais e psicomotores; tornando-os pessoas autônomas e desenvolvidas, corroborando com o que diz Lapierre & Aucouturier (op. cit) sobre uma pessoa desenvolvida, sendo aquela que pode ser acolhida e está aberta para acolher uma outra pessoa; é uma pessoa que sente prazer em dar e receber, em descobrir e conhecer; é uma pessoa feliz de viver, que afirma seus desejos sem medo, dúvidas, nem culpa. Nesse contexto, favorecer um desenvolvimento harmonioso do educando é, antes de tudo, dar-lhe a possibilidade de existir, de torná-lo uma pessoa única, e lhe oferecer, então, condições as mais favoráveis para comunicar-se, expressar-se, criar e pensar.

Referências bibliográficas

  • ATHAYDE, Fernando Miguel Palmeirim de Azevedo. Cultura física, mitologia grega e motricidade humana. In: José Ricardo Ramos. (Org.). Novas Perspectivas no Ensino de Educação Física Escolar. 01 ed. Rio de Janeiro: Belarmino de Matos, 1998.

  • Castro, Jeimis Nogueira de, Junior, Sérgio Henrique Almeida da Silva, Souza, Nádia Maria Pereira de. A influência das idéias pedagógicas nas abordagens da Educação Física. EFDeportes.com, Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd123/a-influencia-das-ideias-pedagogicas-nas-abordagens-da-educacao-fisica.htm

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. Cortez Editora,

  • DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995.

  • FERREIRA, Heraldo Simões. Psicomotricidade ou Educação Física? Romeu e Julieta ou Montecchio e Capuleto? EFDeportes.com, Revista Digital - Buenos Aires - Ano 11 - N° 101 Outubro de 2006. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd101/psicom.htm

  • LAPIERRE, André & AUCOUTURIER, Bernard. A Simbologia do Movimento: Psicomotricidade e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

  • LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo, Brasiliense, 1998.

  • LE BOULCH, Jean. A Educação Psicomotora: A psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

  • Monteiro, Vanessa Ascenção. A psicomotricidade nas aulas de Educação Física escolar: uma ferramenta de auxilio na aprendizagem. EFDeportes.com, Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 114 - Noviembre de 2007. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd114/a-psicomotricidade-nas-aulas-de-educacao-fisica-escolar.htm

  • MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasilia, DF: UNESCO, 2000.

  • ROGERS, Carl R. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros de Minas Gerais, 1972. São Paulo – SP. 1992.

  • SOARES, Carmem Lúcia. Educação Física Escolar: Conhecimento e Especificidade. In: Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, supl., p. 6 a 12, 1996.

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