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Mudanças no mundo do trabalho e reordenamento
do trabalho do professor de Educação Física

 

Doutor em Educação – UFMS – DED/CPTL

(Brasil)

Hajime Takeuchi Nozaki

hajimenozaki@uol.com.br

 

 

 

Resumo

          O objetivo é analisar as implicações do trabalho do professor de educação física, no contexto das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho. Para tal, dividiu-se o trabalho em duas partes: 1. Análise da articulação da educação física com o projeto dominante de formação humana; 2. Análise do reordenamento do trabalho do professor de educação física. Conclui-se que: 1. O reordenamento do trabalho do professor de educação física obedeceu a um duplo movimento: desvalorização no magistério e apologia aos campos não-escolares; 2. Os estudos apologéticos sobre o trabalho não consideram que os campos não-escolares são permeados pelo trabalho precário.

          Unitermos: Trabalho. Educação Física. Professores.

 

Abstract

          The objective is to analyze the implications of the work of the physical education teacher, in the context of the contemporary changes in the world of the work. For such, the work is organized in two parts: 1. Analysis of the joint of the physical education with the dominant project of human formation; 2. Analysis of the reordering of the work of the physical education teacher. One concludes that: 1. The reordering of the work of the professor of physical education obeyed a double movement: depreciation in the teaching and apology to the outside school fields; 2. The apological studies of work do not consider that the not-pertaining to school fields are full of precarious work.

          Keywords: Work. Physical Education. Teacher.

 

Resumen

          El objetivo es analizar las implicaciones del trabajo del profesor de la educación física, en el contexto de los cambios contemporáneos en el mundo del trabajo. Para esto, el trabajo se organiza en dos porciones: 1. Análisis de la articulacíon de la educación física con el proyecto dominante de la formación humana; 2. Análisis del reordenamiento del trabajo del profesor de la educación física. Se concluye que: 1. El reordernamiento del trabajo del profesor de la educación física obedeció a un movimiento doble: desvalorización del magisterio y apología a los campos no-escolares; 2. Los estudios apologéticos del trabajo no consideran que los campos no-escolares están sometidos al trabajo precario.

          Palabras clave: Trabajo. Educación Física. Profesores.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - Nº 123 - Agosto de 2008

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Introdução

    O problema central de onde parte a presente discussão são as modificações do trabalho decorrentes das estratégias do modo de produção capitalista face à sua crise estrutural e, particularmente, à crise enfrentada desde os anos 1970 até os dias atuais. A gerência desta crise demanda ajustes de superfície em vários planos – o econômico, o político, o social, o cultural – trazendo graves conseqüências, das quais destacamos a crise do trabalho abstrato, tendo como manifestações o desemprego estrutural e a precarização do trabalho. Somadas a estas manifestações, as alterações na base técnica no modo de organização do trabalho trazem demandas que têm penalizado a classe trabalhadora no atual cenário mundial. Ainda, o plano da formação humana recebe contornos de enquadramento do novo tipo de trabalhador demandado pelo capital; neste ponto, é possível identificar um quadro hegemônico de propostas educativas, na intenção da conformação técnica e ideológica do novo trabalhador às perspectivas da pedagogia das competências, baseadas nas noções de empregabilidade e empreendedorismo.

    Já no âmbito da educação física, existe uma lacuna teórica no que diz respeito às produções que tratam das conseqüências dessas mudanças no mundo do trabalho para o interior da área, seja no aspecto dos projetos educacionais hegemônicos que a marginalizam, seja no próprio aspecto do reordenamento do trabalho do professor de educação física. Neste último aspecto, historicamente o trabalho do professor se circunscrevia fundamentalmente ao campo escolar, porém, a partir da década de 80, viu-se crescer a possibilidade de ocupação de campos não-escolares – clubes, academias, condomínios, hospitais –, ainda que tais espaços estivessem caracterizados pela enorme contradição do trabalho precário. No que diz respeito às pesquisas elaboradas sobre o trabalho do professor de educação física, encontram-se vários estudos que circunscrevem suas análises ao mercado de trabalho, tratando a questão em seu epifenômeno, o que traz a necessidade de um aprofundamento dos nexos com a concretude das relações no mundo do trabalho.

    Assim, o objetivo deste trabalho é analisar as implicações do trabalho do professor de educação física no contexto das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho, as quais orientam um novo projeto de formação humana dominante.

    A discussão aqui apresentada é parte de uma pesquisa coletiva elaborada através de um Projeto Integrado intitulado: “O trabalho do professor de educação física: entre a desvalorização na escola e a precarização dos meios não-escolares”, desenvolvido pelo Grupo de Estudos do Trabalho, Educação Física e Materialismo Histórico (GETEMHI), da Universidade Federal de Juiz de Fora, desde o ano de 2004. O referido Projeto Integrado estrutura-se por meio da realização das várias pesquisas as quais compõem uma unidade a partir da temática do trabalho do professor de educação física. Neste sentido, identificam-se os estudos dos pesquisadores do grupo em três linhas centrais: a) Educação física e projeto educacional do capital: estudos acerca da identificação do projeto educacional dominante e suas mediações com a educação física; b) Escola e desvalorização da educação física: estudos acerca do fenômeno de desvalorização da educação física no contexto escolar e sua ressignificação valorativa a partir da fragmentação dos seus conteúdos e; c) Reordenamento do trabalho docente do professor de educação física: estudos acerca da caracterização do trabalho docente, tanto no campo escolar, quanto no campo não-escolar, tendo em vista as recentes mudanças no mundo do trabalho e do trabalho docente do professor de educação física.

    O presente trabalho é fruto da sistematização de parte dos dados inicialmente colhidos, considerando os estudos realizados pelos membros do grupo anteriormente à sua formação. Dividiremos a exposição em duas partes: 1. A análise da articulação da educação física com o projeto dominante de formação humana; 2. O reordenamento do trabalho do professor de educação física.

  1. Educação física e articulação como o projeto de formação humana dominante: integração ao projeto dominante de forma mediata

    O exame da educação física, sob o ponto de vista de sua articulação com o projeto de formação humana dominante, nos leva a conclusões no que diz respeito ao reordenamento do trabalho do professor. Se considerarmos que, historicamente, ela era ligada e assim valorizada, sob o ponto de vista dominante, a uma formação de um corpo disciplinado para obedecer subordinadamente, adestrado a repetições de exercícios, funcional ao fordismo, percebemos que esta caracterização não é mais central para a demanda de formação do trabalhador de novo tipo para o capital, já que este precisa de um conteúdo no campo cognitivo e interacional, a fim de trabalhar com a capacidade de abstração, raciocínio lógico, crítica, interatividade, decisão, trabalho em equipe, competitividade, comunicabilidade, criatividade, entre outros. Na proporção em que a educação física parece não atuar para a formação de competências, não se torna imediatamente central na escola, como historicamente se colocou. Assim, tem sido secundarizada, mas apenas sob o ponto de vista imediato, do projeto pedagógico dominante, que, por sua vez, tem privilegiado outras disciplinas escolares.

    Evidências dessa afirmação se confirmam a partir do processo de conformação e reformulação da Lei 9394/96 (LDB), com a dúbia obrigatoriedade da educação física e sua desobrigatoriedade no ensino noturno. Para além dos textos legais, é possível apontar o processo de descaso e marginalização que esta disciplina tem sofrido no interior da escola. Estudos elaborados a partir da prática pedagógica reforçam a constatação da secundarização da educação física. Leonardo José Jeber (1996) investigou os mecanismos do cotidiano escolar que produzem a inferiorização dessa disciplina, a partir de estudo em três escolas da rede municipal, de 5ª a 8ª série, de Belo Horizonte (MG). A pesquisa evidenciou os elementos didáticos, internos ao processo pedagógico, que concorrem à sua desvalorização. Alguns dos elementos mostram a permanência do modelo de formação humana voltada para o antigo padrão produtivo, o modelo taylorista/fordista, o que justifica a secundarização desta disciplina para o projeto de formação do trabalhador de novo tipo. Seriam eles elementos ligados à perspectiva pedagógica da década de 70, da aptidão física, com predominância do conteúdo esporte, em sua dimensão técnica, enfatizando-se a repetição mecânica, com estafetas, sem a continuidade ou progressão dos fundamentos ensinados durante as séries.

    Estudos que tiveram a mesma preocupação inicial de Jeber (ibid.) confirmam várias ocorrências encontradas por este autor. Maria Aparecida Bergo Andrade (2001), por exemplo, investigando o descaso e desmerecimento pedagógico daquela disciplina no seio escolar, analisou o caso de turmas da 3a à 8a séries de duas escolas municipais de Juiz de Fora (MG). Para a autora (ibid.), a desconsideração com a educação física é muito forte, posto que esta não é vista enquanto possuidora de conhecimento, mas tratada como uma disciplina folgadora, uma atividade compensatória do esforço realizado pelas demais disciplinas. Andrade (op. cit.) evidenciou a subordinação da educação física a outras disciplinas, quando encontrou depoimentos que ressaltavam a possibilidade de ela trabalhar conteúdos de outras áreas, tais quais a matemática, como forma de reforço escolar. De outro modo, foram citadas como disciplinas centrais, pelos entrevistados da pesquisa – alunos, professoras e diretoras –, justamente aquelas que vêm sendo consideradas importantes para a formação do trabalhador, a partir dos modelos das competências, como a matemática, a língua portuguesa, a língua estrangeira e a informática. Neste contexto, conclui a autora (ibid.) que os alunos colocam a educação física em segundo plano, tendo em vista a priorização de sua formação para a sobrevivência e manutenção através do trabalho.

    Essas evidências revelam, sob o ponto de vista imediato, o caráter de secundarização da educação física no projeto de formação humana dominante, formador do trabalhador de novo tipo. Não obstante, é possível afirmar que esta disciplina integra-se ao projeto dominante a partir de outras mediações. Ao analisarmos mais detidamente a dualidade estrutural na educação, nos deparamos com um ensino privilegiado e outro direcionado para as massas – nas quais, realmente, reside o esvaziamento pedagógico da educação física. Se detivermos o olhar à educação das camadas médias da classe trabalhadora, mas, sobretudo, à da classe burguesa, nas escolas privadas, presenciamos a educação física presente e valorizada, sendo oferecida como um artigo de luxo e atuando como um distintivo de classe na formação humana.

    Neste ponto, recorremos às inúmeras propagandas de escolas privadas que oferecem a educação física, ou os próprios conteúdos da cultura corporal – esporte, ginástica, dança, capoeira –, ou mesmo terceirizam sua prática, como forma de mostrar um plus da formação oferecida. Por exemplo, a revista Veja, em 2002, elaborou uma série intitulada As melhores escolas da cidade, reportando-se àquelas que mais investiam em infra-estrutura, salários de professores e atividades escolares que não são comumente oferecidas nas escolas. No tocante à educação física, os colégios dispunham de instalações como quadras poliesportivas, salas de dança, ginásios cobertos e piscinas, os quais se equiparavam a alguns clubes da cidade. A educação física para tais instituições ocupava lugar de destaque no currículo, com até três aulas semanais, possibilitando ao aluno o contato com até oito modalidades esportivas e recreativas. Ainda, outros estabelecimentos substituíam as aulas de educação física por projetos opcionais (Nunes, 2002).

    Por outro lado, a educação física aqui só é oferecida na forma pedagógica do paradigma da aptidão física, pois se trata de uma reprodução do modelo dominante das manifestações corporais nos campos não-escolares, seja na forma de esportes, da dança, da ginástica, para a busca de formação de hábitos saudáveis ou seleção de talentos. No caso do Colégio Magnum Agostiniano, também abordado na mesma série de reportagens, as escolinhas de esporte atendiam a 850 crianças de 4 a 14 anos de idade. Nos dizeres do diretor-geral: “Aqui o aluno tem condições de descobrir todas as suas potencialidades, tanto na sala de aula quanto fora dela, nas artes plásticas, nos esportes, no teatro e na música [...] Não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar talentos” (apud Almeida, 2002; p.3).

    Se no campo escolar o trabalho do professor de educação física apenas se valoriza na proporção em que a educação é tratada enquanto mercadoria, o discurso da promoção de hábitos saudáveis vem ligado ao otimismo quanto ao aumento do tempo livre na contemporaneidade e, este último, à própria possibilidade de ampliação do trabalho do professor de educação física fora da escola. O otimismo com relação ao surgimento de novas possibilidades de atuação do professor de educação física, por seu turno, esteve ligado a um próprio movimento de reordenamento do seu trabalho. O contexto de crise do capital, com o aumento do desemprego, desde a década de 80, conjugado ao descaso da área educacional do país, trouxe, a partir do discurso do empreendedorismo, uma orientação do trabalho do professor de educação física para os campos não-escolares (Faria Junior, 1987).

  1. O crescimento dos campos não-escolares: reordenamento do trabalho do professor de educação física e a problemática dos estudos centrados da noção do mercado de trabalho

    É possível afirmar que a preocupação com relação aos estudos voltados para o trabalho do professor de educação física não era o foco da década de 1980, mas, como já analisaram outros autores (BRACHT, 1995, CAPARROZ, 1997, DAÓLIO, 1998), os estudos críticos desta época centraram suas análises no próprio papel ou objetivo da educação física no contexto da sociedade capitalista, questionando seu caráter alienante, reprodutivista das relações hegemônicas, formadora de esteriótipos, reducionista, biologicista e de ausência de reflexões e justificativas de sua validade pedagógica, (CASTELLANI FILHO, 1983, FREITAS, 1988, SOARES, 1986, 1988).

    Apesar dos estudos críticos se dedicarem centralmente a estas questões, já é possível notar, sob o ponto de vista de estudos empírico-analíticos da década de 80, traços de investigação voltados ao fenômeno da desvalorização da educação física no seio escolar. Para estes casos, os parâmetros comumente utilizados para analisar tal fenômeno é a falta das condições materiais das aulas, no que diz respeito às instalações e a proporção entre material didático e os alunos, como faz o estudo de João Carlos J. Piccoli (1987). Para este autor, que analisa as escolas gaúchas, o projeto de implementação da educação física nas primeiras quatro séries do então primeiro grau de ensino demonstra uma inovação na educação, o que o faz concluir por uma necessidade de contratação de professores de educação física para cobrir estas séries de ensino.Neste ponto, pode-se perceber ainda os anseios da ocupação do campo escolar por parte do trabalhador da educação física.

    No estudo de Maria Tereza Silveira Böhme, Maria Augusta Peduti Dal’Molin Kiss e Wilton de Oliveira Bussab (1986), foram coletadas informações por meio de questionários em escolas estaduais, particulares e municipais, que ofereciam, à época, o ensino pré-escolar na cidade de São Paulo. Um primeiro dado levantado foi a existência da disciplina de educação física em 80,7% das pré-escolas, do total de 828 escolas existentes na cidade. Tal percentual pode evidenciar uma determinada valorização da disciplina, ainda no final dos anos 1980, porém, é necessário cruzar com os outros dados dos autores que revelam que das 828 escolas, 568 são particulares e a prática da educação física ocorria na maioria das escolas particulares e estaduais, o que não ocorria no caso das escolas municipais. Estes últimos dados demonstram que a valorização da disciplina já não era a mesma, proporcionalmente, se considerados as duas redes, pública e privada de ensino. Ainda, o estudo revela que a maioria das aulas de educação física era ministrada pelo professor de classe. O professor formado em educação física atingia 44% da amostra, o que equivale a 365 em números absolutos, onde, apenas 21 deles se encontravam nas redes públicas de ensino. Sob o ponto de vista do trabalho do professor na pré-escola, pode-se inferir que se tratava de um trabalho com determinadas características, não analisadas, se considerado que eram francamente oferecidos pelos setores privados da educação brasileira. Neste estudo, não se pode concluir muito sobre as diferenças das condições materiais das aulas entre as duas redes, por não haver discriminação entre as dependências disponíveis, limitando-se a apontar que a área total destinada à educação física e área por aluno durante as aulas são semelhantes.

    Por outro lado, no campo crítico da produção de conhecimento da educação física, destacamos o trabalho de Carmen Lúcia Soares (1986), que discorre sobre a condição da educação física no quadro geral da educação. Já é detectada, no texto, a secundarização ou negação desta disciplina como elemento constitutivo da educação. A autora aponta que tal processo se deve, entre outros fatores, à divisão do trabalho proveniente do sistema de classes, onde o trabalho manual é desvalorizado em detrimento do trabalho intelectual e, portanto, a desvalorização da educação física, tendo em vista sua ligação com a prática corporal. Compreendemos que, sob o ponto de vista da essência do capitalismo, a autora está coberta de razão. Não obstante, é necessária a observação da mediação histórica para a percebermos que esta desvalorização não é constante em todos os tempos, podendo a educação física vir a ser até valorizada, dependendo do projeto de formação humana dominante de determinada época, tais como no período do Estado Novo ou da ditadura militar brasileira. Portanto, apesar da desvalorização estrutural do trabalho manual, sob o ponto de vista da divisão do trabalho, é preciso considerar cada mediação dos projetos dominantes de cada época. Só assim que poderemos perceber a desvalorização da educação física, tendo em vista as recentes mudanças no mundo do trabalho.

    Assim, sob o ponto de vista do que ocorria na década de 1980, no cenário mundial, com o advento das políticas de desobrigação do Estado na gerência das conquistas sociais, bem como o início da flexibilização das relações de trabalho que trouxeram duras penas para a classe trabalhadora, que é possível perceber, no nosso entendimento, um reordenamento no trabalho do professor de educação física no Brasil. No cenário norte-americano e também brasileiro, proliferavam as academias de ginástica enquanto fenômeno caracterizador do empenho da iniciativa privada em gerir algo que deveria ser função do Estado, ou seja, a manutenção e promoção da saúde. Seja sob o pretexto da promoção da saúde, ou da busca de uma estética moldada à luz do mercado de consumo, houve uma aplicação, por parte do capital, num grande nicho do mercado do corpo que se abria, mercado este criado em função da simples desobrigação do Estado com a manutenção da qualidade de vida enquanto um bem comum da sociedade a ser preservado. Atentos a este movimento, tomaram o cenário da educação física brasileira os grupos privatistas que, seduzidos pela possibilidade da ocupação do assim denominado mercado das atividades físicas que se erigia, apologizavam tal campo, esquecendo-se das enormes contradições de precariedade que este último apresentava (Faria Junior, 2001).

    Os estudos dos anos de 1990 a respeito da temática do trabalho do professor de educação física aumentaram, porém, obedecendo à lógica fundada pelos apologetas do assim chamado mercado de trabalho em expansão. Os indicadores mais estudados nestes estudos são: 1) aspectos de crescimento ou decrescimento do mercado de trabalho; 2) aspectos de ocupação ou não ocupação, por parte do professor, no mercado de trabalho; 3) aspectos de atratividade do mercado de trabalho; e 4) aspectos da imagem de profissionalização do professor de educação física perante o mercado. Como resultados mais usuais, têm se obtido: 1) a expansão dos campos não-escolares em detrimento do campo escolar; 2) o trabalho do professor nos dois campos, com ascenso nos campos não-escolares; 3) as vantagens dos campos não-escolares quanto a rendimentos e à flexibilidade de trabalho, em contraste com a estabilidade possibilitada a partir do serviço público; 4) a tensão entre competência profissional a partir do modelo de formação continuada e o modelo do registro no conselho profissional.

    As avaliações dos autores identificados com a visão otimista do mercado de trabalho nos campos não-escolares, apontam imediatamente o fenômeno da decadência do magistério e o surgimento de um campo alternativo promissor (Sartori, 1997). Junto com o fenômeno de desvalorização do magistério, é ressaltada a proliferação das práticas corporais, que abriria um novo campo de trabalho, até então não evidente ao professor (ibid.; Tubino, 1995). Para os recém-formados desta década em diante, os campos não-escolares – academias, clubes, condomínios, espaços de lazer e recreação, hotéis, entre outros – apresentou-se como um atrativo e uma alternativa, com relação à escola, de se conseguir rendimentos superiores (Ferreira, Ramos, 2001).

    Nestes estudos, é comum que os defensores dos campos não-escolares se apressem em mostrar pesquisas empírico-analíticas, sem representatividade amostral, em que concluem que os professores de educação física trabalham maior número de horas mensalmente nos campos não-escolares, além de sua remuneração ser maior, para estes campos, se considerado o ganho por hora trabalhada. Por exemplo, a pesquisa de Jorge Steinhilber (1999) compreendeu 306 professores formados no estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 1986 e 1997. Ou seja, se considerados os doze anos que compreenderam a pesquisa, obtém-se a média de 25,5 professores por ano, o que não equivale sequer à quantidade de alunos formados, a cada ano, por uma instituição de formação de professores de educação física daquele estado.

    Já um outro estudo de Lílian Aparecida Ferreira e Glauco Nunes Souto Ramos (op. cit.) partiu de coleta feita por 42 alunos do curso de graduação em educação física, que foram orientados a realizar entrevista com professores de educação física, de qualquer campo de trabalho, para investigar suas maiores dificuldades na prática pedagógica. Apesar de revelarem a opção por uma análise baseada na abordagem qualitativa, utilizam-se do argumento de que 36 alunos – o que segundo os autores (ibid.) diz respeito a 86% deles – procuraram entrevistar professores que atuam nos campos não-escolares. Tal dado é utilizado em confronto com o estudo de Steinhilber (op. cit.) para confirmar que os professores de educação física trabalham maior número de horas nos campos não-escolares. Este é apenas um exemplo de como um estudo apologético e cientificista pode servir de base para a produção do conhecimento que reitera e retroalimenta, ainda mais, a apologia a determinadas noções ou formulações ideológicas.

    Além de não possuírem representatividade amostral, tais estudos não levam em considerações importantes questões que podem vir a influenciar a coleta de seus dados: a) o maior número de horas mensais de trabalho em determinado campo não implica, necessariamente, uma maior ocupação deste campo por parte dos trabalhadores, porém pode estar revelando o seu caráter de aumento da mais-valia absoluta; b) a escolha, por parte dos alunos, dos professores a serem entrevistados e, conseqüentemente, do campo de trabalho, não implica uma maior legitimidade ou condições favoráveis de ocupação deste último, mas pode dizer respeito a um discurso acrítico e valorativo do campo, mediado pela ideologia do empreendedorismo. Ainda, pesquisas como a de Ferreira e Ramos (op. cit.) costumam retratar os anseios dos estudantes de educação física em adentrarem no assim chamado mercado das práticas corporais. No entanto, não discutem sobre as possibilidades reais de tais intenções – vários graduados acabam trabalhando na escola, por falta de opção no campos não-escolares –, bem como as condições concretas de trabalho nesses campos.

Conclusão

    Tendo em vista as análises até aqui realizadas, é possível inferir que os estudos apologéticos sobre o trabalho não consideram que os campos não-escolares são permeados pelo trabalho precário, desregulamentado e temporário, dimensão plus da estratégia atual do capital para intensificação da exploração da força de trabalho. Além da dimensão dos contratos temporários nestes campos – por exemplo, em colônia de férias, atividades recreativas para determinada época –, outra face da curta temporalidade diz respeito à rotatividade dos professores nas diversas localidades – academias, clubes, condomínios – bem como à dispensa de professores a partir de determinada idade, quando seu corpo não condiz mais com a idéia da mercadoria que se pretende vender. Portanto, o que é estratégia de gerência da crise do capital torna-se o atrativo para a busca da força de trabalho. A busca de um novo mercado para o professor de educação física obedeceu à lógica de sua adequação ao modelo de trabalhador para a sociedade do trabalho precário e do desemprego, ou seja, com vistas à formação de sua empregabilidade, a partir de competências individuais, para disputar as fatias de tal mercado. De acordo com a afirmação de Renato Sampaio Sadi (2002, p.2):

    “[...] A ampliação do mercado de trabalho é portanto, necessária para a promoção da empregabilidade, isto é, como as chances de estabilidade se reduzem, o lema passa a ser: manter-se empregado o maior tempo possível, pois o desemprego fatalmente ocorrerá! Esta é uma das estruturas da ideologia neoliberal que sustenta a característica desestatização. Ramifica-se por dentro das profissões em geral que buscam mudanças em seus estatutos, adaptam o discurso e a prática às novas modalidades e formas de trabalho. No caso da Educação Física, ganha força a idéia do emprego por competências, da responsabilidade individual pelo sucesso/fracasso, da completa autonomização das regras do trabalho [...]”.

    O reordenamento do trabalho do professor de educação física, portanto, obedeceu a um duplo movimento. Por um lado, houve a desvalorização do magistério, de forma geral, acompanhando os ajustes estruturais do neoliberalismo e, no interior dessa desvalorização, a secundarização da educação física, em particular, ocasionada através das demandas da formação do trabalhador de novo tipo. Por outro lado, baseada na noção do empreendedorismo, o trabalhador da educação física foi, aos poucos, vislumbrando a possibilidade de atuação no campo das práticas corporais dos meios não-escolares, caracterizados pela precarização do trabalho enquanto fenômeno de gerência da crise do capital. 

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