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Docência no ensino superior: a promoção da autonomia e da
reflexão crítica no curso de Licenciatura em Educação Física

 

*Licenciada em Educação Física pela UFSM; Especializanda em Educação Física Escolar e

Gestão Educacional pela UFSM; Mestranda em Educação pela UFSM

Integrante do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física)

**Doutor em Educação e Ciência do Movimento Humano pela UFSM

Coordenador do GEPEF/UFSM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física)

Franciele Roos da Silva Ilha*

fran.ef@pop.com.br

Hugo Norberto Krug**

hnkrug@bol.com.br

 

 

 

Resumo

          Nesse artigo pretende-se dialogar com autores que vem pensando, revendo e discutindo a prática pedagógica do professor formador e a promoção da autonomia e da reflexão crítica no contexto da Formação Inicial em Educação Física. A partir das reflexões apresentadas ao longo desse escrito pode-se entender um pouco da história e da situação atual do contexto da Formação de Professores de Educação Física e da Educação e seus contextos social/político/econômico. Assim, torna-se necessário que os Cursos de Formação socializem com o acadêmico/professor não apenas os conhecimentos específicos da sua profissão, com foco na técnica, mas sim, trabalhar com as essências do fenômeno educativo através do ensino reflexivo.

          Unitermos: Docência. Autonomia. Reflexão crítica. Licenciatura. Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 122 - Julio de 2008

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Contextualização do tema

    A complexa estrutura da sociedade vem fazendo com que às práticas pedagógicas dos professores sejam revistas, bem como seus processos de formação. Pois esta não se reduz a uma questão técnica, mas envolve múltiplos saberes e dimensões da vida humana. Ser professor não se limita em ensinar, sua atuação precisa ir além do âmbito disciplinar, possibilitando uma participação consciente em todos os espaços educativos.

    Esta preocupação com a formação docente mais articulada ao trabalho com o humano, tem visado uma perspectiva mais compreensiva e reflexiva para sua fundamentação. Além disso, vem conquistando no espaço de suas discussões, práticas diferenciadas que contribuam para a valorização de seus profissionais, para a qualidade de ensino e para a melhoria das políticas educacionais.

    Em contrapartida, a modernidade contribui com o crescimento de problemas profundos que afetam a sociedade e atingem os sistemas de ensino. Apesar da maior oferta de vagas, estes não têm correspondido em qualidade formativa, não atingindo às exigências da população e das demandas sociais. Por isso, procuram-se soluções para recriar a gestão escolar dando ênfase na prática docente, principalmente, através da Formação de Professores. Nessa perspectiva, é que o papel do professor e sua prática docente exercem função fundamental para a construção de um novo projeto de ensino e de uma Formação Profissional coerente com as necessidades dos educandos.

    Inserido nesse processo educacional, a Formação de Professores de Educação Física dos Cursos de Licenciatura apresenta sérias dificuldades para idendificar sua especificidade e delinear o trabalho docente. Pois, a história da Educação Física no Brasil mostra como esta foi influenciada por movimentos como a medicina higienista e a instituição militar. Estas que definiram a função da Educação Física como sendo uma disciplina essencialmente prática e responsável pela promoção da saúde e aptidão física. Face a essas questões, que a prática pedagógica do professor formador, no caso de Educação Física, foi, e muitas vezes ainda é, imbricada de um ensino tradicional, no qual os alunos são considerados meros instrutores de movimentos executados pelo professor, sem qualquer incentivo a participação discursiva em aula. Essa formação para o “saber fazer” impede ao professor qualquer possibilidade de refletir sobre sua prática e a interagir na sua escola como um ator. Esse comportamento, mesmo com exceções, acabou construindo uma imagem negativa para o professor da disciplina de Educação Física, voltada ao desinteresse de aspectos intelectuais, voltando sua atuação ao prático, ao técnico, restringindo sua disciplina aos aspectos biológicos, não como forma de educar, mas de treinar.

    Entretanto, essa realidade precisa mudar e está mudando, já que a Educação Física como uma disciplina da grade curricular das escolas precisa cumprir com suas funções pedagógicas, além do seu compromisso para a transformação de uma sociedade mais ativa e participativa do meio sócio-econômico. De acordo como Moro (2003) o professor tem funções sociais e profissionais, tendo a responsabilidade de problematizar conhecimentos, os que pertencem a sua formação. Tal pressuposto é concretizado através de seu engajamento profissional e educacional, sendo da sua profissão buscar fazê-lo.

    Nesta direção, é importante entender o termo educador, porque teoricamente, todo professor, pressupõe educador, mas, na prática educacional, nem todos carregam o compromisso e a competência de realmente serem educadores e formarem educadores. Assim, nesse artigo pretende-se dialogar com autores que vem pensando, revendo e discutindo a prática pedagógica do professor formador e a promoção da autonomia e da reflexão crítica no contexto da Formação Inicial em Educação Física.

    O desencadeamento deste estudo fundamenta-se numa reflexão realizada em torno de toda minha trajetória escolar, desde o ingresso na pré-escola até os dias de hoje nas aulas da especialização/mestrado. Ao observar como o processo de ensino vem sendo desenvolvido, através da prática pedagógica dos professores, articuladas ou não, com as características que são solicitadas no contexto atual do campo profissional.

    Pude perceber que, apesar das demandas do mundo do trabalho exigirem um profissional autônomo e crítico, a escola, a qual possui papel fundamental para desenvolvimento da sociedade, não tem conseguido contribuir para a formação de sujeitos com tais características. Ainda que, vivencia-se hoje um período de reformas na Educação e todas justificadas pelas mudanças profundas que vêem ocorrendo no sistema vigente, em função da rapidez com que as informações vêm sendo processadas, seguidas do advento das inovações tecnológicas, que se transformam a cada instante, tanto no cenário internacional como nacional. Neste contexto, pensar e repensar a Formação de Professores, significa para todos os educadores, acadêmicos e alunos, um grande desafio, como conseqüência da insatisfação dos modelos atuais, principalmente, nos Cursos de Licenciatura.

    A Formação do Professor, no que concerne à sua função, deveria proporcionar condições para estimular o “querer mais”, a busca para aperfeiçoar o seu trabalho na perspectiva de mudanças significativas. Como Nóvoa (1992) coloca que a formação pode estimular o Desenvolvimento Profissional dos professores no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente, sendo de extrema importância valorizar os paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos. Reforça ainda, que uma boa formação capacita o professor para ser reflexivo, diante das situações que lhes são apresentadas em sua vida profissional, seja diante de novos paradigmas ou de ideologias que tentam impor uma concepção de escola e de mundo.

    Nesse sentido, a emancipação dos educandos em busca de uma participação mais ativa na sociedade em que vivem embasará, consequentemente, uma atuação profissional voltada à formação de alunos mais autônomos e Crítico-reflexivos. Em contrapartida, tais características são tão discutidas no meio acadêmico de Formação de Professores, sendo defendidas no discurso da maioria dos educadores. Porém, na prática pouco é feito para sua concretização. Este fato freqüente justifica-se, principalmente, pelo modelo de racionalidade técnica, que esses educadores se formaram. Assim, apesar deles acreditarem em outras propostas de ensino, aquela continua fortemente enraizada e presente em suas práticas pedagógicas.

    Há necessidade, portanto, de desenvolver pesquisas direcionadas para o campo pedagógico dos profissionais que formam professores, investigando seus conhecimentos pedagógicos, com ênfase na visão que o professor possui sobre a função da Educação e que concepção mais se identifica.

A educação como processo cultural de formação

    Para desencadear essa discussão torna-se necessário situar o professor, enquanto sujeito historicamente construído, nos contextos político, social e econômico, nos quais vive e atua profissionalmente.

    Vive-se numa época de crise, principalmente na Educação, na qual há uma busca constante por mudanças e transformações que possam agir eficazmente para um ensino de qualidade. Dentre essas alternativas está a promessa da comunicação e suas novas tecnologias em promover a cooperação internacional para educar a aldeia global. O computador se destaca, já que oferece inúmeros mecanismos atrativos e inovadores estando cada vez mais acessíveis a população. Entretanto, essa máquina de ensinar, não investe numa Educação de base e sólida para a vida dos educandos, simplesmente deposita conhecimentos e raramente os avalia. Este tipo de informação não desenvolve a reflexão, a análise crítica, a autonomia, questões tão importantes para a emancipação dos sujeitos. Também, quem gostaria de formar indivíduos com tais características? A sociedade de controle? Com certeza não (CORRÊA, 2006).

    Deste modo, o professor tem um grande desafio já que está inserido numa sociedade capitalista na qual, o consumo e a alienação dos sujeitos são as grandes metas impostas, sem que, muitas vezes nem se perceba. A globalização esta presente nas mais variadas e cotidianas atividades que vivenciamos, assim, precisamos estar sempre atentos e voltar olhares para além das aparências, procurando explorar o que de positivo há nesse processo global. Porém, o que se evidencia são as influências negativas, principalmente para os indivíduos que possuem mínimas condições de vida. Este fato confirma-se no contexto político, em que as políticas educacionais seguem e privilegiam os dados quantitativos conquistados, na maioria das vezes, através de meios menos formativos do que apelativos.

    Morin (1998) reflete sobre esse processo e como ele vem sendo realizado nos dias de hoje em que, as questões culturais construídas historicamente apresentam-se imbricadas nas relações da sociedade. Destaca que somos constantemente direcionados, determinados, impostos, sujeitados a alienações que favorecem poucos entre muitos. São imposições políticas, sociais, econômicas e culturais, que visam aprisionar o conhecimento, definindo normas, comportamentos, pensamentos. Esse processo alienatório, denominado pelo autor de Imprinting cultural começa no nascimento e segue ao longo de nossa vida, sem pausas. Desse modo, as formas de conhecimento e as “verdades” são transmitidas de acordo com os processos culturais de cada contexto.

    Apesar dessa imposição, aparentemente irreversível, existem possibilidades, “brechas”, para escapar e driblar a normalização, como por exemplo: o diálogo entre culturas, o espírito crítico, os debates, o confronto de idéias, os vários pontos de vista, a quebra de normas, de tabus, o desvelamento em âmbitos formatados e aprisionados – regulados pela minoria, novos olhares, outros caminhos, a busca do dinamismo, a participação democrática, a desconexão, a invenção, a criação, a liberdade de expressão. Uma possibilidade diferenciada de fugir da normalização é o imprinting democrático-cultural que normaliza as referências à crítica, a dúvida e a livre expressão de verdades antagônicas. Nesse sentido, realiza-se um comércio dialógico (MORIN, 1998).

    Nessa linha de pensamento, Santos (2002) quando trabalha com as crises e as mudanças de paradigmas, enfatiza que, precisamos evoluir do conhecimento-regulação (do caos para a ordem) para o conhecimento-emancipação (do colonialismo para a solidariedade). Este último aspira não uma grande teoria, mas sim uma teoria da tradução, elevando o outro-objeto na condição de sujeito, desenvolver um pensamento alternativo de alternativas, assim como, a capacidade de prever, maximizar a subjetividade e minimizar a objetividade, contextualizar o conhecimento, efetivar a aplicação partilhada e desprofissionalizada do conhecimento, ter compromisso ético, defender as experiências de hoje, denunciar o caráter repressivo, lutar contra o concenso.

    Tendo em vista que a Educação tem um papel importante no processo de humanização do homem e de transformação social, a evolução da Educação está intrinsecamente ligada à evolução da sociedade (GADOTTI, 1999). O autor esclarece que a prática da Educação é muito anterior ao pensamento pedagógico. Este que surge com a reflexão sobre a prática, pela necessidade de sistematizá-la e organizá-la em função de determinados fins e objetivos.

    Indiscutivelmente, em todo processo educativo e de transformação social claramente orientado e intencionado, a matéria-prima e os verdadeiros protagonistas do processo são os membros do grupo, situados em determinado contexto. Isto parece ser defendido e aceito por grande parte da sociedade, no entanto mantêm-se, principalmente nas instituições de ensino uma prática contraditória com este posicionamento, pois a pedagogia gira em torno do educador (HURTADO, 1993). Além disso, notam-se inúmeras incoerências presentes nesse contexto, no qual os atores desse processo encontram-se alienados de questões essenciais que orientam a Educação escolar. Dentre essas, questiona-se por que será que mesmo antes de entrarmos na escola, já sabemos por auto como ela se configura e se apresenta? Sabemos, por que desde a vivência familiar somos determinados a cumprir horários, ter disciplina e estar sempre ouvindo de pais e outros membros da sociedade a seguinte frase: se você quer ser alguém na vida tem que estudar, por isso precisa ir à escola! No entanto, nós não sabemos nem ao menos definir o conceito de escola, tendo em vista que ela nunca está em questão (CORRÊA, 2006).

    Deste modo, nenhuma novidade é dita quando afirmamos que a universidade brasileira sofre do mal da ineficiência, manifestada pela anemia da qualidade do ensino. Na busca de reverter com essa situação é que pequenos grupos, em relação a grande maioria, vem desenvolvendo um trabalho consciente e transformador, para além das reformas curriculares. Estas que iniciaram na década de oitenta e tiveram decepções imediatas, considerando que apenas mudanças e/ou inclusão de disciplinas na grade curricular, não atende as metas pretendidas. Sendo que, a base para uma transformação deste processo, tão complexo que é a Educação, se faz necessário num primeiro plano, que sejam revistos os alicerces da construção do conhecimento, o trabalho pedagógico dos professores desenvolvido nas salas de aula (SANTIN, 2001).

    Para que isto ocorra é necessário que os currículos universitários apresentem disciplinas com questões políticas e sociais que permeiam a escola, e o futuro professor ao terminar sua graduação, esteja habilitado ao ingresso no mundo do trabalho, tendo a capacidade de comprometer-se com as responsabilidades que a carreira exige (FARIAS; SHIGUNOV; NASCIMENTO, 2001). A partir disso, percebe-se a importância em repensar a formação de professores e questionar qual o perfil de educadores que se objetiva formar. Sendo o professor um dos principais agentes que possui meios para transformar a Educação, através de uma prática pedagógica consciente e renovadora com metodologias coerentes com a realidade dos educandos.

    A Educação tradicional tão criticada atualmente, teve declínio no movimento renascentista, porém sobrevive até hoje. Da mesma forma que essa, a Escola Nova trouxe contribuições e avanços para o contexto educacional. No entanto, esses dois movimentos concebem a Educação como processo de desenvolvimento individual e pessoal.

    Nessa linha de pensamento, é que Freire (2007) denuncia o ensino tradicional e o denomina como uma a concepção bancária de Educação, na qual o professor transmite o conhecimento e o aluno apenas o absorve. Nessa perspectiva, o educador é o sujeito do processo de ensino e os educandos, meros objetos. Quanto mais essa concepção de ensino é desenvolvida menos os educandos desenvolverão sua consciência crítica, de que resultaria a sua inserção no mundo, na busca de transformá-lo.

    Assim, como proposta educativa o autor destaca a Educação libertadora e problematizadora do conhecimento, que proporciona a emancipação dos educandos ao mesmo tempo em que promove a autonomia e a consciência crítica. Enquanto o professor educa seus alunos, é educado por estes e vice-versa. Pois, como alerta o mesmo autor, ninguém se educa sozinho, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Não é no silêncio que os homens aprendem e constroem o conhecimento, mas sim na palavra e no trabalho, na ação-reflexão. Nesse sentido, não há diálogo verdadeiro sem um pensar crítico, e no momento em que se instaura a percepção crítica na ação, se desenvolve a esperança, a qual leva os homens a empenhar-se na superação de seus limites (FREIRE, 2007).

    Complementando essa análise, Veiga Neto (2005) explora a obra de Foulcault e declara que esta abre muitas possibilidades do pensamento para entender a Educação, as relações entre escola e sociedade, entre pedagogia e subjetivação moderna. Em sua perspectiva defende a idéia de uma liberdade “homeopática, concreta, cotidiana e alcançável nas pequenas revoltas diárias, quando podemos pensar criticar o nosso mundo” (p.26). Foucault acredita que seu papel é mostrar as pessoas que elas são muito mais livres do que pensam ser, e que, o que elas percebem por verdadeiro, foram produzidos num tempo particular da história, e por isso não podem ser vistos e apropriados como única possibilidade, essas evidências podem ser criticadas e destruídas.

Formação profissional em Educação Física

    O conceito de Formação Profissional tem evoluído nas últimas décadas. Isto se justifica, principalmente, pela possibilidade de diferenciação entre a atuação profissional da área e um leigo (NASCIMENTO 1998 APUD SHIGUNOV, 2001). Muitos autores como, Matos (1994); Petrica (1987) dizem que a Formação Profissional é a formação que acontece nos Cursos de Licenciatura e que formar professores é uma tarefa complexa que requer uma formação sólida para que o professor consiga definir o que ensinar, porque ensinar, para que ensinar e como ensinar. Diante disso, a Formação Inicial deve representar apenas o primeiro passo frente ao desencadear da futura carreira docente que segue. Sabendo-se que a Formação do Professor precisa ser uma constante, desde que este queira estar sempre se desenvolvendo profissionalmente.

    Ao estudar o Desenvolvimento Profissional Garcia (1999, p.139) relata que este “não ocorre no vazio, mas inserido num contexto mais vasto de desenvolvimento organizacional e curricular”. Essa troca gera um movimento a caminho de transformações nas ações desenvolvidas na escola, no currículo e na Educação. É necessário o reconhecimento de que na relação escola-professor a uma dependência. Ambos, somente podem mudar conjuntamente, pois uma escola conservadora, arraigada a conceitos e posturas, não admitirá mudanças na prática pedagógica dos seus professores, assim como, se o professor não buscar a mudança, a escola permanece sempre igual.

    No que tange a Formação de Professores de Educação Física, percebe-se que a história da disciplina no Brasil oferece subsídios que ajudam a entender como os professores de Educação Física reproduzem, em seu cotidiano, ideais e valores do final do século XIX. Período a partir do qual, a atividade desenvolveu-se no país e foi grandemente influenciada pela chamada Medicina Higienista. Somente a partir do início da década de 1980, com a redemocratização do país, é que a Educação Física começou a ser discutida de forma mais contundente, levando ao reconhecimento de que sua prática escolar é problemática e visando a uma redefinição de seus objetivos, conteúdos e métodos de trabalho. Esta categoria profissional precisa compreender-se de forma mais abrangente, evitando reduzir-se a dimensão técnica. Então, torna-se necessário examinar suas atribuições no contexto, que deve refletir o projeto histórico da sociedade.

    De acordo com Isaía (2005), o contexto em que o professor se encontra, seja social, cultural, político e educacional leva a entendê-lo em um cenário em que as expectativas e a valorização social, as condições formativas iniciais e o exercício continuado ao longo da carreira entre outros, podem levar ou não ao reconhecimento de uma identidade coesa e autêntica. A riqueza da trajetória está nas oportunidades que cada professor possui nas especificidades da sua área. Então, os professores devem se valorizar fazendo com que os alunos se interessem pela disciplina.

    Nesse sentido, o professor, como qualquer outro profissional, precisa estar constantemente revendo suas práticas pedagógicas, e neste “ir e vir” é que está à possibilidade de reconstruir sua atitude docente, como também, o contexto em que atua, principalmente quando tem a possibilidade de estar trocando, conversando, com os demais professores.

    Felizmente, a Educação Física tem buscado superar uma grande lacuna em seus espaços de vivência profissional, caracterizada por um descomprometimento com o conhecimento acadêmico. O cultivo de valores culturais físicos, apropriados e cultuados pelo indivíduo em seu cotidiano, como designo natural ou divino, o tem distanciado das outras necessidades e possibilidades acadêmicas de se estabelecer para e sobre a Educação Física. Nesse sentido, entende-se ser o conhecimento da Educação Física algo que deva ser tratado com discernimento e responsabilidade científica e educacional (MORO, 2003).

    No entendimento de Barros (1995) a Licenciatura em Educação Física é voltada para a preparação profissional no ensino fundamental e médio, onde é enfatizado o conhecimento da motricidade humana aplicada ao fenômeno educativo, sendo este profissional com formação de nível superior e conhecimento da área a fim, devendo possuir uma visão da função social da escola, de sua história, problemas e perspectivas da sociedade brasileira.

Concepção crítico-reflexiva de formação de professores

    A crítica generalizada em relação ao modelo de racionalidade técnica de formação de professores conduziu ao surgimento de novas alternativas, no sentido de suprir com as reais necessidades dos acadêmicos em formação inicial, sendo estes futuros profissionais da Educação. A partir disso, tem-se como uma proposta emergente de ensino, o modelo Crítico-reflexivo. A Formação Profissional que inclui no seu programa um forte componente de reflexão contribui para que o futuro professor se sinta capaz de enfrentar situações adversas, tomando decisões coerentes fundamentadas num paradigma eficaz que interligue teoria e prática (KRUG, 1996). As estratégias escolhidas envolvem processos de reflexão por parte, tanto do professor supervisor, como do professor em formação (AMARAL, MOREIRA e RIBEIRO, 1996).

    Para Nóvoa (1992) no contexto de Formação de Professores é preciso desenvolver e estimular uma perspectiva Crítico-reflexiva, que forneça a estes, os meios necessários para um pensamento autônomo. Nessa direção, Fernandes et al (2004) no artigo que enfoca conhecimento e autonomia, descreve a última como a possibilidade dos aprendizes se apropriarem do conhecimento, a fim de refazê-lo de forma crítica, em busca de superarem o senso comum e serem capazes de modificar a cultura da sociedade.

    Dada a importância do aluno vir a refletir, Freire (1994) diz que a consciência reflexiva deve ser estimulada, constituindo-se uma forma de o educando refletir sobre sua própria realidade, quando compromete-se com esta, tendo a possibilidade de buscar soluções e de transformar o seu contexto. Nessa perspectiva, a atuação docente do professor reflexivo não se esgota no imediato de sua prática pedagógica, remete-se também para o conhecimento de saber o que representa, enquanto membro de sua sociedade. Assim sendo, na promoção da profissão os professores devem ser agentes ativos de seu Desenvolvimento Profissional, se extendendo ao contexto da escola e ao projeto social que é a formação de alunos críticos e autônomos (ALARCÃO, 1996). Os professsores reflexivos são também autônomos na sua atividade através da crítica em relação às funções que desempenham (CARDOSO ET AL.,1996 APUD KRUG, 2001).

    Diante desses pressupostos e dessas orientações de atuação profissional é imprescindível conhecermos e entendermos a instituição na qual desenvolvemos nosso trabalho, já que buscamos uma Formação Docente/discente mais consciente e crítica da sociedade nos meios social, político e econômico. Corrêa (2006) nos auxilia com sua perspectiva, quando esclarece que a escola cumpre a função de fazer parar o corpo e o pensamento, nesse sentido nos imobiliza perante a vida em sociedade. Tudo que se processa nesta instituição, suas tarefas, seus afazeres, são próprios da arte de governar. Entretanto, se quisermos tentar reverter essa realidade podemos trabalhar sobre os agentes que atuam nesse processo, já que educar deveria se configurar numa proposta crítica de ensino, principalmente no que se refere aos padrões e normas impostas pelo Estado. Hildebrandt (1986) complementa essa idéia ao destacar que é fundamental que o professor prepare as situações de ensino de tal forma que estimulem o aluno a agir, assim eles terão à possibilidade de resolver seus problemas e questionamentos.

    Nesse sentido, Kunz (2001) diz que o aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua participação no convívio social, tendo a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados na vida cotidiana, ocorrendo através de uma reflexão crítica. É importante que exista e se promova o diálogo entre educador e educando, da mesma forma que se estabeleçam relações dos conteúdos com a problemática e a realidade dos alunos (FREIRE APUD CORREA, 2006). Uma proposta de modificar esse processo escolarizante são as oficinas que abrem espaços para o desconhecido. São tentativas de desconstruir com a máquina de produção de cidadãos (CORRÊA, 2006). A emancipação deve ser tarefa fundamental da Educação, através de um processo de esclarecimento racional que se estabelece num processo comunicativo. As interações de alunos-alunos, alunos-professor não podem acontecer sem a participação da linguagem, pois o diálogo deve estar sempre presente, sendo através deste que os alunos são instigados a participar do processo de ensino-aprendizagem. O professor deve, portanto, instigar e desafiar os alunos na busca de respostas a partir da vivência destes. Através da ação comunicativa o aluno se tornará crítico, ele realizará perguntas e tentará formular as respostas, diferente do que geralmente acontece, em que os professores formulam as perguntas e dão as respostas (KUNZ, 2001).

Considerações finais

    A partir das reflexões apresentadas ao longo desse escrito pode-se entender um pouco da história e da situação atual do contexto da Formação de Professores de Educação Física e da Educação e seus contextos social/político/econômico.

    Assim, torna-se necessário que os Cursos de Formação socializem com o acadêmico/professor não apenas os conhecimentos específicos da sua profissão, com foco na técnica, mas sim, trabalhar com as essências do fenômeno educativo através do ensino reflexivo. Logo, é essencial lembrar que o professor não se forma com o término do Curso de Graduação, mas nas relações que estabelece no dia-a-dia do seu contexto profissional, reconstruindo constantemente, diferentes saberes. Cardoso et al (1996 APUD KRUG, 2001) acredita que a atitude reflexiva do professor permitirá desenvolver essa mesma reflexão nos seus alunos, em decorrências das atividade propostas em aula. Nessa linha de pensamento, Costa (1994) entende que a formação Inicial em Educação Física é o período em que o futuro profissional adquire os conhecimentos científicos pedagógicos e as competências necessárias para enfrentar adequadamente a carreira docente.

    Com a análise de Corrêa (2006) é possível perceber que as soluções apresentadas para as crises na escola visam apenas uma instituição reformada, renovada, democratizada, sem perceber que ela não é o problema. Em vez de uma problematização, ocorre sempre uma rearticulação, um reajustamento para camuflar o problema, acalmar os ânimos e manter o dispositivo do sistema com sua função estratégica. É preciso evocar o fora desses dispositivos, pois não podemos mais agir neles, mas devemos transpô-los. Diante disso, torna-se necessário evitar que a “Educação para o que der e vier” se instale em nossos contextos educativos, pelo menos no âmbito de nossa comunidade. Se assim for, estaremos fazendo nossa parte na luta contra a era de controle.

    Dessa forma, podemos pensar, tanto a escola como as demais instituições educativas – Universidades, como espaços de formação constante e principalmente, de alternativas de transformação. Mesmo que, as mudanças ocorram lentamente, já que esta é uma característica social e cultural de nossa sociedade quando se trata de Educação, podemos vislumbrar e atingir muitos objetivos no momento que nos comprometermos eticamente com nosso trabalho.

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