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Habilidades motoras específicas do basquetebol
e formação técnica do treinador

 

*Mestre em Desporto para Crianças e Jovens
Assistente 2ºTriénio ESE-IPLeiria; Treinador de Basquetebol Nível III

**Licenciado em Educação Física - Treinador de Basquetebol Nível I

(Portugal)

João Cruz*

Ricardo Bugalhão**

joaocruz@pluricanal.net

 

 

 

Resumo

          Uma das questões mais pertinentes no estudo dos Jogos Desportivos Colectivos (JDC) está relacionada com a tentativa de explicar e até mesmo prever, a “rota” do sucesso.

          Sabendo que o aparecimento de atletas de alto nível está condicionado pela formação ministrada nos escalões mais jovens e que estes necessitam de um treino específico, estarão os treinadores a desempenhar o seu papel com eficácia? Será que os treinadores procuram desenvolver procedimentos de treino adequados, respeitando o plano de carreira do atleta ou, apenas para se auto-promoverem com os sucessos imediatos?

O presente tem por objectivo comparar a prestação técnica de jovens jogadores de basquetebol de acordo com a formação técnica específica dos respectivos treinadores.

          A amostra é constituída por 41 indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 13 e os 14 anos e que integravam as equipas de iniciados que disputavam o Campeonato Distrital da Associação de Basquetebol de Leiria, na época de 2001/2002, dividida em 2 grupos segundo o grau de formação dos respectivos treinadores; Grupo 1 (Gr. 1) - 20 atletas com treinadores (2) de Nível 1 da FPB/ENB e; Grupo 2 (Gr. 2) - 21 indivíduos com treinadores (2) de Nível 2 da FPB/ENB.

          As habilidades motoras analisadas foram o lançamento, drible e deslizamento defensivo.

          Os jovens basquetebolistas orientados por treinadores de Nível II, no que respeita ao lançamento, concretizam mais pontos face ao grupo de jovens com treinadores de Nível I [4,8 ± 8,74 vs. 32,6 ± 6,18 (p=0,388)].

          No que respeita ao drible, também o Gr.2 apresenta os melhores valores (o melhor resultado corresponde ao menor tempo de execução), com 20”,2 ± 2”,18 contra 20”,9 ± 1”,78 segundos registados pelos atletas do Gr. 1. Esta diferença não é, no entanto, estatisticamente significativa (p=0,285).

A prova de deslizamento defensivo é completada pelos atletas do Gr. 1 num espaço de tempo mais reduzido que o necessário pelos atletas do Gr. 2 [27”,4 ± 3”,56 vs. 27”,8 ± 2”,60 (p=0,368)].

          Embora as diferenças entre os dois grupos não sejam significativas, se analisarmos os dados à luz do tempo de prática, verificamos que os atletas do Gr. 2 praticam a modalidade há menos tempo que os do Gr. 1 [1,4 ± 1,50 anos vs. 2,9 ± 1,73 anos (p=0,003)]e esta diferença é estatisticamente significativa.

          Tendo em conta a orientação do treino, os dados parecem indicar uma maior preocupação dos treinadores de Nível II no que respeita às metodologias de treino aconselhadas para os escalões de formação: maior incidência nos aspectos ofensivos e menor incidência nos aspectos defensivos, no sentido de potenciar o desenvolvimento dos atletas.

Perante os resultados obtidos, somos levados a concluir que:

          - A formação do treinador parece desempenhar um papel determinante na aprendizagem e domínio dos fundamentos do jogo de basquetebol;

          - Uma formação técnica mais avançada tem consequências práticas vantajosas ao nível da aquisição dos fundamentos ofensivos, aspectos essenciais na aprendizagem da modalidade.

          Unitermos: Basquetebol. Formação técnica. Treinador. Jogador.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 122 - Julio de 2008

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Introdução

    Uma das questões mais pertinentes no estudo dos Jogos Desportivos Colectivos (JDC) está relacionada com a tentativa de explicar e até mesmo prever, a “rota” do sucesso.

    Neste capítulo, vários autores, Brandão (1995), Cruz (1996), Neta (1999) e Oliveira (2000), baseados nos seus estudos, concluíram que parte deste sucesso poderá ser explicado pela qualidade da prestação técnica dos atletas.

    Para desenvolver esta temática é importante salientar que, ao iniciar o ensino de uma modalidade desportiva, todo o treinador que lidera o treino com jovens atletas vê-se confrontado com um conjunto de questões às quais é necessário dar resposta: o domínio dos fundamentos técnicos da modalidade e a metodologia de ensino. Estas questões estão intimamente relacionadas com a formação específica do treinador. Será que a uma melhor formação técnica do treinador corresponde uma melhor prestação dos atletas?

    Por outro lado, e de acordo com vários estudos que incidiram no tempo de prática proporcionado aos alunos/atletas, Januário e Graça (1997) apontam a correcta administração e gestão do tempo de prática, como pontos fundamentais para aumentar as oportunidades de aprendizagem, nomeadamente ao nível do tempo útil da sessão, do tempo disponível para a prática motora e o tempo potencial de aprendizagem. Também Costa (1991) aponta uma melhor qualidade na instrução (centrada no essencial), feedback pedagógico focado nos aspectos críticos e melhor explicitação dos erros cometidos, melhor organização e o melhor aproveitamento do tempo da sessão, gerindo a aula de forma a permitir um maior tempo de exercitação, como factores que distinguem os profissionais mais eficazes.

    Sabendo que o aparecimento de atletas de alto nível está condicionado pela formação ministrada nos escalões mais jovens e que estes necessitam de um treino especializado, estarão os treinadores a desempenhar o seu papel com eficácia? Será que os treinadores procuram desenvolver procedimentos de treino adequados, respeitando o plano de carreira do atleta ou, apenas procuram a auto-promoção com os sucessos imediatos?

    O presente estudo aborda esta temática e tem por objectivo relacionar a prestação técnica de jovens jogadores de basquetebol com a formação técnica específica dos respectivos treinadores.

Material e métodos

Caracterização da amostra

    O presente estudo foi realizado com uma amostra de 41 indivíduos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 13 e os 14 anos e que integravam as equipas de iniciados que disputavam o Campeonato Distrital da Associação de Basquetebol de Leiria, na época de 2001/2002.

    A amostra foi dividida em 2 grupos segundo o grau de formação dos respectivos treinadores, sendo o Grupo 1 (Gr. 1) constituído por 20 indivíduos cujos treinadores (2) possuem o curso de Nível 1 da FPB/ENB e, o Grupo 2 (Gr. 2), constituído por 21 indivíduos cujos treinadores (também 2) estão habilitados com curso de Nível 2 da FPB/ENB.

 

Gr. 1

Gr. 2

P (*)

2,9 ± 1,73

1,4 ± 1,50

0,003

Figura 1. Tempo de prática em anos (valores expressos em média ± desvio-padrão. (* diferença estatisticamente significativa p<0,05).

    O tempo de prática dos dois grupos analisados era substancialmente diferente, apresentando o Gr. 1, um maior tempo de prática da modalidade em questão. Esta diferença revela-se estatisticamente significativa, como se pode verificar na figura 1.

Habilidades motoras específicas do basquetebol

    Foram analisadas duas habilidades motoras ofensivas: i) o lançamento e ii) o drible; e uma defensiva: o deslizamento defensivo.

Instrumentarium

    O instrumentarium utilizado no presente estudo foi a bateria de testes AAPHERD, de Kirkendall et al. (1987), relativamente às habilidades específicas de lançamento, drible e deslizamento defensivo no basquetebol. Foi ainda utilizado um cronómetro marca Rucanor modelo 696/696M para registo dos tempos nos testes do drible e deslizamento defensivo e na contagem decrescente no teste do lançamento.

Procedimentos estatísticos

     Para realizar a análise estatística foi utilizada a estatística descritiva (média ± desvio padrão) e o teste não paramétrico de Mann-Whitney, com o nível de significância mantido em 5%.

    O tratamento dos dados foi realizado no programa SPSS For Windows Student Version Release 9.0.1.

Apresentação dos Resultados 

Lançamento

    Da análise da figura 2, podemos constatar que o Gr.2 apresenta uma maior eficácia no lançamento ao cesto, uma vez que apresenta valores superiores aos do Gr.1. Esta diferença, no entanto, não é estatisticamente significativa.

 

Gr. 1

Gr. 2

p

32,6 ± 6,18

34,8 ± 8,74

0.388 (n.s.)

Figura 2. Pontos concretizados no teste de lançamento (valores expressos em média ± desvio-padrão)

Drible

     Quanto ao teste do drible, o Gr.2 apresenta melhores resultados face ao Gr.1, necessitando de menos tempo para a realização da prova (figura 3). Neste teste, os tempos mais baixos revelam uma maior eficácia no domínio da habilidade técnica específica. Esta diferença não se revela, contudo, estatisticamente significativa.

Figura 3. Tempo, em segundos, no teste de drible (valores expressos em média ± desvio-padrão).

Deslizamento defensivo

    De acordo com o objectivo deste teste, os sujeitos devem realizar a prova no menor tempo possível. O Gr.1 revela um melhor desempenho, conforme pode ser verificado na figura 4. Apenas neste teste este grupo consegue suplantar o Gr.2, embora os resultados não apresentem diferenças estatisticamente significativas.

Gr. 1

Gr. 2

p

27,4 ± 3,56

27,8 ± 2,60

0.368 (n.s.)

Figura 4. Tempo, em segundos, no teste de deslizamento defensivo (valores expressos em média ± desvio-padrão).

Discussão dos resultados

    De acordo com Brandão (1995), Pinto (1995), Cruz (1996), Neta (1999), e Oliveira (2000), os melhores jogadores são aqueles que apresentam melhores resultados nos testes efectuados ao nível das três técnicas ofensivas básicas: lançamento, drible e passe.

    Dos resultados obtidos no presente estudo, e quanto às habilidades técnicas ofensivas, verificamos que o Gr.2 apresenta sempre as melhores prestações, apesar de as diferenças encontradas não serem estatisticamente significativas.

    Torna-se, pois, imprescindível a análise do tempo de prática dos dois grupos que, segundo Neta (1999) é factor fundamental para um melhor domínio das técnicas específicas do Basquetebol. Assim, seriam de esperar melhores resultados por parte do Gr.1, o que não se verificou. É ao nível desta variável (tempo de prática) que podemos diferenciar os dois grupos: Gr. 1 com 2,9 ± 1,73 anos enquanto que no Gr. 2 esses valores são de 1,4 ± 1,50 anos, diferenças estas estatisticamente significativas.

    Tendo em conta que ao menor tempo de prática (Gr.2) corresponde uma maior eficácia ao nível destas habilidades ofensivas, e atendendo ao facto de este grupo ser treinado por treinadores de nível mais elevado (II) do que os do Gr.1, somos levados a crer que a formação dos treinadores é fundamental para o domínio destes gestos técnicos por parte do jogador. Os treinadores de Nível II parecem estar mais conscientes da importância das diversas variáveis do processo de ensino/aprendizagem para a eficácia do mesmo (Costa, 1991 e Januário e Graça, 1997).

    Relativamente à técnica defensiva avaliada, verificamos que o Gr.1 apresenta melhor prestação face ao Gr.2. Estes resultados podem derivar do facto de os indivíduos do Gr. 2 estarem numa fase mais inicial da prática da modalidade.

    Se analisarmos as propostas de Barreto (1980), Beja (1980), Araújo (1992), Adelino (1994), Graça e Oliveira (1994) e Oliveira (2001) para o ensino do jogo de basquetebol, verificamos que este deve privilegiar os aspectos ofensivos numa fase inicial de aprendizagem e só mais tarde trabalhar então os aspectos ligados à defesa (como é em geral aprovado como metodologicamente correcto nos diversos desportos colectivos de invasão).

    A superior formação técnica dos treinadores dos indivíduos do Gr.2 parece indicar que estes efectivamente se preocupam em seguir estas metodologias de aprendizagem pelo que os resultados do Gr. 2, ao nível do deslizamento defensivo, são inferiores aos do Gr. 1, visto possuírem menos tempo de prática e por isso uma maior necessidade de aprender as habilidades técnicas ofensivas do jogo de basquetebol.

    Estes treinadores parecem encontrar-se mais despertos para a aprendizagem dos fundamentos ofensivos, em detrimento das vitórias nos jogos disputados. Por outro lado, os treinadores de Nível I, provavelmente centrados na vitória, acabam por dar mais ênfase aos aspectos defensivos que, não dependendo tanto da técnica e mais da vontade, acabam por limitar a acção ofensiva dos adversários.

    Sendo o factor tempo um aspecto importante na aprendizagem, deveríamos esperar que o Gr.1 apresentasse sempre os melhores valores, quer no que respeita aos aspectos ofensivos, quer defensivos, o que não se verificou neste estudo, levando-nos a crer que a lógica do ensino do jogo dos treinadores deste grupo está invertida, centrando-se na vitória e não na aprendizagem por parte dos jogadores.

Conclusões

    Tendo em conta os resultados do presente estudo, somos levados a supor que:

  • A formação do treinador parece desempenhar um papel determinante na aprendizagem e domínio dos fundamentos do jogo de basquetebol;

  • Uma formação técnica mais avançada tem consequências práticas vantajosas ao nível da aquisição dos fundamentos ofensivos, aspectos essenciais na aprendizagem da modalidade;

    Na nossa opinião, parece-nos de todo vantajoso apostar em treinadores com um nível de formação mais avançado na liderança de processos de treino nos escalões de formação. Desta forma, poder-se-ia poupar tempo na aquisição e domínio dos fundamentos técnicos do jogo, pois como verificamos neste estudo, em metade do tempo os jogadores treinados por treinadores de Nível II atingiram e superaram os jogadores treinados por treinadores de Nível I.

    A variável tempo assume uma importância capital no ensino e consolidação dos fundamentos do jogo. Porém, ao maior tempo de prática do Gr.1 não corresponde um melhor domínio das habilidades testadas, o que nos leva para os domínios metodológicos, didácticos e pedagógicos. Será que o tempo útil de treino do Gr.1 é maximizado? Será que o planeamento e metodologia do treino estão correctamente estruturados? Pensamos que a uma formação mais avançada do treinador corresponde um maior domínio destas questões do processo de ensino/aprendizagem.

    Assim sendo, não seria de esperar estas diferenças nos resultados, uma vez que o que é avaliado é apenas a vertente técnica.

    Sendo o basquetebol um jogo eminentemente táctico (Araújo, 1992 e Oliveira, 2000) e da análise aos conteúdos dos diferentes níveis de habilitação para o ensino do jogo de basquetebol, constatamos que a táctica apenas é abordada no curso de formação de treinadores de Nível II.

    Sendo este um estudo transversal e limitado à observação de habilidades específicas fora do contexto de jogo, esta temática da formação dos treinadores e sua repercussão no desenvolvimento do praticante, deverá ser alvo de estudos a realizar no futuro, englobando outras variáveis não contempladas neste estudo.

Bibliografia 

  • ADELINO, Jorge; As coisas simples do basquetebol, Março 1994, Associação Nacional de Treinadores de Basquetebol

  • ARAÚJO, J. (1992); Preparação Técnica e Táctica. Edição Federação Portuguesa de Basquetebol e Associações Regionais de Basquetebol.

  • BARRETO, Hermínio (1980); Metodologia do treino. in Da actividade lúdica à formação desportiva. Ed. Hermínio Barreto et al. ISEF, Lisboa

  • BEJA, E. (1980); Defesa Individual – Uma exigência do processo de aprendizagem. in Da actividade lúdica à formação desportiva. Ed. Hermínio Barreto et al. ISEF, Lisboa

  • BRANDÃO, E. (1995); A performance em basquetebol. Um estudo multivariado no escalão de cadetes masculinos. Dissertação apresentada no âmbito do Mestrado em Ciências do Desporto na área de especialização de crianças e jovens. FCDEF-UP. Porto

  • COSTA, C. (1991) Caracterização da intervenção pedagógica de dois grupos de professores com níveis de sucesso distintos no ensino de uma técnica desportiva. in As ciências do desporto e a prática desportiva. Actas do II Congresso de Ed. Física dos PALOP, FCDEF-UP

  • CRUZ, J. (1996) Somatótipo e Habilidades Motoras específicas de Basquetebol: a sua Influência nas opções do Treinador - a Realidade duma Equipa de Cadetes Masculinos. Estudo realizado no âmbito do Mestrado em Ciências do Desporto na área de especialização de crianças e jovens, FCDEF-UP

  • Federação Portuguesa de Basquetebol; (2001) Formação 2001, Gabinete Técnico, Escola Nacional do Basquetebol

  • GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. (1994); O ensino dos jogos desportivos. Centro de Estudos dos jogos Desportivos – Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física – Universidade do Porto

  • JANUÁRIO, C.; GRAÇA, A. (1997); A variável tempo no ensino em Educação Física: uma análise da situação em Portugal. in Educação Física: Contexto e Inovação – Actas do V congresso de Ed. Física e Ciências do Desporto dos PALOP – Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física – Universidade do Porto

  • NETA, Paulo; As habilidades técnicas e a performance em basquetebolistas: Um estudo realizado no escalão de iniciados masculinos, Junho 1999, FCDEF – UP

  • OLIVEIRA, André Esteves; Habilidades técnicas e a performance em basquetebolistas: Um estudo realizado no escalão de iniciados femininos, Abril 2000, FCDEF – UP

  • OLIVEIRA; O Ensino do Basquetebol., 2001, Editorial Caminho

  • PINTO, D. (1995); Indicadores de performance em basquetebol – um estudo descritivo e preditivo em cadetes masculinos. Dissertação apresentada no âmbito do Mestrado em Ciências do Desporto na área de especialização de crianças e jovens. FCDEF – UP. Porto.

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