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A interculturalidade na formação de professores:
possibilidades de (re)significar as práticas
educativas da Educação Física escolar

   
*Licenciada em EF pela UNOESC/SMO. Especialista em EF
Escolar pela UFSM. Mestranda em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação/CE/UFSM.
**Mestre em Ciência do Movimento Humano/CEFD/UFSM.
Docente do Departamento de Desportos Individuais/CEFD/UFSM.
 
 
Andréia Paula Basei*
andreiabasei@yahoo.com.br  
Wenceslau Leães Filho**
wlf@smail.ufsm.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este estudo objetivou refletir sobre as questões que envolvem a educação intercultural, suas implicações na formação de professores e na Educação Física escolar. Partindo das reflexões e perspectivas suscitadas por professores das áreas da Filosofia, História/Literatura e Comunicação Social/Mídia, buscamos contribuições através de uma entrevista aberta, sobre como a questão está sendo discutida para estabelecer articulações com nossa área de estudo. Verificamos que as discussões com relação à diversidade cultural e sua incorporação no currículo não estão acontecendo, ou quando muito acontecem algumas discussões isoladas, dando as práticas educativas e formativas um caráter hegemônico e reprodutivo de ideologias dominantes. Finalizamos, acreditando que as funções delegadas a escola e a universidade nos colocam diante de uma encruzilhada ideológica com relação às responsabilidades destas com a sociedade. No entanto, os professores deverão entender as práticas pedagógicas como uma construção discursiva, rica em intencionalidades, e com as suas finalidades voltadas ao desafio as diferenças e ao preconceito a elas relacionadas, incorporando no currículo discussões que envolvam tal questão, o que pode significativamente contribuir para os sujeitos saírem da menoridade buscando o esclarecimento das questões que permeiam o nosso mundo de vida.
    Unitermos: Educação Física escolar. Formação de professores. Interculturalidade. Práticas educativas.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 117 - Febrero de 2008

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Introdução

Apresentando o estudo e ressaltando a importância da perspectiva intercultural

    A complexidade das relações sociais e a diversidade cultural atualmente requerem novas formas de se elaborar o conhecimento e a pesquisa no âmbito da Educação e da Educação Física mais especificamente. A constante relação entre os fenômenos culturais e as grandes mudanças e avanços ocorridos nas ciências, atuaram e atuam como processos de desestabilização e fragmentação dos códigos culturais, ou seja, as distâncias e barreiras entre os sujeitos, as culturas e suas formas de manifestação estão cada vez mais estreitas e articulando-se por completo, tornando o mundo cada vez mais interconectado em suas novas combinações espaço-tempo (HALL, 2005).

    Tratando-se da área do conhecimento humano, onde se insere a Educação a relação entre Educação e cultura(s), requer uma análise da complexidade dessas questões, onde convivem diferentes perspectivas e possibilidades para formação dos sujeitos, que devem levar em conta esse "novo" cenário.

    No entanto, percebemos que a escola, através de seus docentes, tem ignorado conhecimentos e experiências dos grupos cujos padrões culturais não correspondem aos impostos pela cultura ocidental hegemônica, pois a instituição escolar parece ter dificuldade em reconhecer que grande parte da população não se enquadra nos parâmetros determinados por uma concepção universalista de cultura. Por tudo, não é raro observarmos que os alunos apresentem resistência em relação à escola, porque, muitas vezes, seus valores e saberes não são aceitos e nem valorizados dentro desse contexto.

    Tratando-se da Educação Física Escolar, a qual tem seus conteúdos de ensino baseados e fundamentados na cultura do movimento humano, as manifestações e expressões do corpo em movimento de grupos minoritários ou pertencentes a outras culturas não são tratados como perspectiva de estudo e subsídios para reflexão nas práticas pedagógicas, mas se apresentam muito mais como um problema que dificulta a atuação dos professores e a aceitação/implantação dos valores da cultura hegemônica, já naturalizada no ambiente escolar.

    Além disso, dentro dos conhecimentos/conteúdos da área da Educação Física, consolidou-se em nossa cultura uma importância fundamental a determinadas formas de movimento, ligadas aos esportes institucionalizados/normatizados que representam uma cultura hegemônica no âmbito dos conteúdos trabalhados, colaborando ainda mais para a seletividade do processo de ensino e aprendizagem.

    No Brasil, com o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), os quais elegeram como um dos seus temas transversais a Pluralidade Cultural, há a recomendação ao atendimento as necessidades singulares dos alunos,

[...] a educação escolar deve considerar a diversidade dos alunos como elemento essencial a ser tratado para a melhoria da qualidade de ensino aprendizagem. A escola ao considerar a diversidade, tem como valor máximo o respeito as diferenças - não o elogia a desigualdade. As diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa, podem e devem, portanto, ser fator de enriquecimento (p. 96-97).

    No entanto, contraditoriamente as diretrizes apresentadas, as políticas educacionais e as práticas pedagógicas observadas nas escolas estão fundamentadas em uma ação homogeneizadora com um currículo monocultural que, muitas vezes, ignora e cala a diversidade cultural.

    Entendendo que todas as culturas têm valor e podem contribuir para enriquecer o processo de construção do conhecimento, acreditamos que a Educação deveria assumir uma perspectiva intercultural, pois esta apresenta-se como uma possibilidade de se compreender a complexidade das interações humanas, criando condições para que haja crescimento de todos os sujeitos e grupos aos quais pertencem, promovendo mudanças profundas na educação.

    Segundo Candau (2000) a origem dessa corrente pedagógica pode ser situada aproximadamente a trinta anos atrás, nos Estados Unidos, a partir de movimentos de pressão e reivindicação de algumas minorias étnico-cuturais, principalmente os negros. Já na América Latina, esta abordagem surge referida às populações indígenas. Dessa forma, "[...] é possível afirmar que a perspectiva intercultural em Educação não pode ser dissociada da problemática social e política presente em cada contexto" (p. 49).

    A perspectiva intercultural se diferencia da multicultural na medida em que, conforme Forquin (1993: 139), enquanto o multiculturalismo se satisfaz com uma composição cultural mosaica, o interculturalismo define a diferença como uma relação dinâmica entre duas entidades que se dão mutuamente um sentido. Conforme o autor ainda, uma pedagogia intercultural deverá necessariamente se dirigir a todos os grupos, e não apenas aos grupos minoritários ou situados nas áreas de contatos culturais.

    É dentro desse aspecto que podemos afirmar, então, que a incorporação de uma perspectiva intercultural, "[...] não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades realizadas em momentos específicos ou por determinadas áreas curriculares, nem focalizar sua atenção a determinados grupos sociais" (CANDAU, 2000: 51).

    A partir dessa perspectiva a concepção de Educação é ampliada, passando a ser entendida, como salienta Fleuri (2003: 20):

[...] como um processo construído pela relação tensa e intensa entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos que, justamente por se conectar dinamicamente com os diferentes contextos culturais em relação aos quais os diferentes sujeitos desenvolvem suas respectivas identidades, se torna um ambiente criativo e propriamente formativo [...].

    Para a escola, ficar alheia nesta problemática significaria praticamente como tratá-la com seus meios e fins em si própria, destituindo seu valor como instituição social, transmissora e produtora de cultura(s) que, juntamente com outros fatores, são a base para a construção de novos conhecimentos e para a aprendizagem dos sujeitos.

    Acreditamos que as mudanças só serão efetivas quando todos os sujeitos do processo - professores formadores, professores e alunos - estiverem comprometidos com a questão. Enfatizamos assim, como nos aponta Nóvoa (1992) que é impossível imaginar alguma mudança que não passe pela formação de professores. Entendemos que pensar a formação de professores abrangendo uma perspectiva intercultural seria um passo importante para romper com a idéia de homogeneidade do ensino, possibilitando a compreensão dos alunos, de sua cultura de origem, criando estratégias para a prática pedagógica que visam atender aos interesses de todos os grupos presentes na escola. Nessa perspectiva ainda, a formação possibilitaria uma reflexão sobre a complexidade da sociedade atual e de questões nela presente, tais como: a diversidade cultural, a desigualdade social, o processo de globalização, suas causas e conseqüências para a vida dos alunos, entre outras questões.

    Dentro desse contexto, o presente estudo objetivou refletir sobre as questões que envolvem a Educação intercultural e suas implicações para a Educação Física Escolar. Para isso, num primeiro momento, buscamos na grande área que trata do conhecimento humano, algumas contribuições sobre como a questão está sendo discutida, partindo das reflexões e perspectivas suscitadas por professores das áreas da Filosofia, História/Literatura e Comunicação Social/Mídia. E, num segundo momento, buscamos estabelecer articulações com a Educação Física Escolar e a formação de professores, espaço no qual acreditamos que devem começar as mudanças.


Contribuições teóricas a destacar: a educação e a influência cultural

    A sociedade atual está passando por grandes transformações, transformações estas, produto de uma construção histórico-cultural do homem em seus diversos contextos, que a toda hora trazem uma nova situação de vida, a reflexões profundas acerca das mudanças, que de forma direta atingem as tradições culturais e instituições mais cristalizadas de nossa sociedade. Diante do processo de globalização, marcado pelo rápido e gigantesco avanço tecnológico, e conseqüentemente do redimensionamento do imaginário social, é de fundamental importância para o campo educacional, a ampliação da compreensão das questões culturais, pois percebemos nestas discussões um forte componente de intervenção e transformação de situações características em nossa sociedade, tais como exclusão, racismo, injustiça social, entre outros.

    Ao propormos aqui uma reflexão sobre cultura, buscando uma fundamentação teórica para este estudo, sabemos da amplitude e dificuldade de uma abordagem conceitual, que atenda todas as possibilidades de interpretação que o termo merece. Contudo, partimos da idéia de que a cultura é uma construção dos homens, uma vez que como nos aponta Rezende (1990), a cultura trata-se da experiência mais primitiva e englobante do homem, coincidindo com o término do processo biogenético de hominização e o início do processo histórico de humanização. A história do homem perpassa diversos momentos que marcam significativamente sua construção, e a cultura pode ser considerada como o marco maior, a qual tornou-se necessária quando os seres humanos começaram a se organizar em grupos segundo uma coordenação de ações e linguagem que o caracteriza. Com a expansão do número desses grupos, consequentemente surgem novas formas de linguagem que irão dar origem a diversidade de culturas que vemos atualmente. A necessidade de considerarmos os traços característicos e a relação entre as diferentes culturas que compõem o nosso mundo de vida se torna importante na medida em que percebemos esses grupos não como comunidades isoladas, mas que podem e devem se comunicar entre si.

    Ao falarmos de cultura, então, é necessário ampliarmos o seu conceito partindo de uma dimensão mais abrangente, assumindo a diversidade cultural. Concordamos com Faundez; Freire (1985 apud CANDAU, 2000: 73), que, ampliando essa compreensão, entendem que:

A cultura não é só a manifestação artística ou intelectual que se expressam no pensamento. A cultura manifesta-se, sobretudo, nos gestos mais simples da vida cotidiana. Cultura é comer de modo diferente, é dar a mão de modo diferente, é relacionar-se com o outro de outro modo. [...] Cultura para nós, gosto de frisar, são todas as manifestações humanas, inclusive o cotidiano, e é no cotidiano que se dá algo essencial: o descobrimento da diferença.

    Nesta dimensão, nossa compreensão de cultura, se dá em uma abordagem antropológica, baseada no conceito de Geertz (1989: 15, grifo nosso),

[...]o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e suas análises; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis. Mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado[...].

    Ao tratarmos de cultura como um entrelaçado sistema de significados interpretáveis, ela deve ser percebida dentro de um contexto, onde os comportamentos, os acontecimentos sociais, as instituições e os processos possam ser explicados de forma inteligível. O conceito de cultura, portanto, denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, "[...]um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação a vida" (GEERTZ, 1989: 103).

    De acordo com essas perspectivas, verificamos uma grande complexidade em relação a cultura e ao entendimento dos fenômenos sociais. Assim, acreditamos que o grande desafio, como apontado por Candau (2000) sobre a questão cultural é lidar com a diversidade, com a multiplicidade de perspectivas e tendências em relação à questão da(s) cultura(s), e saber interpretá-las no seu sentido mais amplo.

    Relacionando-se ao processo educacional, compreendemos que é parte integrante de um contexto social mais amplo, atravessado pelas categorias de etnia, gênero, identidade, enfim, pela diversidade de formas de manifestação cultural, e que devem assim ser tratados, visto que a cultura não é um poder, algo onde os acontecimentos se dão casualmente, mas numa relação de trocas constantes para a construção de identidades culturais.

    A escola quando se instala em uma comunidade, traz em seu meio a problemática da transmissão/produção cultural, pois esta é apontada como uma de suas funções. Entretanto, a preocupação por uma Educação que respeite a diversidade cultural nos aponta para questões de reflexão que muitas vezes acabam por criar discursos que não são legitimados nas práticas, tratando dos sujeitos de forma homogênea, tanto no que se refere a sua cultura de origem, quanto na construção de uma identidade cultural própria do sujeito.

    De acordo com Forquin (1993: 168) "educar, ensinar, é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que ele deles se nutra, que ele os incorpore a sua substância, que ele construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles", não desconsiderando a bagagem cultural que a pessoa traz consigo, pois esses elementos servirão para ampliar sua formação.

    Baseado no conceito de cultura proposto por Geertz (1989), McLaren (1991, p. 33), escreve que "[...] a cultura da escola é informada por determinantes específicos de classe social, ideologias e estruturas da sociedade maior [...]", trazendo assim, as marcas da cultura do sistema dominante, caracterizado atualmente pela sociedade capitalista. Nesse sentido, entendemos que a escola, como instituição social, mantém e deve manter uma relação dialógica com um sistema social e cultural ao qual se insere, porém, este espaço encontra-se permeado por relações antagônicas, visto que, ao mesmo tempo que reproduz as estruturas de dominação existentes na sociedade, constitui-se em um espaço onde se pode lutar pelas transformações sociais, se as concepções de ensino estiverem baseadas numa perspectiva crítica e transformadora.

    Sob este entendimento e como mencionado por Bourdieu (1999: 221), a cultura que a escola transmite,

[...] separa os que a recebem do restante da sociedade mediante um conjunto de diferenças sistemáticas: aqueles que possuem como 'cultura' [...] a cultura erudita veiculada pela escola dispõem de um sistema de categorias de percepção, de linguagem, de pensamento e de apreciação, que os distigue daqueles que só tiveram acesso a aprendizagem veiculada pelas obrigações de um ofício ou a que lhes foi transmitida pelos contatos sociais com seus semelhantes.

    Compreendendo a escola como um campo aberto para as discussões sobre "as culturas" que permeiam nosso contexto escolar, concordamos com Pérez Gómez (2001: 17), sobre a necessidade de,

[...] considerar a escola como um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica, que a distingue de outras instituições e instancias de socialização e lhe confere sua própria identidade e sua relativa autonomia, é a mediação reflexiva daqueles influxos plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações, para facilitar o seu desenvolvimento educativo.

    Nesse contexto, quando nos referimos a Educação escolar e sua função de produção/transmissão de conhecimento, consideramos que ela serve para propagar um modelo cultural, e nisto reside uma problemática amplamente discutida na hora da seleção dos conteúdos: O que ensinar? Qual é o projeto cultural a ser seguido? Existe um modelo a ser seguido?

    Observamos que sempre há uma seleção de conteúdos da cultura a serem ensinados, não podendo estes serem demasiadamente objetivos e/ou abstratos, visto que a Educação visa introduzir os sujeitos no interior de um mundo, que teoricamente não conhecem e que devem vir a habitá-lo. Então, a Educação escolar não pode se limitar a transmitir os conhecimentos disponíveis em um dado momento, visando justificar a ideologia dominante, mas tratar de saberes que são significativos para os alunos, os quais possam estabelecer sentidos e relacioná-los ao seu cotidiano, dando embasamento para suas ações e construções de pensamento e novos saberes.

    A compreensão dos processos e práticas educativas, como mencionado por Forquin (1993: 167) "[...] supõe levar em consideração as características culturais dos próprios professores, os saberes, os referenciais, os pressupostos, os valores que estão subjacentes [...] à identidade profissional e social".

    Assim, verificamos que, mesmo tendo uma ordem maior estabelecendo os conteúdos que formam o currículo escolar, dependendo da ideologia, da concepção de homem e sociedade incorporados pelos professores durante sua formação e sua experiência, o trato dado aos conteúdos, a maneira de interpretá-los, o sentido/significado estabelecido para o mesmo irá influenciar na prática pedagógica e, portanto, na transmissão/produção cultural.


Apresentando a pesquisa

    Este estudo, caracterizado pelo enfoque fenomenológico, com abordagem qualitativa, que de acordo com Minayo (2004: 21), "[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos", teve como participantes três professores (P1, P2 e P3) da Universidade Federal de Santa Maria, de áreas que tratam do conhecimento humano, sendo elas: Filosofia, História/Literatura e Comunicação Social/Mídia. A escolha dos participantes se deu de forma aleatória, levando em consideração a disponibilidade dos professores em participar da entrevista e uma possível articulação de pensamento com a área da Educação Física.

    A coleta das informações foi realizada através de uma entrevista aberta, onde buscamos identificar como a perspectiva da Educação intercultural é vista por eles, como está sendo tratada em cada área do conhecimento, desafios a serem enfrentados, possibilidades de se efetivamente incorporar a perspectiva nas diferentes áreas quando se fala em formação de professores. A escolha pela entrevista aberta justificou-se pelo interesse em não orientar as discussões para possíveis respostas esperadas, mas saber realmente o que se pensa sobre a questão na referida área de atuação dos professores.

    As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e, em seguida, foram analisadas através de uma interpretação hermenêutica. Sendo a hermenêutica a "ciência da interpretação", ela trata de uma tríplice tarefa: anunciar, traduzir e explicar. Ela supõe o reconhecimento de uma racionalidade própria das ciências humanas, que nenhuma outra forma de análise é capaz de compreender. Esse tipo de interpretação é necessário pela impossibilidade de separar o sujeito do objeto, a circularidade entre as partes e o todo ou a mútua dependência entre as partes e a totalidade e a referência a um ponto de vista, a partir do qual se institui todo o conhecimento (GONZALEZ; FENSTENSEIFER, 2005: 226).

    Como nos aponta Santin (2001), através desse tipo de interpretação é possível mostrar e descrever os possíveis caminhos que conduzem a soluções e respostas, sendo estas de inteira responsabilidade do sujeito pensante. É importante salientar ainda, que as possíveis soluções e respostas não podem ser tomadas como "[...] um ponto final conclusivo, mas como um momento do processo de construção do pensamento-caminho ou do pensador-caminhante" (p. 62).

    Por isso, há que se considerar que, ao buscar identificar os possíveis significados dos fatos, a hermenêutica permite uma multiplicidade de discursos e significados, o que para a fenomenologia é fato fundamental para a existência do ser-no-mundo.


A diversidade cultural e as implicações para a prática pedagógica

    Uma das condições fundamentais para práticas educativas interculturais é a necessidade de uma reestruturação cultural das formas de agir, sentir e pensar o mundo, e, portanto, a Educação. Essa estruturação, de nada servirá se não implementarmos mudanças em aspectos culturais enraizados em nossas escolas, que pelas transformações constantes na sociedade, acabam não satisfazendo mais as necessidades dos sujeitos. Dentro desse aspecto, o professor P3 menciona o processo de globalização com suas diferentes formas de entendimento, onde "por um lado o processo de globalização é entendido como um processo de fechamento, de dominação cultural, mas por outro, é entendido como uma abertura, [...] que acaba forçando a uma revisão e uma interação maior dessa perspectiva cultural".

    Para tanto, devemos repensar a idéia de cultura que se perpetuou em nossas escolas, pois como afirma o professor P1 "[...] a gente tem uma cultura, temos uma tradição de uma escola, de um ensino autoritário" o que ao nosso ver legitima cada vez mais as relações de dominação, e continuação de uma situação degradante de exclusão e marginalização, evidenciada nas relações e lutas travadas em nossa sociedade de classes. Sob este mesmo enfoque o professor P3 considera que "[...] nós temos hoje, do ponto de vista da difusão da cultura branca, temos [...] um modelo de produção cultural que é hegemônico e que apesar de outras produções aparecerem nesse contexto, elas não tem espaço significativo".

    É partindo dessas premissas que falamos na necessidade de tratarmos da cultura como um recurso de fomento a resistência no campo da Educação, abrindo inúmeras possibilidades de construção de uma nova cultura, fundada na interação dos sujeitos consigo mesmo, com os outros e com as diferentes esferas que formam a sociedade e seu poder para transformar uma determinada situação. E a escola, configura-se como um espaço importante para começar as mudanças, no sentido de compreender e conviver com a diversidade de manifestações presentes na sociedade, como afirma o professor P1 "[...] a escola é um laboratório vivo nesse sentido" e o grande desafio é "[...] fazer com que essas diferentes manifestações circulem dentro da escola".

    Compreendendo o espaço escolar com suas particularidades em relação a outros espaços sociais, devemos tratá-lo enquanto uma instituição social, influenciada e produzida por determinações histórico-culturais, sendo esta a mais adequada forma para chegarmos a um entendimento sobre as manifestações simbólicas do meio escolar. Assim, partimos do pressuposto de que qualquer espaço, criado ou não pelo homem, só possui sentido se for por ele habitado, explorado, pois é ele quem estabelece uma relação de interdependência com seu meio enquanto ser que se movimenta, se relaciona e modifica este contexto em que vive.

    Dentro dessa perspectiva e, pensando mais especificamente na Educação Física, a qual tem como objeto de estudo a cultura do movimento humano e suas inúmeras formas de manifestação, sendo que, o que qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado de mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente e que o coloca no plano da cultura (KUNZ, 1991) permite-nos tratar da Educação Física, não somente como área que trata do corpo e do movimento, mas como área que trata do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e isso, poderá nos propiciar um reconhecimento da diversidade cultural, das semelhanças e diferenças entre elas.

    A partir disso, como nos aponta o professor P2, dentro de uma perspectiva intercultural a questão é pensar "se a Educação Física for trabalhar com os índios, vai fazer o que? Se a Educação Física vai trabalhar num meio urbano, ou num meio rural que é que vai fazer? Essas são as questões que são pra mim de fato, significativas [...]".

    Sendo assim, o reconhecimento das diferenças configura-se como um processo de fundamental importância, pois pode ser o primeiro passo em direção a uma Educação intercultural, visto que, se reconhecermos que existem diferenças, podemos problematizar as práticas pedagógicas, de modo que estes sujeitos construam suas ações, também a partir das experiências que os outros lhes proporcionarem, criando uma rede de inter-relações.

    Apesar de reconhecerem que é de fundamental importância encontrarmos espaço para que esse debate permeie as discussões em âmbito escolar, os professores apontam dificuldades para que esse processo se consolide. De acordo com o professor P1, as dificuldades esbarram na "questão da estrutura escolar, que tem alguns probleminhas", apontando ainda que "nas escolas menores [...] talvez seja um pouco mais fácil [...] mas nas escolas maiores, pela própria natureza, o tamanho da escola, certamente dificulta". Mas como enfatiza o professor P1 "a principal dificuldade na escola é tu encontrar professores dispostos, o pessoal fica naquela aulinha e tal ".

    Já para o professor P2 as dificuldades tem uma abrangência ainda maior, segundo ele, "o problema não está na Educação Física só, o maior problema está na sociedade, está nos meios de comunicação, ai você encontra os grandes problemas pra enfrentar". Justificando ainda que a escola da forma como está organizada transmite a "a ideologia do controle e da dominação" afirmando que na escola não se vai para "aprender a pensar, mas pra aprender modelos de pensar". As colocações do professor P3 seguem esta mesma direção, pois conforme ele "tudo está muito ligado às questões de poder. Quem tem poder sobre os meios de comunicação determinam quais são os focos. Se essas culturas [minoritárias] elas não estão no comando, dificilmente elas serão divulgadas".

    Considerando a Educação Física Escolar, enquanto possibilidade para colaborarmos com a criação de uma prática intercultural, é possível identificar as relações de poder que são expostas pelos professores, pois percebemos desde a seleção dos conteúdos que existe uma cultura hegemônica, no caso os esportes coletivos, e também a partir daí a incorporação das regras, normas e valores da instituição esportiva, padronizando os espaços, os tempos e os movimentos dos sujeitos, tornando-os alienados, fomentando uma prática acritica e sem sentido. Por isso, como nos aponta Kunz (1996: 97) "[...] o problema maior que se apresenta neste momento antes de discutir as possibilidades pedagógicas do Esporte na escola é verificar se o núcleo central da Educação Física Escolar deva ser o Esporte ou o Movimento Humano". Dentro dessa perspectiva, salienta-se o papel que a indústria cultural tem no âmbito da Educação Física, ao estabelecer e/ou servir de referência para sua compreensão na escola e também fora dela.

    Para isso, concordamos com o autor, primando pela necessidade de esclarecimento, "[...] não apenas sobre os fatos e coisas, mas esclarecimento sobre interesses. [...] que conduzem a uma melhor compreensão de Mundo, de Sociedade, de Indivíduo, de si mesmo e do outro e das complicadas relações destas" (KUNZ, 1996: 103).

    Portanto, para construirmos uma prática educativa com base na interculturalidade, a racionalização do mundo esportivo, o rendimento, a competição, não podem ser considerados como parâmetros para a atuação do professor de Educação Física preocupado com a formação de seus alunos e com as relações que irão estabelecer fora do contexto escolar, necessitando conviver com uma diversidade de manifestações culturais.


Interculturalidade na formação de professores: necessidades, possibilidades e desafios

    Considerando a multiplicidade de culturas existentes na sociedade e a necessidade de se tratar delas em âmbito escolar, surge a necessidade cada vez mais urgente de se promover uma Educação que tenha como princípio o trato com a diversidade através de uma perspectiva intercultural. Nesse contexto, e como apontamos anteriormente, estamos de acordo com Nóvoa (1992) ao afirmar que é impossível imaginar uma mudança na Educação que não passe pela formação de professores, que serão os agentes diretos da mudança na escola.

    Essa preocupação é apontada também por Giroux (apud SILVA, 2002: 88), onde diz que, diante das mudanças que vem ocorrendo no mundo,

Os educadores/as não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho que, na verdade, as escolas já estão tendo que enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na definição do significado e do propósito da escolarização, no que significa ensinar e na forma como os/as estudantes devem ser ensinados para viver em um mundo que será amplamente globalizado, high-tech e racialmente diverso que em qualquer outra época na história.

    No entanto, o que observamos atualmente, nos cursos de licenciatura, e não somente no caso da Educação Física, como podemos ilustrar com a fala do professor P1, "[...] é que a estrutura dos cursos em geral, elas estão pouco voltadas ou pouco preocupadas com essas questões da Educação. Embora seja curso de licenciatura, formação de professores, tem uma carga didática pequena e a grande maioria dos professores, [...] é resistente a isso". Sobre esta questão o professor P2 acrescenta que, "é um modelo de formação único, o que a Marilena Chauí chama de discurso único, de mão única". Sendo assim, percebemos que o problema de um currículo monocultural e técnico na formação de professores é o grande desafio a ser superado ao tratarmos da questão da interculturalidade.

    Candau (1998) também defende uma proposta de formação de professores fundamentada na perspectiva intercultural, acreditando que somente com uma formação voltada para a diversidade cultural os professores podem colaborar para desestabilizar o papel homogeneizador da cultura escolar.

    Considerando a diversidade cultural presente tanto na escola como nos cursos de formação e na sociedade em geral, o professor P2 acrescenta que as manifestações "[...]são homogeneizados pelo paradigma da ciência e da técnica, [...] aplico as técnicas específicas das ciências, [...] quando muito há um esforço de tentar mostrar que o sujeito tem que ter um compromisso social". E, tentando refletir um pouco sobre essas implicações na Educação Física, mais especificamente ele afirma: "[...] a Educação Física, ela não tem uma participação do professor, do formado em Educação Física. O que apresenta aí são os princípios, os objetivos das ciências empíricas, o movimento não tem um valor humano, tem um valor mecânico" (P2).

    Falando sobre o tratamento da questão na sua área, o professor P3 afirma que trabalha as questões relativas a diversidade, no entanto, o que é feito é "[...] uma leitura que busca identificar os elementos ideológicos que estão por trás das mensagens, etc., mas não temos uma preocupação com relação a mudança, [...] não somos ativistas em relação a mudança". Partindo desse comentário, percebemos que, embora na área do professor P3 não seja voltada prioritariamente à formação de professores, a diversidade cultural é tratada, mas demonstra limitações com relação a transformação de algumas questões, especialmente midiáticas, que afetam diretamente a Educação e a sociedade. O que queremos ressaltar é a necessidade de todos os sujeitos estarem realmente comprometidos com um processo de mudança, não atribuindo responsabilidades a determinadas áreas ou pessoas - professores - como se sozinhos pudessem mudar as situações degradantes de nossa sociedade, que vem se disseminando por longos anos.

    Outra questão de grande implicação é, de acordo com o professor P1, que o futuro profissional "Sai com uma formação teórica muito boa, são alunos bem preparados para essas questões conteudistas, mas a prática de escola é muito deficiente, [...] as pessoas até podem refletir sobre isso [influência cultural na Educação], mas não traduz isso para a prática de aula, porque a gente tem programas [...]".

    Diante disso, observamos que a racionalidade técnica, cujas raízes foram afincadas no positivismo, trouxe historicamente limitações para o tratamento de algumas questões consideradas fundamentais para a Educação, seja pela supervalorização da técnica, de conhecimentos teóricos ou do praticismo que exclui uma formação mais filosófica e reflexiva. Isso implica a redução do conhecimento dentro de programas, como menciona o professor P1, ou seja, existe uma seqüência de conteúdos/conhecimentos a serem transmitidos - e não construídos nesse caso - que estão pré-determinados, elaborados para funcionar em circunstâncias idealizadas que permitem o seu cumprimento. Nessa racionalidade instrumental acaba por se criar uma racionalização, uma vez que, existe um sistema criado a priori e a realidade deve se encerrar dentro dele, desconsiderando as complexas situações da escola/universidade enquanto organização produzida e produtora de uma sociedade complexa e heterogênea, onde é impossível reduzí-la a homogeneização.

    A necessidade de se incorporar, nos programas de formação de professores, conhecimentos, competências e atitudes que permitam compreender as complexas situações as quais está exposto o ensino atualmente é exaltada por Garcia (1999: 92), onde nos aponta que "os professores devem possuir amplos conhecimentos sobre a realidade em que vivem em diferentes dimensões cultural, social, econômica e ambiental". Para isso, os professores devem ser formados no domínio das competências didáticas que lhes permitam desenvolver projetos curriculares onde a dimensão intercultural seja integrada. Neste sentido, Garcia (1999) apresenta uma proposta que abrange os conteúdos da formação inicial com maior amplitude, classificando em três categorias: teoria, sociedade e classe1, dando dessa maneira uma perspectiva intercultural a formação de professores.

    Dentro dessa perspectiva, exercem também um papel fundamental quando se fala em mudança, os formadores de professores, considerados os verdadeiros mediadores de qualquer proposta de renovação. De acordo com Garcia (1999: 94), "os formadores de professores têm não apenas a responsabilidade de incluir conteúdos relativos a temas culturais nos quais se destaque a diversidade, as diferenças, etc., mas também a de desenvolvimento de metodologias de ensino que permitam a reflexão e a análise intercultural".

    Entendendo desse importante papel dos formadores de professores, o professor P1, considera estar aí, mais uma deficiência para a renovação das práticas, segundo ele, existe na universidade "[...] um conjunto de professores muito mais preocupado em dar uma densidade de conhecimento ao aluno, conhecimentos chamemos aqui técnicos, do que propriamente preocupado em formar esse aluno para ser professor", pois conforme aponta este professor "agora passamos por uma safra assim muito voltada para as questões de pesquisa e para a pós-graduação e muito pouco preocupada, ou nada preocupada com essa questão do ensino, essa é a realidade". Sob o mesmo entendimento o professor P2 afirma: "a formação, e não só a de Educação Física, não vou construir a minha aula a partir das pessoas que estão aí, a minha aula já está montada, preparada e organizada, vocês entram nesse esquema".

    Essa questão é apontada pelo professor P2 como um aspecto que dificulta desde a criação de espaços para debater as questões culturais, bem como de se "[...] recolocar o discurso pedagógico na Educação Física", justificando que "[...] com o mercado de trabalho, com a profissionalização da Educação Física" as pessoas acabam se acomodando a ideologia dominante ao invés de levantarem questionamentos. Sendo que a própria Educação Física assumiu como alternativa e inspirou-se "na globalização do sistema produtivo, mundo do trabalho, do rendimento, [...] essa é a ideologia existente no mundo atual" (P2).

    O quadro que se desenha em nossas escolas, em nossas universidades e na sociedade como um todo é o de quem, um dia foi dominado pela ciência, pela racionalidade técnica, onde tudo e todos devem se enquadrar dentro dos padrões e dos métodos por ela criados seja no sistema social, cultural, econômico ou político, e a universidade que de certa forma, pode-se considerar como um lugar privilegiado para se lutar contra essa forma de dominação criando uma cultura contra-hegemônica acabou se incorporando ao modelo monocultural que vem se cristalizando em nossa sociedade.

    Outro aspecto importante quando falamos de uma perspectiva intercultural para a Educação é o abandono, por parte dos professores, de uma perspectiva monocultural, da postura que Stoer (1994) denomina de daltonismo cultural. Segundo o autor, o professor daltônico cultural é o que se mostra resistente a heterogeneidade, ao arco-íris de culturas que tem nas mãos quando trabalha com seus alunos. Essa postura dificulta o aproveitamento da riqueza presente na diversidade de símbolos, significados, padrões de interpretação e manifestações presentes na aula de Educação Física, na escola e na sociedade.

    É importante ressaltar, como nos aponta Fleuri (2003) que a perspectiva intercultural na Educação não se caracteriza como mais uma disciplina no currículo de formação de professores, mas sim, como um meio para pensar, propor, produzir e dialogar com as relações de ensino e aprendizagem. Isso significa que, de nada adianta ter um professor formador com suas concepções de formação voltadas a essa perspectiva, se todos os outros, não a tiverem como um princípio pedagógico para as suas aulas, pois assim, a ênfase irá recair mais uma vez a situações isoladas durante o processo de ensino e aprendizagem.

    Nesse cenário, como aponta o professor P2, "[...] esse seria o debate, só que falta platéia e falta gente inclusive que debata com consistência esse tema". Na fala do professor P3 identificamos que realmente embora existindo essa consciência, não se traduz em ações práticas, pois como ele afirma tem "[...] uma visão crítica sobre isso, não negativa [...], mas não somos ativistas". Ou seja, não basta querermos proporcionar discussões sobre a perspectiva intercultural, é preciso nos prepararmos para dar consistência ao debate, para transcendermos as fronteiras entre uma postura acrítica, assimilacionista, crítica e intercultural de fato.

    Para isso temos que levar em conta também o modelo de formação dos formadores de professores, que de certa forma traz a eles determinadas limitações, pois como nos afirma Vreede (apud GARCIA, 1999: 91) "a formação de professores não está disposta para um educação pluralista. Isso deve-se em parte ao fato de que os formadores de professores em geral são produto de uma educação monocultural".

    Nesse contexto, consideramos importante nos apropriarnos das contribuições de Stoer (1994) ao falar da construção do professor inter/multicultural, afirmando que o professor intercultural encara a diversidade como fonte de riqueza para o processo de ensino e aprendizagem, toma em conta a diversidade cultural na sala de aula tornando-a condição da confrontação entre culturas, defende a descentração da escola - a escola assume-se como parte da comunidade local, conhece as diferenças culturais através do desenvolvimento de dispositivos pedagógicos na base da noção de cultura como prática social, entre outras características.

    Portanto, o professor de Educação Física, trabalhando diretamente com as questões culturais que envolvem o movimento humano, e as inúmeras influências sofridas por outras instituições sociais, seja na universidade, seja na escola, precisa estar preparado para enfrentar, e mais do que isso, tratar pedagogicamente a questão da diversidade cultural em suas aulas. E esse tratamento da diversidade não se restringe a diversidade dos sujeitos que estarão presentes na sua aula e suas inúmeras e subjetivas formas de expressão através do movimento, mas também, da diversidade em relação aos conteúdos curriculares da Educação Física, pois assim, estaremos (des)construindo estereótipos e práticas hegemônicas e homogeneizadoras das práticas pedagógicas da Educação Física Escolar, repercutindo na vida dos sujeitos para além dos muros escolares.


Finalizando, sem a tentativa de concluir...

    Como pode ser observado, as reflexões dos professores participantes ao enfocarem a diversidade cultural e a Educação intercultural, confirmam o fato de que, dependendo do ponto de vista adotado, da área de estudos, e das preocupações priorizadas, os caminhos para cada situação problema podem seguir rumos diversos. Por isso, não temos dúvidas de que as funções delegadas à escola e à universidade nos colocam diante de uma encruzilhada ideológica com relação às responsabilidades destas com a sociedade. No entanto, deixam claramente explicito que as questões culturais estão presentes em todas as áreas do conhecimento e influenciam significativamente na Educação, devendo serem tratadas com prioridade, independente da área do conhecimento, se quisermos construir novas relações destas com o conhecimento, superando modismos, relações de poder e de dominação.

    Outro fato que nos chama a atenção, é que embora se tratando de áreas do conhecimento humano, as discussões com relação a diversidade cultural e sua incorporação no currículo não estão acontecendo, ou quando muito acontecem algumas discussões isoladas, impedindo uma maior consistência ao debate, pois são tratadas por poucos professores e/ou em disciplinas específicas, perdendo em relevância aos conhecimentos técnicos específicos de cada área. Isso pode ser observado se nos reportamos a Educação Física Escolar e formação dos professores em Educação Física, onde tem-se um conjunto de conhecimentos a serem "transmitidos", pautados por saberes técnicos e práticos onde as discussões sobre cultura e diversidade, que estão presentes não são focalizados ou tidos como referência para a construção do conhecimento, pois são tratados muito isoladamente em raras disciplinas, como exemplo podemos citar a Educação Física Inclusiva.

    Sabendo das dificuldades que envolvem tal questão, e não somente na Educação Física, acreditamos na necessidade de buscar formas de interlocução com pesquisadores do assunto, pois pensamos que assim, poderemos avançar com as aproximações e os atritos com outras áreas do conhecimento, enriquecendo nossa teoria e nossas práticas, saindo de um mero discurso para uma práxis2 inovadora.

    Por fim, acreditamos ser possível afirmar que, particularmente no que se refere a Educação Física e a necessidade de se incorporar uma perspectiva intercultural, novos estudos com outros enfoques e aprofundamentos são pertinentes. Não para esgotar o tema ou propor respostas e práticas modelo, definitivas para a questão, mas para favorecer novas perguntas, novas práticas, novas relações, novas leituras e novas discussões. Contudo, acreditamos poder contribuir para que esses novos estudos incentivem a busca de uma nova perspectiva para a construção dos currículos baseados numa perspectiva intercultural desde a formação de professores até as suas futuras atuações e intervenções, fazendo com que o debate chegue até a escola. Para isso, os professores deverão perceber as práticas pedagógicas como uma prática que se constrói discursivamente, rica em intencionalidades, e com as suas finalidades voltadas ao desafio as diferenças e ao preconceito a elas relacionadas.

    Com relação à formação de professores, considerada aqui como um espaço importante para começar as mudanças, acreditamos na necessidade de se investir na formação inicial e, principalmente continuada, para os professores em serviço, com propostas que venham sensibilizar esses educadores para a diversidade cultural, o que pode significativamente contribuir para os sujeitos saírem da menoridade e construírem-se como sujeitos críticos, criativos e autônomos, buscando o esclarecimento das questões que permeiam o nosso mundo de vida.


Notas

  1. As categorias Teoria, Sociedade e Classe com seus respectivos conteúdos são tratadas em Garcia (1999: 92-93).

  2. Por Educação como uma práxis inovadora entendemos o seu desenvolver em contextos reais, carregada de intenções e de interpretações subjetivas, construídas por seus diversos atores e refletida em usos de natureza prática, permitindo a transformação social e também a transformação do próprio sujeito.


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