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Estereotipos de géneros e aulas de Educação Física

   
*Ph.D. em Sociologia - Sociologia do Desporto pela Universidade de
Leicester - Inglaterra. Professora auxiliar no Instituto Superior da Maia
**Licenciada pelo Instituto Superior da Maia
(Portugal)
 
 
Claudia Pinheiro*  
Silvia Lopes**
claudiapinheiro@netcabo.pt
 

 

 

 

 
Resumo
     Devido à importância que as acções e atitudes dos professores de Educação Física podem ter no desenvolvimento do interesse pela actividade física e desportiva, na classificação de actividades como sendo mais ou menos adequadas para cada um dos géneros e na construção de identidades e papéis de género, neste estudo procuramos averiguar se os professores através das suas acções e atitudes, relativamente às várias actividades incluidas no programa nacional de Educação Física, continuam a reflectir estereótipos de género.
     A amostra foi constituída por 106 professores do 3º ciclo, dos quais 36 leccionavam nas escolas de Vila Nova de Gaia, 42 nas escolas do Porto e 28 nas escolas da Maia, todas elas escolas do distrito do Porto - Portugal.O instrumento utilizado para a recolha dos dados foi um questionário adaptado do construído por Waddington, Malcolm e Cobb (1998).
     Nos procedimentos estatísticos, recorremos ao programa SPSS 10.0, englobando a estatística descritiva e tabelas de contingência para a caracterização dos dados obtidos.
     Verificou-se que as modalidades mais leccionadas pelos inquiridos bem como aquelas em que se sentiam muito competentes foram também as modalidades em que sentiam muito prazer no seu ensino bem como aquelas que eles(as) consideravam muito importantes para os alunos.
    Unitermos: Género. Escola. Educação Física. Estereótipos.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 115 - Diciembre de 2007

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Introdução

    Em Portugal a igualdade de oportunidades está consagrada na lei desde 1975. Contudo, verifica-se que em diversas áreas da vida social, e no caso particular do ensino e mais concretamente nas aulas de Educação Física, rapazes e raparigas ainda são tratados de forma diferenciada. Ainda que como refere Neto et al. (1999: 25) a escola se apresente como defensora da igualdade de oportunidades, "a investigação tem mostrado que a escola não tem conseguido assegurar a igualdade de oportunidades para rapazes e raparigas, reproduzindo e fortalecendo os valores e modelos tradicionais dos papéis e traços de género". De acordo com investigações realizadas, em aulas de Educação Física os rapazes não só têm mais oportunidades de protoganismo do que as raparigas como também tendem a receber mais incentivos para a prática desportiva do que as raparigas (Bischoff, 1982, Griffin, 1984, 1985, Lenko e Erwing, 1980 citados por Gomes et al., 2000). As razões apontadas para justificar esse tratamento diferenciado tendem a basear-se nas diferenças biológicas entre os sexos, não se considerando as influências sociais e culturais a que todos estão sujeitos durante o seu desenvolvimento. É evidente que existem diferenças biológicas entre rapazes e raparigas, mas quando estas são exageradamente realçadas e generalizadas, essas diferenças ajudam a reforçar a posição daqueles(as) que sentem que certas modalidades desportivas são mais apropriadas e outras menos adequadas às mulheres, como tal restringindo a sua participação. Tal facto pode ajudar a explicar o menor interesse pelas actividades físicas por parte de muitas alunas mesmo em aulas mistas de Educação Física.

    A maneira como os(as) alunos(as) percebem os jogos e as modalidades desportivas como sendo apropriados ao género feminino ou ao masculino é fortemente influenciado numa primeira fase pela familia e mais tarde pela escola, professores, colegas e amigos. No contexto escolar, os diferentes níveis de sucesso bem como o interesse pela actividade física e desportiva demonstrado pelos alunos pode estar relacionado com o modo como os(as) professores(as) percepcionam os seus alunos, com as diferentes expectativas que os(as) professores(as) têm em relação aos alunos, e com as crenças que os professores foram construindo ao longo da sua vida relativamente à Educação Física e ao desporto (Garret, 1987; Neto et al., 1999; Gomes et al, 2000). Isto é, o(a) professor(a) ao percepcionar de modo distinto os(as) seus alunos(as) poderá igualmente construir expectativas diferenciadas, ou seja, poderá "formar expectativas mais elevadas em relação aos rapazes nas actividades tipicamente masculinas, e em relação às raparigas nas actividades tipicamente femininas" (Neto et al., 1999: 26).

    Devido à importância que as acções e atitudes dos professores de Educação Física podem ter no desenvolvimento do interesse pela actividade física e desportiva, na classificação de actividades como sendo mais ou menos adequadas para cada um dos géneros e na construção de identidades e papéis de género, neste estudo procuramos averiguar se os professores através das suas acções e atitudes, relativamente às várias actividades incluidas no programa nacional de Educação Física, continuam a reflectir estereótipos de género. Isto é, procuramos analisar até que ponto a tradicional estereotipagem de género continua a ser uma das características das acções e atitudes dos professores de Educação Física. Neste sentido, solicitamos aos professores de Educação Física que indicassem, das modalidades por eles abordadas ao longo do ano lectivo, o grau de prazer que tinham no ensino dessas modalidades, a percepção de auto-competência do ensino dessas modalidades assim como o grau de importância dessas modalidades. Foi ainda solocitado aos professores que indicassem, das modalidades por eles leccionadas, aquelas que consideravam ser mais adequadas a cada um dos géneros ou se eram adequadas a ambos os géneros.


Metodologia

    A amostra foi constituída por 106 professores do 3º ciclo, dos quais 36 leccionavam nas escolas de Vila Nova de Gaia, 42 nas escolas do Porto e 28 nas escolas da Maia, todas elas escolas do distrito do Porto - Portugal.O instrumento utilizado para a recolha dos dados foi um questionário adaptado do construído por Waddington, Malcolm e Cobb (1998). Neste questionário foi solicitado aos professores que indicassem, numa escala de 1 a 6 (com 1 representando o maior nível e 6 o menor nível) a sua auto percepção de competência relativamente às actividades, o prazer que tinham a ensinar cada uma das actividades e a sua percepção acerca da importância de cada uma das actividades. Os dados foram posteriormente cruzados com o sexo dos respondentes.

    Os dados obtidos foram tratados no programa SPSS 10.0.


Análise dos resultados

Modalidades abordadas

    Quando questionados acerca das modalidades abordadas ao longo do ano lectivo os 106 inquiridos indicaram ter leccionado essencialmente as modalidades mais tradicionais. Isto é, mais de 90% dos inquiridos afirmaram ter leccionado andebol, futebol, basquetebol, atletismo, ginástica, voleibol e raquetes. No que respeita à dança, patinagem e lutas apenas uma minoria de inquiridos leccionou estas modalidades (dança 12,3%, lutas 8,5% e patinagem 9,4% dos inquiridos).


Prazer no ensino das modalidades

    Pela análise dos dados apresentados no quadro podemos verificar que uma grande percentagem dos inquiridos de ambos os géneros sentiram muito e bastante prazer no ensino das várias modalidades abordadas ao longo do ano lectivo. Quando questionados acerca do prazer sentido no ensino das modalidades, os homens indicaram para o andebol, basquetebol, voleibol e futebol o nível 1 (muito prazer) e as mulheres indicaram o nível 2. No que se refere ao ensino da ginástica verificou-se o contrário. Enquanto as mulheres indicaram em maior percentagem o nível 1 os homens indicaram o nível 2. No que respeita ao atletismo poucas diferenças percentuais se observaram entre homens e mulheres: 20% dos homens e 13,7% das mulheres classificaram o seu prazer ao nível 1 e 23,6% dos homens e 29,4% das mulheres atribuiram o nível 2 ao prazer sentido no ensino desta modalidade. No que respeita à dança, modalidade tradicionalmente mais associada ao género feminino, muitos inquiridos não responderam por não terem leccionado a modalidade ao longo do ano lectivo. Porém, dos que responderam, foram mais os homens que indicaram sentir muito prazer no ensino desta modalidade. Relativamente às lutas, modalidade tradicionalmente mais associada ao género masculino, os 6 inquiridos do sexo masculino que leccionaram esta modalidade indicaram o nível 1 e 2 e as 3 mulheres que leccionaram esta modalidade indicaram o nível 2 e 3.


Competência

    Da análise do quadro pode-se verificar que foram os inquiridos do género masculino que mais indicaram sentir-se muito competentes (nível 1) para o ensino do basquetebol, futebol, lutas e atletismo. Já no que respeita ao grau de competência para ensinar a dança, a ginástica, a patinagem e as raquetes o nível 1 foi indicado em maior percentagem pelos inquiridos do género feminino. No que respeita ao atletismo poucas diferenças percentuais foram encontradas entre homens e mulheres ao nível do muito e bastante prazer, com 23,6% dos homens e 23,5% das mulheres a atribuirem o nível 1 à sua competência. As principais diferenças encontradas entre homens e mulheres verificaram-se ao nível da dança e das lutas. Em relação à dança, dos inquiridos que responderam a esta questão, 9,8% das mulheres atribuiram à sua competência o nível 1 enquanto que dos homens que responderam nenhum atribuiu o nível 1 à sua competência para ensinar esta modalidade. Porém, no que respeita às lutas a situação foi inversa. Das mulheres que responderam nenhuma classificou a sua competência com o nível 1, enquanto que dos homens que responderam 9,1% atribuiu o nível 1 à sua competência.

    Se analisarmos os dados apresentados neste quadro tomando em consideração os dados apresentados no quadro 1, é possível encontrar alguns aspectos singulares. Por exemplo, no que respeita ao andebol verifcou-se que das 51 mulheres inquiridas apenas 8 sentiam muito prazer no ensino desta modalidade. Contudo, quando se observa o grau de competência, verifica-se que das 51 mulheres inquiridas 19 se percepcionam como muito competentes para o ensino desta modalidade.


Importância da modalidades abordadas

    Pela análise dos dados apresentados no quadro 3 pode-se verificar que nenhum dos inquiridos afirmou que as modalidades abordadas eram muito pouco ou nada importantes (nível 5 e 6, respectivamente). Relativamente ao futebol, 78,2% dos inquiridos do género masculino indicam esta modalidade como muito importante. Ainda relativamente ao futebol, verifica-se que das 51 mulheres inquiridas, 5 são da opinião que esta modalidade é pouco importante. Mais uma vez as principais diferenças encontraram-se ao nível da dança e das lutas. Apenas 30,9% dos homens (comparativamente com 54,9% das mulheres) atribuiram o nível 1 a esta modalidade. Porém, em relação às lutas estes dados inverteram-se, com mais homens a considerarem esta modalidade no nível 1 (47,3% dos homens comparativamente a 33,3% das mulheres).


Modalidades adequadas aos géneros feminino e masculino

    Pela análise dos dados apresentados verifica-se não existir diferença entre homens e mulheres quanto à opinião de modalidades como o atletismo e as raquetes serem adequadas a ambos os géneros.

    Apesar de modalidades como o andebol, o basquetebol, o futebol, as lutas e o voleibol serem consideradas por alguns inquiridos como modalidades mais adequadas ao género masculino, essas percentagens são baixas pois, mais de metade dos professores(as) questionados considera cada uma destas modalidades como adequadas a ambos os géneros. O mesmo se observa relativamante à patinagem e ginástica que, apesar de serem consideradas por alguns inquiridos como adequadas ao género feminino, são consideradas por mais de metade dos sujeitos como sendo adequadas quer a homens quer a mulheres. A única excepção observa-se na dança. Mais de metade dos inquiridos homens considera esta modalidade como sendo mais adequada às mulheres.

    Através da análise dos dados apresentados podem-se observar algumas diferenças nas atitudes e acções de homens e mulheres relativamente à dança, patinagem e ainda lutas. No que respeita à dança, quando questionados acerca do prazer sentido no ensino desta modalidade verificou-se que dos 8 homens que leccionaram esta modalidade 5 sentiam muito prazer. No entanto estes mesmos individuos quando questionados acerca do grau de competência, não se percepcionaram como muito competentes, havendo mesmo 4 deles a indicar o nível 4. Já no que respeita às mulheres, todas aquelas que leccionaram esta modalidade afirmaram sentir-se muito competentes para o ensino desta modalidade. Apesar de a dança ter sido uma modalidade pouco leccionada pelos inquiridos (apenas 13 inquiridos leccionaram a modalidade), 45 afirmaram considerarem esta modalidade muito importante para os alunos. Destes 45 inquiridos foram mais as mulheres a emitir esta opinião.

    Na patinagem os dados encontrados revelaram-se semelhantes aos encontrados para a dança. Apesar de 49 inquiridos considerarem a patinagem uma modalidade muito importante para os alunos apenas 9,4% dos inquiridos a leccionaram. Dos que consideram a patinagem muito importante foram mais as mulheres que emitiram essa opinião. Foram também as mulheres quem mais abordou esta modalidade e, também, quem indicou sentir muito prazer e muita competência no ensino desta modalidade.

    Relativamente às lutas, modalidade tradicionalmente mais associada ao género masculino devido às suas próprias características (força, virilidade, contacto físico, agressividade), verificou-se que apesar de 43 inquiridos considerarem esta modalidade importante para os alunos apenas 13 leccionaram esta modalidade. Dos inquiridos que leccionaram esta modalidade foram os homens que indicaram sentir muito prazer no ensino desta modalidade e, também os que indicaram sentir-se muito competentes para o seu ensino. As 3 mulheres que leccionaram esta modalidade afirmaram sentir algum prazer no ensino da modalidade e indicaram sentir-se algo competentes para o seu ensino.


Conclusões

    Verificou-se que as modalidades mais leccionadas pelos inquiridos bem como aquelas em que se sentiam muito competentes foram também as modalidades em que sentiam muito prazer no seu ensino bem como aquelas que eles(as) consideravam muito importantes para os alunos.

    Não se observaram grandes diferenças, em termos percentuais, entre homens e mulheres no que respeita à percepção da sua competência para o ensino das várias modalidades bem como acerca do prazer sentido no ensino das modalidades leccionadas.

    A dança parece ser a modalidade onde se pode encontrar ainda alguma estereotipagem de género, o que pode ser observado através dos dados relativos à adequação das modalidades relativamente ao género. Ainda que os inquiridos do género masculino considerem esta modalidade importante para os alunos, mais de metade deles tendem a considerar esta actividade como mais própria para o género feminino. Tal atitude para com esta modalidade poder-se-à reflectir numa menor predisposição para o ensino desta modalidade bem como numa percepção de menor competência para o seu ensino.


Referências bibliográficas

  • Garret, S. (1987). Gender. General Editor: Patric McNeill

  • Gomes, P.B. et al. (2000). Equidade na Educação. Educação Física e Desporto na Escola. Queijas: Associação Portuguesa A Mulher e o Desporto.

  • Neto, A. et al. (1999). Estereótipos de Género. Cadernos Coeducação. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher.

  • Waddington, I. et al. (1998). Gender Stereotyping and Physical Education. European Physical Education Review, 4(1), 34-46

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