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Metodologia para o aprendizado da canoagem

   
*Acadêmico do curso de EF da Universidade Federal de Santa Maria.
**Professora de Educação Física. Especialista em Atividade Física,
Desempenho Motor e Saúde - Biomecânica da Atividade Física.
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul.
(Brasil)
 
 
Luiz Fernando Cuozzo Lemos*  
Gabriel Ivan Pranke*  
Clarissa Stefani Teixeira**
luizcanoagem@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Apesar da aparente juventude do órgão regente da modalidade canoagem, a Confederação Brasileira de Canoagem - CBCa, com apenas 18 anos de existência, a é um esporte em crescente desenvolvimento no Brasil. Porém, o trabalho teórico e científico deste esporte não vem acompanhando o desenvolvimento do trabalho prático, que atualmente é já bastante avantajado. A prática da canoagem, no entanto, necessita de uma metodologia adequada para melhora do processo ensino aprendizagem. Em vista disso, o objetivo do trabalho foi sugerir uma metodologia para o aprendizado da canoagem, através de uma pesquisa histórica analítica. Acredita-se que o presente estudo servirá de base para muitos profissionais que desejam trabalhar a canoagem, em qualquer nível de ensino.
    Unitermos: Canoagem. Ensino aprendizagem.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 114 - Noviembre de 2007

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Introdução

    Desde a sua existência, o homem teve a necessidade de dominar a água, assim como os fenômenos naturais em geral. Tendo em vista que ¾ da superfície terrestre é coberto por água, o ato de remar tornou-se uma atividade necessária por conveniência (Imbriaco, 2001). No período pré-histórico ou mesmo na época dos esquimós, a necessidade de sobrevivência foi o único motivo que existiu para iniciar essa prática náutica. Porém, mesmo sem a utilização de nenhuma metodologia/técnica específica para o aprendizado desta, apenas os conhecimentos empíricos dos mais velhos eram passados de geração para geração para o desenvolvimento da prática. Iniciava-se neste momento, mesmo não sendo esse objetivo, a modalidade da canoagem.

    Para a prática da canoagem, o utensílio principal utilizado pelo homem é a canoa ou o caiaque. Este é o meio de locomoção aquático mais antigo de que se tem história, desde o tempo pré-histórico, quando toras de árvores tornavam-se embarcações muito úteis para encurtar distâncias nas travessias. Com o passar dos anos e a melhora das ferramentas e técnicas de construção, os índios norte americanos, em decorrência da necessidade de deslocamentos rápidos, da pesca e caça e da fuga de seus predadores, desenvolveram com materiais mais leves barcos bastante sofisticados para a época. Os materiais utilizados eram armações de madeira ou cana, unidos com tendão, cobertos com pele de animais como a de focas e impermeabilizado com graxa de baleias (Kronhardt, 2002).

    No século XIX, o pai da canoagem, o escocês John McGregor, construiu a primeira embarcação competitiva, chamada de "Rob Roy". Esta foi construída baseada em lembranças da sua viagem ao continente americano, quando vivenciou a modalidade. Esse barco foi o marco para o esporte, quando ocorreu a fundação da primeira associação de canoagem na cidade de Londres em 1866, passando a modalidade a se expandir por todo o mundo, surgindo também as primeiras competições que se tem relato (Kronhardt, 2002).

    Com a mudança das tecnologias e materiais mais modernos na construção de caiaques e remos e, também, no ritmo de vida das pessoas, hoje em dia a aprendizagem do esporte está agregada a outros fatores. Atualmente, a necessidade de aprender esse esporte não está vinculada a uma necessidade vital, mas sim pelo gosto por esportes náuticos, pela busca de uma melhor qualidade de vida, pela prática competitiva e, até mesmo, pelas vivências ambientalistas. Mas, de acordo com as tendências que o mundo atual impõe e o estilo de vida das pessoas, são necessários métodos sistematizados que possibilitem a melhora da aprendizagem da canoagem, sendo que os aprendizes do esporte querem com o menor tempo possível desenvolver a prática com o máximo de segurança possível.

    Esses fatores somados ao ingresso da canoagem velocidade nos jogos olímpicos de Berlin em 1936, levaram a maior difusão do esporte principalmente na Europa. Mas, somente em 1989 com a fundação da Confederação Brasileira a modalidade se tornou organizada de forma que, investimentos foram realizados no esporte no Brasil.

    Contudo, apesar dessa evolução e popularização da canoagem, a temática é ainda bastante complexa, talvez pela carência de estudos que demonstrem como se trabalhar com a canoagem. Por isso, buscaram-se maneiras de fazê-lo, com base nos relatos, nas demonstrações dos ensinamentos práticos do esporte e nas informações adquiridas em literaturas especializadas, obtendo-se, assim, um referencial teórico para o ensino da modalidade. Diante disso, esse trabalho se propõe a apresentar o trabalho realizado nesse esporte, analisar a metodologia moderna do ensinamento do esporte olímpico canoagem velocidade, desde a iniciação, passando pelas fases intermediárias até a chegada ao treinamento competitivo do esporte.


Metodologia

    Esta pesquisa caracteriza-se como sendo do tipo histórico analítica, pois estuda e avalia a informação disponível, em uma tentativa de explicar fenômenos complexos como identificar a metodologia utilizada para o ensinamento da canoagem velocidade, desde a iniciação até o treinamento esportivo da modalidade.

    Primeiramente foram identificados os clubes gaúchos que obtiveram boas colocações nos últimos anos no Campeonato Brasileiro de Canoagem. Foi escolhido um clube do interior do Rio Grande do Sul para a utilização no estudo, visto que este obteve a segunda posição no referido campeonato no ano de 2002, na categoria Infantil (12 anos), Menor (14 anos) e Cadete (16 anos) na modalidade canoagem velocidade (Lemos, Teixeira e Matheus, 2007).

    A técnica é fator fundamental para otimização dos resultados almejados, pois o desenvolvimento biomecânico da remada em caiaques da modalidade de canoagem velocidade configura-se como importante fator na melhora da performance e de sua velocidade (Koslowski, 2006). Então, optou-se pelas categorias de base, ou seja, de 12 a 16 anos, em decorrência do trabalho desenvolvido com este público estar em fase de aprendizagem e aprimoramento, possibilitando que o profissional responsável pelos treinamentos interfira nos movimentos de forma a modificá-los para melhorar o desempenho.

    Para a identificação da metodologia empregada no esporte em questão, foram realizadas entrevistas, com questões abertas, com os professores responsáveis pelas atividades do clube no ano de 2002 e com o técnico que acompanhava os atletas neste mesmo ano. A equipe competiu com apenas sete atletas contra equipes bem mais numerosas nas raias da Universidade de São Paulo (Lemos, Teixeira e Matheus, 2007) e a segunda posição nesse campeonato evidencia o bom trabalho desenvolvido nas categorias de base pelo referido clube.

    Foram efetuadas buscas em periódicos listados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) a partir do ano de 1998 e literatura geral, ou seja, documentos eletrônicos, livros sobre a modalidade e jornais que referenciassem a modalidade na região. Para complementação do estudo, também foram realizadas entrevistas informais com os alunos, atletas e pais para conseguir maiores informações a respeito dos treinamentos no seu desenvolvimento técnico.


Apresentação e exploração dos resultados

    A seguir serão relatadas as metodologias que seguirão um processo cronológico, demonstrando como se trabalhar na iniciação esportiva até o desenvolvimento de uma equipe competitiva de canoagem velocidade. Basicamente, para o desenvolvimento da modalidade necessita-se de alguns caiaques e remos. Porém, alguns itens devem ser incorporados para a prática da modalidade que, posteriormente em cada etapa de ensinamento, serão definidos de acordo com as características do praticante.


Iniciação esportiva

Faixa etária

    Na iniciação esportiva, deve-se primeiramente observar a idade do praticante, não existindo uma regra imposta tiranicamente para o início da prática, porém a mesma não é recomendada para crianças muito jovens. São vários os porquês de esta iniciação ser um pouco mais tardia do que outros esportes como a ginástica, por exemplo. São eles:

    Adequação aos materiais: a possibilidade de não adequação ao material existente pelos iniciantes como, por exemplo, remos muito grandes, poderiam resultar em grandes esforços biomecânicos sobre as articulações, uma vez que um grande braço de resistência necessitaria de uma força maior por parte da criança para se conseguir a realização da tarefa. Os caiaques também poderão ser considerados como intervenientes no desenvolvimento da modalidade, pois a dimensão dos caiaques disponível poderá ser inadequada para crianças muito pequenas.

    Fatores psicológicos: relacionado à motivação do praticante, uma vez que a falta de competições oficiais para crianças menores que doze anos não existe, podendo causar abandono precoce do esporte. Porém, alternativas podem ser tomadas quanto a esses fatores psicológicos, podendo ser criadas estratégias durante a própria aula para atrair o interesse dos iniciantes, ou ainda, eventos paralelos que proporcionem vivência no esporte, independendo da participação competitiva.

    Segurança: em decorrência da possibilidade de trabalho com crianças numa fase mais "infantil", deve-se atentar para o perigo que esta prática pode proporcionar, por se tratar de um esporte náutico. Os esportes náuticos, em geral, oportunizam a vivência do praticante com o meio aquático sendo fundamental não somente a adaptação ao meio e o fato de saber nadar, como também, o fato de a criança não conhecer seus próprios limites, estabelecendo como primordial o fator da segurança.

    Por isso, e sem seguir regras, recomenda-se a aprendizagem da canoagem por volta dos dez ou onze anos de idade, sendo esta faixa etária o momento ideal para o início desta prática.


Histórico do esporte

    É importante para o aluno que está entrando num mundo novo, o mundo da canoagem, receber de seu professor um histórico básico do esporte. Isso tem um valor bastante profundo como conhecimentos gerais, além de possibilitar a vinda de novos alunos, em virtude de conversas nos meios sociais onde eles vivem, e, até mesmo, servir como uma forma de evitar constrangimento quando abordados por outras pessoas de fora do esporte. Logo, devem ser passadas para o educando idéias básicas como a origem do esporte no mundo, no seu país e na sua cidade, assim como algumas informações sobre atletas de destaque, que servirão de espelho para aqueles que almejarem o destaque esportivo.


Consentimento dos responsáveis

    Os responsáveis dos alunos (crianças) devem estar cientes da prática, bem como dos horários das atividades, de modo a estarem responsabilizados pelo aluno desde sua saída até o seu retorno, ficando cientes de possíveis problemas que porventura ocorreriam caso estes não compareçam a aula no horário determinado. Deve-se atentar para esses problemas, pois se ocorrerem em locais aquáticos, mesmo em regiões externas ao local de aula, a mídia e a comunidade local podem relacionar o fato às atividades desenvolvidas na escola de canoagem. Para tal, os responsáveis devem assinar um termo autorizando-os a participação das aulas.


Desenvolvimento das aulas

    Para um bom andamento da aula é aconselhado ao professor a utilização de um apito. Desde a primeira aula, deve-se definir como regra que ao ouvir o som do apito todos deverão se voltar ao educador para saber o que está sendo instruído. Isso serviria, também, para evitar um desgaste excessivo do professor, no que diz respeito à importância da voz no dia-a-dia e, principalmente, nas aulas (Almeida, 2000). Os alunos devem realizar um aquecimento prévio, mediado pelo professor responsável, visto que a falta ou aquecimento inadequado aumenta o risco de lesão muscular (Pacheco, 1991). Desde o início das atividades deve se enfatizar a consciência, a importância e o costume do aquecimento, fundamental em fases mais avançadas de treinamento, onde os alunos irão exercitar o corpo com o máximo de exigências, diminuindo o risco de lesões na vida esportiva. Também será realizado um alongamento, de modo a deformar os componentes plásticos, visto que segundo Dantas (1999), a deformação desses componentes ao nível desejado, possibilita que, nos movimentos subseqüentes, a força seja empregada apenas em proveito do movimento, evitando gastos energéticos maiores.


    Preparação para a prática (fora d'água):

    Como primeira parte técnica a ser ensinada sugere-se que com os remos fora d'água, todos de pé, aprendam a manuseá-lo. Os aspectos que devem ser salientados são:

  • tamanho do remo para cada praticante: o tamanho ideal de remo para cada praticante durante a iniciação deve ser definido pelo tamanho total do remo, ou seja, este deverá estar na vertical em frente ao aluno, que deverá elevar um dos seus braços, realizando uma flexão gleno-umeral de 180º no plano sagital, de modo que os dedos toquem a ponta da pá (figura 1);

  • distância das duas mãos até as pás: o aluno deverá manter um mesmo distanciamento da mão até a pá em ambos os lados do remo, de forma que exista uma simetria na pegada, para que não possibilite maiores aplicações de forças com somente um dos lados do corpo;

  • pegada: para definir a pegada pode-se também utilizar algumas regras para facilitar a automatização do aluno. Com os cotovelos flexionados em 90º acima da cabeça (figura 2) deve-se segurar o remo;

  • movimentação de remar: depois da correta pegada, ainda fora d'água, ensina-se o movimento da remada. A remada deve ocorrer na altura aproximada dos olhos e deve existir um movimento de extensão do punho direito (para destros) no momento de preparação para a remada do lado esquerdo (fase aérea) (Freitas, 1999), causando uma entrada melhor do remo na água (imbriaco, 2001). Isso deve ser realizado por alguns minutos com correção das pessoas que estiverem apresentando dificuldades.


  • segurança: deve ser utilizado o colete salva-vidas por parte de todos os alunos, ensinando a maneira correta de sua utilização. Porém, o uso do colete não garante a total segurança dos alunos, sendo necessário, também, realizar uma prévia entrevista aos seus educandos quanto à adaptação ao meio aquoso e possíveis fobias a água. Ao conhecer as características de cada aluno, é possível desenvolver o trabalho de forma mais individualizada, respeitando os limites de cada um e buscando a evolução no que diz respeito ao início da prática. A partir disso, os alunos que necessitarem de um acompanhamento especial antes da prática específica da canoagem deverão ter a oportunidade de aulas de adaptação ao meio aquoso e natação, pelo próprio professor, ou por um profissional da natação. Além disso, para os hidrofóbicos, é importante mostrar que o colete eleva os para a superfície d'água, evitando possível aflição ao virar o caiaque, seguido de afogamentos e afundamentos do barco. Sugere-se que as práticas de adaptação ocorram simultaneamente à iniciação do esporte, sempre em locais rasos e seguros;

  • freqüência: neste período inicial sugere-se que as atividades estejam sendo desenvolvidas de duas a três vezes semanais, buscando uma adaptação natural a esta prática e para que as aulas sejam bem programadas, gradativas e agradáveis;

  • quantidade de alunos: é de suma importância observar a quantidade numérica de alunos por professor. Quando em excesso, pode-se estar desenvolvendo atividades de risco e com desordem, sendo interessante que se trabalhe com pelo menos dois professores. Ainda assim, é indicado que as turmas não ultrapassem o número de vinte alunos. Sugere-se ainda que a turma seja dividida em duas e que ocorra trocas sistemáticas dos que estão na água com os que estão observando a técnica dos colegas de fora. Isso é útil também em decorrência de observação visual auxiliar do professor no processo do aprendizado (Blischke, et al. 1999);

  • funções dos professores: deve-se ter um dentro d'água, observando e corrigindo a técnica, coordenando os locais apropriados para a aula, auxiliando em caso de o caiaque virar, entre outras funções. Outro professor deve estar na terra, onde se tem uma visão global da prática, para coordenar todas as ações da aula, inclusive determinar ações para o outro instrutor que está remando com a turma. Constatar problemas com materiais, brincadeiras indevidas, além de ter toda a responsabilidade sobre a entrada dos alunos na água, colocação do colete salva-vidas, auxilio na experimentação de barcos mais complexos, e ainda dar dicas técnicas também é função dos professores. É importante lembrar que é o professor quem deve demonstrar como a aula deve prosseguir, sendo o determinador das atividades. Portanto, o aluno tem que visualizar na figura do professor muito respeito e obediência, claro que com amizade e bom humor;
    Outro fator importante está no aspecto social, quando se trabalha com crianças e adolescentes carentes. Nesses casos, a maioria vem de famílias desorganizadas, onde as questões relacionadas aos valores são pouco trabalhadas (Algeri, 2001), como o respeito e a disciplina. Nessa perspectiva, o trabalho social do esporte é aquele que muitas vezes, dá um maior resultado, principalmente quando a criança passa a enxergar, através do esporte, uma saída para tantos problemas que lhe afligem, dedicando-se ao máximo nas atividades propostas. Para que isso ocorra, é fundamental que o professor defina os métodos organizacionais desde as primeiras aulas e durante todo o processo de ensino-apendizagem, atribuindo aos alunos os valores que se consideram importantes, não só em ambiente educacional, mas também, para a sua vida em sociedade.

  • projeto social x escola: como um projeto social é importante a manutenção de dois pilares: a canoagem e a escola. Assim, deve-se vincular as notas e as atividades escolares à prática esportiva, trazendo assim melhor desempenho a ambas as atividades, não deixando nenhum desses pilares desmoronar. Nesse contexto, o professor deve trabalhar para que se mantenha essa harmonia das atividades, tendo tanto participação na vida esportiva como na vida escolar do aluno-canoísta. Caso não se mantenha essa harmonia o aluno-canoísta deve estar ciente, desde o início, que ele poderá ser desvinculado do projeto.


    A prática esportiva

    Após os aspectos iniciais supracitados, pode-se passar para as atividades específicas de ensinamento da canoagem, definidas a seguir:

  • entrada na água: sugere-se que o professor segure o caiaque entre as pernas e com o auxilio de suas mãos, a fim de proporcionar maior estabilidade ao canoísta que está entrando na embarcação. Porém, após a aquisição de certa experiência, a entrada pode ser realizada sem o auxílio do professor, aproximando o barco da margem, colocando um pé e depois o outro, sentando e estendendo os joelhos até o apoio dos pés (finca-pé). Essa técnica de entrada, como ilustrada na figura 3, além de ser bastante avançada, previne possíveis danos aos equipamentos, como rachaduras nas bordas do caiaque;


  • seqüência do ensino: a aprendizagem da canoagem como um todo é um processo gradativo, portanto sugere-se que deva ser seqüenciado da seguinte forma:

        1º passo: Deve-se iniciar com barcos de lazer (turismo, oceânico ou wave), que ofereçam pouca possibilidade de virar. O aluno deve iniciar sem a utilização do remo, utilizando se das mãos como meio de propulsão. Com o domínio do caiaque consolidado, passa-se a utilização do remo, para que desenvolva assim, a técnica do esporte (figura 4).

        É importante que essa técnica seja desenvolvida e adquirida neste barco estável, pois a virada do caiaque (eixo longitudinal) pelo canoísta iniciante está bastante relacionada a uma entrada errônea do remo na água, a chamada "entrada de faca", que não utiliza a área total da pá para apoio na água.

        Quando os caiaques são virados de cabeça para baixo ocorre a entrada de muita água. Por isso, deve-se ensinar aos iniciantes que, quando isso acontecer, o barco deve ser desvirado o mais rápido possível. Para isto, o iniciante deve se deslocar até o centro do barco (no anel ou borda) e empurrá-lo de baixo para cima, causando o desviramento da embarcação, que, neste momento, contem água na parte interna. Coloca-se o remo dentro do caiaque, e retorna-se a margem segurando em uma das extremidades do barco. Ressalta-se que não se deve tentar subir no barco no meio d'água, porque isso pode quebrar o casco ou fazer com que o caiaque vire novamente, podendo causar o afundamento da embarcação mediante nova entrada de água no barco ou até mesmo afogamentos.

        Sugere-se que em embarcações para iniciantes seja colocado um flutuador na parte interna, como uma câmara de pneu inflada ou garrafas de plástico amarradas, possibilitando mais tempo até seu desviramento, quando o barco estiver virado. Isso se deve ao fato de, em muitos casos, o aluno não possui agilidade para realizar esse procedimento.


        2º passo: Quando o aluno apresentar o completo domínio dos caiaques de iniciação (estáveis), pode-se passar a uma embarcação intermediária. Esse caiaque chama-se K1 escola (figura 5) e, como seu próprio nome se refere, ele é utilizado na escola como elo entre os barcos de passeio (pior hidrodinâmica e mais largos) e os de competição (melhor hidrodinâmica e estreitos).

        A sistematização de iniciar sem o remo é a mesma, mas agora com razões diferentes. Neste estágio a técnica da remada já está num condicionamento operante, ou seja, está dominada, porém a dificuldade agora está na manutenção do equilíbrio na embarcação, cuja qual oferece instabilidade ao praticante.

        Como anteriormente nos barcos de lazer, depois de adquirido o domínio da instabilidade do caiaque, o praticante passa a utilizar o remo, agora no K1 escola. Isso também deve ser realizado em locais próximos a margem e ainda sem a necessidade de desenvolver velocidade.

        Quando integrado, por parte do aluno, as duas necessidades, ou seja, a técnica da remada e o equilíbrio na embarcação escola, pode-se iniciar os deslocamentos mais longos. Porém, essa liberação está a cargo do professor e a hora certa de autorizar maiores percursos, é bastante subjetiva. Inicialmente, deve-se realizá-los com a presença de um dos professores em um caiaque ou mesmo barco a motor e, posteriormente, pode se começar um treinamento no K1 escola, visando melhoras nas capacidades físicas que a canoagem requer para um bom atleta.


        3º passo: Os alunos que estiverem conseguindo imprimir velocidade e remadas com bastante força e boa técnica no K1 escola, podem passar a remar com o K1 olímpico (barco de competição) (Figura 6), seguindo o mesmo processo já realizado antes. Primeiro sem o remo, dominando se a instabilidade e, depois, acrescenta-se o remo e assim por diante até que se domine por completo essa embarcação. Após a superação da fase de domínio do K1 olímpico, pode-se dizer que o aluno está apto a remar, ressalvo alguns detalhes técnicos. Nesse momento, ele poderá optar por seguir um treinamento para competição ou apenas praticar a modalidade como forma de lazer.


Lazer x treinamento competitivo

    Esse momento é bastante complicado na vida dos alunos, porque é a fase que todos querem participar de competições e, conseqüentemente, serem os melhores. Mas muitos desses alunos não conseguem se manter em uma equipe de elite da escola de canoagem. Isso ocorre pelos seguintes fatos: alguns alunos podem achar os treinos muito chatos e cansativos; outros, apesar de gostar dos treinos, podem não conseguir apresentar resultados satisfatórios; e a desestimulação pela não participação em eventos, quando a parte financeira do clube não pode patrocinar a participação de todos. Com esta restrição, os alunos que ficam, podem mostrar desinteresse na parte competitiva, o que por sua vez causará a existência de dois grupos de alunos capacitados em canoagem, os alunos do lazer e os do treinamento.

    Todavia, o professor pode, na ocorrência de tais situações, utilizar frases de incentivo à prática para manter a persistência do seu aluno. Outra estratégia pode ser realizada no decorrer das atividades, relacionando questões de dificuldade e barreiras as serem superadas para tornar-se um atleta de alto rendimento.


Lazer

    A partir desse momento, os alunos que não se dedicarem à prática competitiva, pelos motivos citados anteriormente, poderão continuar a prática da canoagem, porém com o intuito de buscar benefícios para a sua saúde, por saberem da importância de se ter uma vida ativa com atividades físicas regulares. A prática da canoagem possibilita, mesmo em forma não competitiva, a manutenção e a ampliação de algumas qualidades físicas fundamentais para o bem-estar geral do indivíduo, como força, coordenação, capacidade respiratória, resistência aeróbica e anaeróbica (Gobbo, 2004).

    Vem daí a importância do desenvolvimento de projetos sociais que ofereçam tais condições para a prática de atividade física. Esses projetos poderão ser abrangentes quanto à faixa etária do público envolvido, podendo trabalhar com crianças, adolescentes, adultos e, até mesmo, idosos. Na terceira idade é ainda maior a importância na manutenção das qualidades físicas, visto que o processo de envelhecimento causa transformações biológicas, com conseqüentes perdas funcionais de diversos sistemas (Vecchia, 2005; Pereira, Teixeira e Etchepare, 2006). Então, para o idoso essas qualidades são importantes, por exemplo, para a execução das atividades de vida diária que proporcionam independência e autonomia. Diante disso, a canoagem pode ser uma forte aliada para a manutenção destas qualidades. Destaca-se, nesse âmbito, o projeto "Canoando na melhor idade" (Lemos, 2005), desenvolvido na cidade de Santa Maria (RS) com o público da Terceira Idade.

    Aconselha-se que a prática dos alunos que visam aproveitar o esporte como forma de lazer, independentemente da faixa etária, aconteça de duas a quatro vezes semanais, sem a exigência de utilização de material profissional. Porém, isso não quer dizer que esses alunos não possam vir futuramente a se tornarem canoístas competitivos, pois o homem é naturalmente competitivo (Silva Júnior, 2002).

    Esses alunos podem, ainda, ser importantes no funcionamento de uma eficiente escola de canoagem, pois são os que estão sempre dispostos a auxiliar os professores nos ensinamentos, mesmo que seja apenas pelo prazer de estar demonstrando algum conhecimento da modalidade aos novatos. São alunos que podem ser vinculados a passeios não competitivos e a ações ecológicas que a escola promova, pois a preservação do meio ambiente que está diretamente relacionada às aulas de canoagem, deve estar sempre sendo enfatizada e é uma constante no ensinamento da escola. Esses alunos devem estar participando de recreações esportivas, de auxílio na organização de eventos, repassando responsabilidades e assim até ganhando algum dinheiro, como bolsas para monitores ou, até mesmo, salário de árbitros em provas oficiais.


Iniciação ao treinamento competitivo

    Com a inserção do trabalho competitivo na escola de canoagem, começa-se a montar uma equipe com treinamento diferenciado dos demais alunos. Este fato causa no grupo mudanças radicais, já que está sendo implementado um método de treinamento específico voltado à performance que, até então, não existia na escola. Os alunos que não demonstram interesse e dedicação à prática competitiva, assim como os novos alunos iniciantes que forem entrando no processo da aprendizagem na escola, podem passar a se espelhar, agora, nos alunos/atletas da equipe, servindo como forma de incentivo à prática do esporte.

    O trabalho que insere e inicia o treinamento competitivo deve dar ênfase principalmente na técnica correta da remada. Nos períodos anteriores, o aluno apresenta uma técnica de remada ainda pouca trabalhada, pois nessa fase as principais preocupações entram os fatores de manutenção de equilíbrio sobre o barco e não com desenvolvimento do gesto técnico correto. Então, ao entrar nessa nova etapa de aprendizagem, o aluno/atleta necessita da correção de alguns movimentos para o aperfeiçoamento da técnica.

    Muitas vezes essa mudança da técnica que o aluno/atleta trás da iniciação, causa uma perda no rendimento que já vinha sendo demonstrado nos treinos. Porém, isso é temporário e necessário, pois com a melhora do gesto correto da remada logo na categoria de base, os resultados são superados. Isso ocorre em razão de que no alto nível, qualquer segundo significa muito para o rendimento do atleta. Assim, com o gesto técnico melhor desenvolvido aumentam-se as possibilidades de melhorar os resultados futuros, denotando a importância desse trabalho sobre a melhor técnica da remada.

    Mas isso não quer dizer que um atleta que possua uma remada tecnicamente inferior não possa conseguir índices tão bons ou, até mesmo, melhores que aqueles atletas que possuem uma remada tecnicamente superior. Porém, isso não representa a maioria dos casos e, quando acontece, está relacionado com muita dedicação nos treinos somada a fatores positivamente genéticos.

    Neste início do treinamento, deve-se salientar que o praticante pode utilizar barcos escola, porém deve-se incentivar o domínio do K1 olímpico o mais sedo possível. Existem casos de que em algumas escolas de canoagem, as condições não são as melhores, e até mesmo em número de barcos disponíveis e a qualidade deste material. Portanto, é importante que o técnico utilize seus recursos da melhor forma possível, como, por exemplo, realizar a divisão do treinamento em mais de um horário, permitindo um maior número de atletas em treinamento. Sugere-se que essas divisões permitam a manutenção de atletas da mesma categoria e "rivais" nos mesmos horários, possibilitando que essa competição saudável traga um melhor efeito sobre o treinamento.

    O próximo passo para a formação de uma equipe com qualidades é realizar um bom trabalho de base. Logo, é de suma importância o aumento progressivo de intensidade e volume do treinamento. Sendo assim, passa-se a realizar gradativamente um trabalho de técnica mais forçado, visando um semi endurance. Para o auxílio a esta sistemática, é aconselhado, também, o uso de embarcações coletivas, em especial o K4 (barco para quatro atletas) (figura 7), pois dessa forma os atletas são forçados a manter ritmos mais intensos, bem como simetria da remada. Essa simetria significa a entrada, a tração e a saída dos quatro remos do caiaque no mesmo instante para aumentar a propulsão, permitindo um melhor deslize do barco na água (Koslowski, Lemos e Lima, 2006).

    Nas sessões de treinamento, é recomendável e ideal que o técnico disponha de uma lancha a motor para acompanhar com maior qualidade o desempenho de seus alunos, treino a treino, realizando correções técnicas e incentivos verbais.

    Em algumas correções de técnica poderão ser utilizados alguns artifícios bastante funcionais, como, por exemplo, o trabalho de um treino com técnica parada. Nesse caso, o canoísta deve executar uma remada com boa torção de tronco e parar com o remo fora da água, deixando o caiaque deslizar por mais um ou dois segundos e, logo em seguida, executar a próxima remada. Este trabalho técnico causa uma maior consciência do canoísta em relação ao deslocamento de seu caiaque e sua técnica, possibilitando maior reflexão sobre a mesma.

    Uma variável que pode ser observada durante a remada e que causa perda no rendimento, é a oscilação do barco nas direções ântero-posterior e médio-lateral. Uma estratégia para diminuir estas oscilações, é a colocação de forma equilibrada de um galão plástico, quadrado, vazio e tampado na parte traseira do caiaque. Logo, o canoísta deve realizar seu treino técnico sem que o galão caia na água. Quando ele cair, o mesmo deve pegá-lo, recolocá-lo e continuar seu treino até que suas oscilações sejam visualmente diminuídas.

    Na fase de iniciação ao treinamento, sugere-se que seja realizada de 4 a 5 sessões semanais, com inserção da prática de treinos complementares como a corrida e a musculação. A musculação está inserida como treino complementar em quase todos os esportes. Na fase da iniciação ao treinamento esportivo da canoagem, sugere-se que sua utilização esteja voltada a exercícios que utilizem apenas a resistência do próprio peso corporal, voltando o trabalho para a resistência muscular localizada, em alunos de 12 a 13 anos, com as devidas restrições para a idade. Para alunos mais velhos pode-se ainda inserir um trabalho para ganhos de força e fortalecimento da musculatura, principalmente membros superiores. Com todas essas prerrogativas cumpridas, a aluno estará apto para o treinamento de alto rendimento desportivo da modalidade visando à competição.

    É conveniente salientar que a competição faz parte da personalidade do ser humano (Viegas, 2007). Logo, para não se perder atletas é necessário a participação em eventos competitivos. Esse é o principal estímulo que se pode dar a um novo atleta, quando nas provas de canoagem ele ganha gosto pelo esporte, pela competitividade, por conhecer ídolos da modalidade e por conhecer diversos lugares em função desta prática. Portanto, sempre que possível, é interessante que se treine com um objetivo formado, como uma prova e/ou campeonato principal para a participação.


Treinamento competitivo de alto rendimento

    Neste período o aluno é definitivamente chamado apenas de atleta e o grau de dificuldades é muito maior nas sessões do treinamento. Existe uma programação mais detalhada das atividades desportivas, que são divididas conforme as bases do treinamento desportivo. Em virtude disso, e também pela complexidade desse trabalho e pela especificidade com que cada treinador trabalha o treinamento, o assunto não será abordado no presente estudo, podendo ser alvo de outros trabalhos que possam ser realizados posteriormente.


Considerações finais

    Com as informações contidas neste artigo, pode-se dizer que até uma pessoa leiga sobre a canoagem poderá entender as sistemáticas do funcionamento desta modalidade. Porém, é de extrema necessidade para qualquer pessoa que vier a trabalhar com a canoagem, ter noções de didática, bem como conhecimentos fisiológicos, biomecânicos, cinesiológicos e o domínio da expressão falada e corporal. Tais fatores auxiliarão o professor à frente de uma turma de canoagem, possibilitando o entendimento dos movimentos dos canoístas e o funcionamento do modo de ação da máquina humana neste esporte náutico.

    Portanto, acredita-se que este estudo servirá como um manual da canoagem, para todos os interessados nesta modalidade em qualquer nível de formação. Porém, um professor de educação física, profissional detentor de noções sobre os conteúdos necessários para o desempenho de educador e treinador de canoagem, é aquele que possivelmente obterá maior resultado na sua utilização.


Referências bibliográficas

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revista digital · Año 12 · N° 114 | Buenos Aires, Noviembre 2007  
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