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Repensando a prática pedagógica docente: o brincar como
oportunidade às novas experiências nas aulas de Educação Física

   
Professor de Educação Física e Mestrando em Educação - PPGE.
Centro de Educação da UFSM. Membro do GEPEIS - Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social.
 
 
Alexandre Paulo Loro
alexandrepauloloro@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     O presente trabalho descreve as atividades desenvolvidas em aulas de Educação Física escolar numa turma de Educação Infantil. A intenção foi a de possibilitar o desenvolvimento de práticas educativas pelo brincar. Tendo como base a concepção do "Se-movimentar", foram implementados procedimentos didático-metodológicos a partir das Concepções Abertas às experiências de movimento das crianças. Para análise das aulas três categorias foram utilizadas: a experiência material, a experiência corporal e a experiência de interação social. A proposta estimulou a reflexão sobre as possibilidades de fomento da emancipação do sujeito. As experiências estabeleceram relações do sujeito com os objetos, com o ambiente natural e autonomia para criar novas situações de movimento. Foi possível ampliar a cultura de movimento das crianças e repensar nossa prática pedagógica docente.
    Unitermos: Professores. Educação Física escolar. Brincar. Experiências de movimento.

Artigo desenvolvido a partir do Estágio Profissionalizante em Educação Física
Curso de Educação Física - Licenciatura Plena - Universidade Federal de Santa Maria.

 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Introdução

    A prática pedagógica dos professores de Educação Física é geralmente orientada de maneira mecânica, na tentativa de tornar o movimento mais econômico e eficiente, atrelando-se exclusivamente a resultados técnicos. Esta atitude, de certa forma, exclui a possibilidade dos alunos/sujeitos compreender a realidade, de ter uma capacidade crítica reflexiva e de atuar no sentido de modificá-la e apropriar-se dela, segundo seus interesses e de seu grupo. Dada esta constatação, professores buscam novas maneiras de atuar. Em contrapartida, possuem inúmeros questionamentos, principalmente quando pensam em desenvolver uma proposta diferenciada na escola, especialmente em turmas de Educação Infantil.

    Entendo a criança como um ser sócio-histórico, que se relaciona e se comunica com o mundo através de suas experiências. Essas interações se dão através do corpo, compreendido enquanto totalidade localizada culturalmente. Portanto, é imprescindível a construção do movimento da criança, ampliando seus caminhos.

    Nessa perspectiva, foram adotadas nas aulas estratégias metodológicas que partiam de temas geradores para inovar as práticas educativas da Educação Física em uma turma de Educação Infantil no município de São Miguel do Oeste - SC. Tendo como base a concepção do "Se-movimentar" trazida por Hildebrandt-Stramann (2001), que entende o movimento humano como um diálogo entre homem e mundo, onde existe um sujeito que "se movimenta" e uma situação (mundo), à qual este movimento está relacionado (sentido/significado).

    No decorrer de um semestre letivo o brincar foi a forma didática de implementar as ações nas aulas abertas às experiências de movimentos das crianças. Relatos e aspectos relevantes foram anotados em diário de campo no decorrer do processo. As observações buscaram aspectos relacionados à experiência corporal, experiência material e experiência de interação social, as quais não se dão de maneira isolada por estarem em interface. Porém, foram analisadas posteriormente em categorias.


A experiência corporal

    A experiência corporal está no cerne da transformação do próprio corpo do decorrer da vida e na realização de cada movimento. Toda transformação traz em si uma modificação na forma do sujeito perceber a si próprio e aos objetos. Então, buscou-se em Funke-Wieneke (1983 apud GONÇALVES, 1994, p. 148) estruturar pedagogicamente a experiência corporal em aulas de Educação Física partir das seguintes categorias:

  1. Vivenciar a experiência do corpo: voltada ao interior do sujeito que, através do movimento, conhece, sente, relaciona as suas condições que antes eram naturais (respirar, contrair, relaxar, andar, saltar, etc.) tornando-as conscientes.

        Posso trazer para esta análise uma situação em que as crianças realizaram diversas atividades que exigia deslocamentos. Uma criança ao participar da atividade proposta: "o Gato e o Rato" (um tipo de pegador), disse estar com falta de ar, por estar cansada e respirar ofegantemente. A prática desta atividade tornou consciente uma ação que estava implícita na sua realização, tornando-se um estímulo para a percepção da inspiração e expiração. Ao alterar o número de vezes a respiração, fez a criança voltar sua atenção para sentir essa alteração, para prestar atenção no que estava acontecendo no seu interior, o que de certa forma foi determinante das possibilidades e limites para ela continuar a atividade.

        Assim, percebe-se que tal experiência inclui percepção e conhecimento das possibilidades e limitações do próprio corpo. Para Baecker (2003) este conhecimento está relacionado às experiências anteriores e que são trazidas para a situação presente, permitindo qualificar as ações de movimento como boas ou ruins, julgar as sensações, de dor ou prazer que anteriormente eram inconscientes. As manifestações de desconforto durante a realização dos movimentos se devem ao fato de que a maioria das crianças praticam poucas atividades de movimento, pois não faz parte de suas rotinas. A partir disso, podem perceber o movimento conscientemente.

        Ressalto a importância de o sujeito tomar consciência de seu corpo ao realizar o movimento, pois é através desta relação que percebe outras alterações de acordo com suas experiências particulares: respiração, batimentos cardíacos, contração e relaxamento muscular, postura corporal, sua maneira de andar, correr, saltar, etc., que estão acontecendo simultaneamente ao ato biomecânico do movimento executado em determinada atividade (FUNKE, 1998).

  2. Vivenciando a experiência com o corpo: aqui o sujeito passa a se relacionar com o mundo através de seu corpo, reelaborando conceitos que este formulará a partir de sua experiência individual e particular. Observei esse aspecto quando realizada a atividade: "Balança, mas não Cai". Duas cordas foram amarradas paralelamente em duas árvores. As crianças andaram de uma extremidade à outra, com os pés apoiados em uma corda e segurando-se e apoiando-se em outra que se encontrava na altura de seus braços e diziam: "Se eu cair, tu me segura"? E ainda: "não consigo me segurar direito".

        Ao explorar o ambiente natural foram evidenciadas situações em que ocorreu a relação do corpo com o ambiente, como por exemplo, quando algumas crianças falaram sobre suas dificuldades em relação à atividade que consistia em imitar um tatu, dando um rolinho frontal nos colchonetes: "É difícil!". Semelhante ao ocorrido em outra aula, quando num primeiro momento pedi para andarem sobre uma corda que traçava uma reta no chão. Houve dificuldade em relação ao ambiente e a forma que deveriam adaptar seu corpo e seus movimentos para conseguir deslocarem-se.

        Nota-se que as crianças são limitadas a certas formas de movimento quando exigidas. Alguns além de não saber tinham medo de tentar, mesmo com ajuda do professor ou colegas, deixando de explorar as outras possibilidades que o ambiente oferecia. Sendo que, surgem as dificuldades quando propostas atividades diferenciadas, relacionadas geralmente a aspectos motores. Independente de dificuldades percebe-se que as crianças trazem consigo a idéia de superar desafios, criar o novo, descobrir possibilidades a partir da relação, criando outros mecanismos para realizar a atividade. Mesmo esse tipo de vivências sendo novidade para eles, foi possível estabelecer uma relação de diferentes espaços e contextos.

  3. Vivenciando a experiência do corpo no espelho do outro: ocorre quando se entra em diálogo com o outro nas interações sociais, momento em que são provocadas as comparações, as avaliações, as interpretações e as reflexões sobre o seu próprio corpo e o corpo dos outros.

        Neste aspecto, quando desenvolvida a brincadeira "Briga de Galos", uma atividade onde as crianças posicionavam-se em pares, de cócoras, frente a frente com os braços estendidos, deveriam se empurrar com as mãos espalmadas na tentativa de desequilibrar o colega, identificou-se algumas expressões e comparações feitas entre os alunos, tais como: "Ele (a) é mais forte que eu"; "ganhei porque sou mais grande"; "ela sempre me derruba, quero trocar de dupla".

        Estas experiências caracterizam um momento de trocas de informações com os outros, de como o sujeito se percebe executando os movimentos e de como percebe os outros, provocando comparações, avaliações e a interpretação do seu próprio corpo e o corpo dos outros, momento em que acontecem também as interações sociais. As crianças puderam manifestar comparações feitas entre eles. Isso exige ter consciência do seu próprio corpo, porque as comparações deles acontecem a partir de si, para os outros. E ainda, há certa preocupação em relação ao tamanho e à força, manifestando espontaneamente o desejo por uma padronização em relação ao tamanho dos demais colegas, e essa padronização é diretamente influenciada pelo modelo sócio-cultural em que eles estão inseridos.

  4. Vivenciando a apresentação do corpo e interpretação da linguagem corporal do outro: significa a comunicação entre os corpos que se relacionam. Este momento propicia o diálogo em que interpretações e respostas são expressas através do "se-movimentar" destes corpos, constituindo novos significados.

        Este aspecto foi verificado durante o desenvolvimento de algumas atividades relacionados à educação do trânsito. De acordo com as orientações todos deveriam "dirigir", ou seja, imitar ser um motorista na direção de um veículo nas mais variadas formas. Nessas situações, percebeu-se que as crianças possuíam dificuldades em permanecer com os colegas do sexo oposto, formando grupos do mesmo sexo. No final da atividade, ao problematizar a discussão obteve-se as seguintes expressões: "a gente sempre faz assim...", "Porque é piá com piá e menina com menina".

        Analisando o andamento das aulas e as falas, verifica-se que muitas crianças têm receio em interagir nas atividades com colegas do sexo oposto. Os aspectos culturais e sociais dos alunos interferem claramente nas atividades de movimento das aulas de Educação Física. Kunz (2001) relata que é através da intencionalidade que se constitui o sentido/significado do "se-movimentar", intencionalidade esta que se orienta pelos fatores externos. O sentido/significado estabelecido em aula é o mesmo que aparece fora do âmbito escolar, e não como uma manifestação da cultura de movimento, de expressão e vivência dos sujeitos. Faz-se necessário ampliar as experiências de movimento, onde o corpo seja vivido em todas as suas possibilidades. Para isso é fundamental que no processo de aprendizagem seja considerada a experiência de vida individual de cada sujeito.


A experiência material

    A experiência material significa a relação entre o sujeito e os objetos físicos e naturais, numa relação que promova um diálogo com este objeto e com isto a sua autonomia e independência. Para contribuir na formação sob a perspectiva da emancipação dos sujeitos sua organização didática deve observar algumas particularidades essenciais: a abertura para que os alunos possam descobrir independentemente as formas de se relacionar com os materiais, experimentando a novidade (material), as facilidades e as dificuldades deste diálogo, a liberdade para modificar, transformar e ressignificar as ações a partir do seu diálogo/interação com o material.

    Esta liberdade dá condições ao aluno de construir seus próprios conceitos. Para que isso se concretize as tarefas devem ser organizadas de forma desafiadora. Assim, é possível manter efetivamente o diálogo com os mesmos, permitindo várias descobertas, a partir de sua própria experimentação. Para tanto, orientei-me pelas categorias:

  1. Relação do sujeito com os objetos: a relação do sujeito com os objetos ocorre no momento em que o sujeito estabelece um diálogo com o objeto, durante a realização da sua ação, conforme as experiências de seu mundo subjetivo.

        Essa relação pôde ser observada quando foram proporcionadas várias vivências com balões aos alunos. Estes deveriam enchê-los e equilibrá-los em seu corpo e, posteriormente deslocar-se. À medida que experimentavam o material, comentavam: "Não consigo encher...", "Ele não para..." e "Eu apertei e ele estourou...". Baseados nas experiências de manejo dos materiais, na relação dialógica estabelecida, as crianças foram descobrindo estratégias para cada situação de movimento. Neste caso, percebe-se a dificuldade devido à forma geométrica e leveza do balão, visto que, muitas vezes o seguravam para não deixá-lo cair. Assim, as crianças falam sobre suas experiências, qualificando suas ações de movimento, e encontrando explicações para o seu sucesso e/ou fracasso na atividade, isto é, da maneira como eles deveriam agir para que os balões, não caíssem ou estourassem.

        Outro exemplo foi uma aula que consistia em derrubar as latas com bolinhas de meia dos mais variados pesos e tamanhos. Após experimentarem arremessar de diversas maneiras, comentaram sobre suas experiências: "Essa aqui é muito leve, não derruba a lata", "tenho que chegar mais perto pra conseguir acertar na lata". Através das afirmações dos alunos, observa-se que estabeleceram uma relação dialógica com o material que estavam utilizando. Além de sentirem as características de cada bola, precisaram descobrir e esclarecer o que deveriam fazer para que pudessem acertar e derrubar as latas, quanta força precisariam aplicar, e por este motivo se aproximavam do alvo.

        Percebe-se dessa maneira a relação mencionada por Baecker (2003), onde afirma que "a experiência material não é um resultado de conteúdo determinável de ação ligada ao objeto, mas deve ser compreendida como um processo ligado a uma situação", neste caso a situação de movimento foi determinante para o conhecimento do material que estava sendo utilizado.

  2. Relação dos sujeitos com o ambiente natural: esse aspecto ocorre no momento em que o sujeito cria um diálogo com o ambiente natural, no qual está desenvolvendo sua ação, de maneira que adapte suas ações de movimento conforme as condições do ambiente.

        Relaciono esse aspecto com atividades em que eram utilizados jornais: correr com o jornal na cabeça, na barriga, no braço, nas pernas, etc. Para isso, manifestaram dificuldades na atividade por causa do vento. Verificou-se que essas crianças não estavam habituadas com tal situação de movimento. Para Baecker (2003) as crianças estão em ações de descoberta independente através de uma relação adequada entre novidade e a dificuldade.

  3. Autonomia do aluno para criar novas situações de movimento: aqui me refiro à forma de interação do aluno com os objetos e o ambiente. Ainda, a sua capacidade em realizar uma leitura crítica para transformá-la e ressignificar suas ações conforme suas vivências subjetivas.

        Foram disponibilizados diversos materiais ao grupo e acabaram por desenvolver algumas atividades: brincar com latas e pedras imitando um chocalho; lançar e empilhar as latas; construção de uma casa; fazer de um cone um microfone, ou um chapéu de bruxa, etc. A partir disso, percebe-se que as crianças têm o desejo de brincar e de fazer a brincadeira ao seu modo, sendo assim, criaram suas atividades sem a interferência do professor. Segundo Baecker (2003) estas atitudes demonstram capacidade de auto-organizar, atingindo assim o objetivo do fomento da determinação própria/autonomia e da independência.

        A partir das situações criadas nas aulas e a maneira como os alunos reagiram, verifica-se que eles relacionam cada experiência de acordo com suas vivências de movimento e ao contexto em que vivem.


A experiência de interação social

    A concepção de experiência social que utilizo como referência nesse trabalho trata de organizar as ações educativas no sentido de possibilitar uma interação onde os sujeitos possam agir no mundo e com o mundo de forma emancipada. Para tanto, o sujeito deve participar dessa construção e, para isso, é fundamental adquirir competências sociais, fundamentais para a sua emancipação. Baecker (1996) as sistematiza como: a competência do agir autônomo, a competência do agir comunicativo e a competência do agir cooperativo:

  1. Competência do agir autônomo: para Baecker (1996), a competência do agir autônomo significa trabalhar coletivamente de forma competente e, poder neste processo, expressar/externar suas próprias idéias e interesses, sabendo que as intenções de cada sujeito devem ser sintonizadas com as do grupo.

        Essa competência pode ser observada nas aulas no momento em que as crianças se organizaram para realizar suas próprias brincadeiras. Adaptaram as regras, modificando-as, de acordo com as intenções e objetivos da turma. Tiveram a oportunidade de optar por delimitar espaços e sugerir a participação de outros colegas.

        Em determinados momentos em que deveriam decidir qual atividade que iriam realizar e como ela seria feita, pode-se verificar que a forma de organização criada pelos alunos oportunizava a criação de vários personagens principais, desempenhando a inversão de papéis durante a brincadeira. Esta tomada de diferentes papéis deve ser oportunizada, pois possibilita colocar-se na situação do outro, proporciona um entendimento da realidade vivida por cada sujeito de acordo com o seu meio social e cultural.

        Percebe-se também a falta de autonomia de algumas crianças nas atividades. Então, foi perguntado: "de que outras maneiras podem brincar?" Inicialmente não se manifestaram, posteriormente sugeriram algumas alterações. Mas novas idéias nem sempre são muito bem aceitas, demonstrando dificuldades em criarem e resolverem determinadas questões.

        Analisando a aula desenvolvida fica evidente que as crianças reproduzem suas atividades anteriores de movimento, contudo, sem apresentar sugestões para mudanças. Acredito que isso se deva ao fato da influência dos esportes mais populares fora da escola e que, por conseqüência, atinge também o contexto escolar dificultando vivenciar outras formas de movimento.

        Diante dessas situações, percebe-se que as vivências de movimento e o contexto dos alunos são distintos. Enquanto alguns preferem atividades tradicionais outros assumem papéis diferentes, então se faz necessária a intervenção e a problematização por parte do professor.

  2. Competência do agir comunicativo: de acordo com Baecker (1996), por intermédio desta, é possível haver um entendimento entre os participantes da interação para a conjugação/coordenação/sincronização de suas ações.

        Posso mencionar uma situação onde foi proporcionada a brincadeira "Desatar o Nó", que consistia em todos os participantes dar as mãos depois de se deslocar de maneira desordenada num espaço limitado. Tudo isso sem soltar as mãos. Houve certa dificuldade do grupo para realização desta atividade e o diálogo foi imprescindível para a sua realização: "não puxa", "não larga", "vem pra cá".

        As crianças dialogam sobre a ação de movimento e, a partir dessa situação, discutem coletivamente a forma como a brincadeira será desenvolvida. No entanto, segundo Baecker (2003), "(...) o significado de uma tarefa ou de um objeto pode ser modificado através de uma nova pergunta ou interpretação", expresso através da experiência de movimento individual e subjetiva dos alunos, interferindo diretamente no decorrer da atividade. Houve constante troca de informações na atividade contribuindo para a emancipação dos sujeitos.

  3. Competência do agir cooperativo: existem maneiras de ação coletiva na relação com os outros onde a cooperação é fundamental, pois dela depende o êxito da ação do movimento e da intenção do grupo. Dessa forma, os sujeitos são estimulados, a partir de atividades de movimento, discutir e atribuir novos sentidos/significados para as ações e assim a estruturação de uma nova proposta de ação.

        Este aspecto pode ser percebido em algumas situações, a exemplo de uma aula onde as crianças brincavam de "Telefone sem fio". Ao formar o círculo e iniciar a atividade, todos deveriam dizer uma palavra, com o tom de voz bem baixo, ao ouvido de seu colega. Porém, estavam falando alto e todos estavam ouvindo. Um aluno, então disse: "eu escutei o que ela disse". Perguntei como deveríamos proceder para o bom andamento da atividade e todos sabiam: "tem que falar baixo!", pois já conheciam a brincadeira. Então, reiniciou-se a atividade e todos colaboraram. Nesse caso, as crianças partem de suas experiências anteriores, intervêm na situação para que a intenção do grupo possa ser realizada. Constata-se com isso que as crianças tiveram a intenção de encontrar a solução para realizar a atividade. Os membros do grupo deveriam colocar-se no lugar do outro, ajudando a desenvolver a atividade.

        Quando as crianças assumem o papel dos seus colegas acabam por construir uma ação cooperativa que, segundo Baecker (2003), faz que eles aprendam a ter responsabilidade sobre si e sobre os outros. As relações cooperativas podem ser construídas quando as crianças se auxiliam mutuamente, quando eles aprendem a adquirir confiança sobre seus colegas. As ações devem ser sintonizadas de tal forma que os alunos aprendam a perceber o outro como pessoa dotada de qualidades individuais distintas e a respeitá-la.


Algumas considerações

    Não é suficiente o professor se preocupar apenas com mudanças de conteúdos e métodos em sua prática pedagógica. Faz-se necessária uma mudança da própria concepção e do processo de ensino-aprendizagem. Trata-se, portanto, de desenvolver e ampliar o mundo do movimento das crianças respeitando o contexto vivido. A proposta aberta às experiências vem a ser uma alternativa, uma possibilidade de a criança atuar de forma independente, reconhecendo por si só sua potencialidade como sujeito responsável, participando das decisões de ensino, voltadas aos interesses objetivos e subjetivos. Dessa forma, abre-se a possibilidade de fomentar o auto-conhecimento, a auto-afirmação, a curiosidade. Recorro a esta argumentação para embasar uma proposição em que a curiosidade, a indagação, a motivação de conhecer estão sempre presentes nas relações entre os sujeitos envolvidos no processo da construção e da formação de nossa sociedade.

    A fundamentação de aulas de Educação Física na escola com base nas experiências corporal, material e social propicia ao desenvolvimento de uma formação na qual o centro do interesse é o sujeito que se movimenta e sua relação com o mundo, através do seu corpo, do meio-ambiente (objetos) e dos outros seres humanos - princípios norteadores da prática educativa.

    Posso dizer que a proposta metodológica é um meio viabilizante para a auto-reflexão e a emancipação do sujeito nas aulas de Educação Física. A relevância do trabalho pode ser percebido a nível social, motor, cognitivo e emocional, sem perder os aspectos de ludicidade, imaginação e fantasia.

    As crianças necessitam de liberdade e oportunidade para a ampliação da cultura de movimento e construção de sentido/significado. Nesse sentido, as experiências estabelecem relações do sujeito com o ambiente, com o seu corpo e autonomia para criar novas situações de movimento. Essas condições devem ser levadas em consideração pelo professor no momento do planejamento de suas aulas. Com isso, o aluno poderá conferir e atribuir significados a determinados objetos ou tarefas, bem como, atribuir novos significados, a partir de um processo de comunicação que pode ser mediado pelo professor com o objetivo de tornar este objeto ou tarefa com sentido para os participantes do diálogo.

    As aulas de Educação Física que utilizam essas bases em sua estruturação e desenvolvimento possibilitam uma prática educativa de emancipação, pois está baseada em princípios democráticos e garantem assim, um espaço de comunicação onde todos os participantes podem expor suas idéias e sentimentos em relação às situações propostas. Estes princípios de organização devem ser estimulados para que os alunos tenham a condição de elaborar através de atividades de movimento e discussões, estruturas para debate, crítica, atribuição de novos significados e sentidos a uma determinada situação. A mudança de compreensão de aula seria um primeiro passo em relação à efetivação de uma proposta de prática educativa sob a perspectiva da emancipação humana.


Referências

  • BAECKER, I. M. Identitätsfördrung in Bewegungsunterricht Brasilianischer Grundschulen. 1996. (Tese de Doutorado - Tradução Autora) - Universidade de Hamburgo, República Federal da Alemanha, 1996.

  • ____________. As Concepções da Experiência Material, da Experiência Corporal e da Experiência em Interações Sociais para a promoção do Desenvolvimento da Identidade em aulas de Educação Física. In: II FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO: AS DIMENSÕES DE UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADA PELA MODERNIDADE, 2003, São Luis do Maranhão. Anais... São Luis do Maranhão: Autores Associados, 2003.

  • FUNKE-WIENEKE Aprender a Movimentar-se: Pontos Referenciais para uma Teoria Pedagógica do Movimentar-se. In: SEMINÁRIO BRASILEIRO EM "PEDAGOGIA DO ESPORTE". FUNÇÕES, TENDÊNCIAS E PROPOSTAS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR, 1998, Santa Maria. Anais... Trebels, Andréas H. Santa Maria, RS, 1998.

  • GONÇALVES, M. A. S. Sentir, Pensar, Agir: Corporeidade e Educação. Campinas: Papirus, 1994.

  • HILDEBRANDT-STRAMANN. Textos pedagógicos sobre o ensino da Educação Física. Ijuí: Unijuí, 2001.

  • KUNZ, E. Didática da Educação Física. 2ª Ed. Ijuí: Unijuí, 2001.

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revista digital · Año 12 · N° 113 | Buenos Aires, Octubre 2007  
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