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Educação Física escolar: além da dimensão procedimental

   
Professor efetivo da E.E. Filomena Scatena Christófano.
Graduado em Educação Física pela UNESP - Presidente Prudente.
Pós-graduado em Treinamento Desportivo pela Faculdade de Lins.
 
 
Alan Rodrigo Antunes
alanantunes@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     A Educação Física escolar como introdutora, construtora e transformadora da cultura corporal de movimento, pode desempenhar um papel importante na formação de cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. Para isso é importante considerar aspectos sociais e culturais dos alunos.
    Unitermos: Educação Física escolar. Cultura corporal de movimento. Aspectos sociais e culturais.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Introdução

    A Educação Física escolar como introdutora, construtora e transformadora da cultura corporal de movimento, pode desempenhar um papel importante na formação de cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. Para isso é importante considerar aspectos sociais e culturais dos alunos.

    Dentro de um contexto onde o poder constituído de um país, que segundo Medina (1992), exerce naturalmente sua influência no sentido da manutenção de uma ordem estabelecida, a leitura e a escrita são instrumentos indispensáveis na tentativa de mudança nesta ordem, pois a tendência natural de qualquer sociedade para equilibrar o seu funcionamento é a de padronizar os seus valores. A Educação Física escolar pode considerar a leitura e a escrita não ficando restrita apenas aos movimentos corporais numa dimensão procedimental (técnica), mas utilizando dimensões conceituais e atitudinais (humano, social e político).

    Através da construção de aulas críticas, pode-se combater o conformismo que assume posições totalmente descompromissados com a verdade e os ideais coletivos. Dessa forma as aulas de Educação Física podem contribuir para a consciência corporal, ou seja, fazer com que os alunos conheçam suas limitações e deficiências, as revelando, pois, assim, agindo, conseguiram atuar de forma reflexiva na sociedade em que vivem.

    O trabalho atenta para o que Abdalla (2006) traz como discussão sobre a formação do professor, ou seja, considera o papel da escola enquanto contexto de ação e formação do professor. Sua pesquisa combina com as idéias da teoria histórico-cultural da atividade, ou seja, analisa as pessoas que atuam em interação, as relações entre as pessoas e o contexto sociocultural, pondera ainda que a atividade das pessoas e o contexto social se modificam mutuamente de uma maneira que os contextos mudam as pessoas e as pessoas mudam os contextos.

    Tem a pretensão de dar alguns passos na construção de caminhos e propostas auspiciosas para a educação, discutindo algumas questões que Imbernón org. (2000) coloca a postos no cenário educacional, ou seja, integrando a disciplina de Educação Física na época atual, quando os sinais do pós-modernismo e da globalização são muito evidentes. Portanto pretende repensar uma nova forma de educar. O que devemos manter e o que devemos abandonar na Educação Física atual?


Propostas para a Educação Física

    Segundo a LDB (lei federal nº 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996) no seu artigo 26 parágrafo 3º, "A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se ás faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos".

    A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), esclarece que a Educação Física deveria ser tratada como uma cultura corporal, esta abordando os conteúdos como expressão de produções culturais, como conhecimentos historicamente construídos, e que deve dar oportunidade a todos os alunos, sem discriminação, valorizando todos os alunos independentemente de sua aptidão física, cor, sexo ou nível social. Os PCNs têm como objetivo introduzir os alunos na cultura corporal de movimento, incentivar a crítica aos padrões impostos (como o de beleza e de consumo), e diferenciar os objetivos dos esportes com os da disciplina, ou seja, a Educação Física Escolar não tem como fim o domínio dos gestos esportivos e sim como meio para prática de movimentos corporais buscando a consciência desta prática, a aprendizagem significativa, a reflexão e a formação do cidadão crítico.

    De acordo com Darido (2003), surgem alguns modelos da Educação física, como segue:

  • A Abordagem Construtivista-Interacionista, que tem como principal autor João Batista Freire em seu livro "Educação de Corpo Inteiro", publicado em 1989, desconsidera a especificidade da disciplina, sendo esta um meio para auxiliar na aprendizagem de outras matérias;

  • Na Abordagem Desenvolvimentista, de Tani (1987) e Manoel (1994), a Educação Física deve privilegiar a aprendizagem do movimento, sendo o principal objetivo a aprendizagem das habilidades motoras, respeitando o desenvolvimento dos alunos;

  • A Crítico-Superadora de José Libâneo e Demerval Saviani, considera a disciplina com o conteúdo denominado de cultura corporal, que tem como temas: o jogo, a ginástica, o esporte e a capoeira;

  • Para Betti, principal autor da Abordagem Sistêmica, o fim é integrar e introduzir o aluno no mundo da cultura física, formado o cidadão que vai usufruir a cultura da atividade física.

    Daolio (1995), em seu livro "Da cultura do corpo", analisa a atuação de professores de Educação Física da rede pública, tendo como referencial teórico a Antropologia Social que estuda o homem nas suas relações sociais. Leva em consideração os valores morais dos professores, e não apenas a formação na faculdade, ou seja, seu currículo, sendo este necessário, mas não suficiente. Tais valores morais, a maneira como foram educados influenciam na sua atuação pedagógica.

    O autor investiga a atuação dos professores buscando "ver neles, na interação entre ação - o que fazem - e representação - como justificam o que fazem -, a síntese de toda uma experiência" (Daolio, 1995, p. 18). Defende uma Educação Física que considere o princípio da alteridade, ou seja, que valorize as diferenças entre as pessoas, o que exige colocar-se no lugar do outro.

    Moreira (1995), apresenta uma proposta que esta centrada na idéia de corpo e na ação do professor de Educação Física, ou seja, considera a especificidade da disciplina. Faz uma reflexão entre o corpo experenciado e o corpo idealizado, ou seja, questiona como o corpo é trabalho nas aulas, se é considerado além de suas formas e tonicidade de seus músculos, a explicação dos movimentos coordenados desse corpo. Tal proposta é fundamentada no fenômeno citado, o corpo, recebendo o nome de Abordagem Fenomenológica.

    Dentre as várias abordagens, concepções e currículos existentes, alguns foram relatados de maneira simplificada, para mostrar que existem vários objetivos propostos a serem alcançados na Educação Física escolar. Contudo qual é a visão dos alunos em relação à sociedade em que vivem e sua práticas corporais? Sabendo que a mídia exerce uma grande influência sobre as pessoas, principalmente a televisão, que rivaliza com a escola e com a família como fonte de valores e atitudes.


Realidade social

    Foi discutido com os alunos da Diretoria de Ensino de Presidente Prudente da E.E. Filomena Scatena Christófano, da 6ª série B do ensino do fundamental, o texto "Eu, Etiqueta" de Carlos Drummond de Andrade (Anexo I), tendo como objetivo geral aproximar o texto da realidade social do aluno, como meio socializador e transformador, e como objetivos específicos na área da Educação Física: compreender a leitura dentro do contexto da cultura corporal de movimento; colher informações e relacionar com sua experiência de vida.

    Na área da expressão corporal: relacionar o texto corporal com o texto lido; estabelecer relação entre o texto ficcional e a realidade social.


Roteiro de trabalho

    1ª aula - Leitura do texto "Eu, Etiqueta". Após, pergunta: Quem é Carlos Drummond de Andrade? Do que o texto fala? Como o autor se sente? O texto fala sobre identidade?

    2ª aula - Avaliação da composição corporal. Após, pergunta: Quem é você? Como você se sente após saber seu percentual de gordura? Você é fruto de uma sociedade consumista? A perda da identidade é o efeito colateral de estar na moda, da falta de consciência crítica? O excesso de peso é o efeito colateral da ingestão de alimentos industrializados e gordurosos?

    3ª aula - Após a interpretação do texto e a reflexão da avaliação física, os alunos produziram textos escritos.

    As produções dos textos foram separadas em conformidade com o percentual de gordura dos alunos. Para a coleta dos dados foi utilizado um aparelho para predizer o percentual de gordura chamado compasso para medir a espessura de dobras cutâneas do tipo Harpenden.

    A equação utilizada foi a de Slaughter et alii, sendo o erro de predição produzido entre 3,6% e 3,9%.

    Dos resultados encontrados 35 % dos alunos apresentam percentual de gordura acima do ideal e 65 % apresentaram o percentual de gordura ideal ou abaixo do ideal.

    Após o contato dos alunos com os resultados, foi pedido que os mesmos expressassem as suas percepções em relação ao seu percentual de gordura.

    Textos produzidos pelos alunos após as discussões.

  • "Sinto que devo melhorar minha alimentação, já que nos dias de hoje sofremos opressão da sociedade, como fala Carlos Drummond, que dá exemplo das marcas de roupa. Acho que as pessoas são vítimas de suas próprias escolhas e o excesso de peso é o efeito colateral da ingestão de alimentos e falta de exercícios".

  • "Me sinto bem, porque estou com o percentual de gordura ideal".

  • "Me sinto triste, eu sou o fruto de uma sociedade consumista, porque olham o que eu estou usando. A perda da identidade é mais ou menos, porque eu como frutas e outros alimentos saudáveis. Procuro caminhar e comer menos alimentos gordurosos".

  • "Fiquei triste ao saber que meu peso está alto, eu sou um fruto de uma sociedade consumista, eu me sinto muito mal em saber que as pessoas vai olhar para mim e falar que eu sou gorda, mais ou menos. Depois que eu vi essa porcentagem, irei fazer dieta e caminhar bastante para ficar no peso excelente".

  • "Eu me sinto um pouco assustado porque eu sou magro".

  • "Me sinto com tudo certo, porque 'Deus' me fez assim e se eu não gostar do meu corpo quem vai gostar".

  • "Eu não sei. Não por que eu não estar na moda ou estar não quer dizer nada. O excesso de peso é o efeito colateral principalmente alimentos gordurosos".

  • "Eu sou uma menina legal, sentimental, e também triste, eu não me importo com o meu percentual de gordura. Sinto-me fruto de uma sociedade consumista porque compro roupas, sapatos etc..., e também sou o efeito colateral porque ao mesmo tempo que esta usando sta fazendo parte de uma sociedade sim".

  • "Sou uma menina extrovertida. Se sinto normal pois esse é o peso que sempre quis ter e não se sinto muito gorda com 38 kilos. As vezes como besteiras como coisas gordurosas mais nem sempre faço isso. Não sou efeito colateral pois o meu percentual de gordura quem precisa saber se está bom ou não sou eu não os outros. O excesso de peso pode ser efeito colateral por causa dos alimentos gordurosos".

  • "Eu me senti com medo na hora que fui ver a medida que tenho, e está muito alta e não me sinto igual Carlos domom".

  • "Eu me sinto normal como eu me sentia antes mesmo sabendo que minha porcentagem de gordura esta auta".

  • "Gosto muito de se divertir. Eu me sinto ruim porque eu to gorda. Sim, faço parte de uma sociedade consumista. Não, nunca me senti ofendida. As vezes o excesso de peso é o efeito colateral".

  • "Eu me sinto legal, porem desepcionada pois não como muito, mas quando eu pego a comer não paro mais. Eu sou um fruto de uma sociedade consumista, eu não acho que estou fora da moda. Eu antes de medir minhas gorduras achava que estava magra, só que quando eu vi que estava moderadamente alta tive um ataque, eu já não tomo café da manhã e nem janto, agora não vou tomar café da manhã, café da tarde e nem jantar, só vou almoçar e no almoço vou comer só arroz e salada pois estou com 48 kg e quero chegar ao 43 kg. Estou chocada com meu comportamento, vou tomar só coisas ligt, chega as coisas gordurosas, salgados, biscoitos etc. Vou voltar a fazer 6 km de caminhada igual eu fazi antes 3 de ida e 3 de volta".


Dimensões da aprendizagem

    Após a leitura dos textos produzidos pode se observar algumas competências atitudinais: mudanças na alimentação e prática de exercícios.

    Porém, alguns alunos após saber o seu percentual de gordura não relataram possíveis atitudes a serem tomadas. Alguns até mostraram uma autodefesa na elaboração de suas respostas, como: "Me sinto com tudo certo, porque 'Deus' me fez assim e se eu não gostar do meu corpo quem vai gostar". Analisando o que foi escrito mostra que é importante a aceitação pessoal, porém após a tomada de consciência corporal algumas atitudes devem ser pensadas, como mudança nos hábitos alimentares, prática de exercícios físicos e a relação entre a cultura corporal e a sociedade consumista.

    Alguns esclarecimentos também devem ser feitos, pois um aluno demonstrou não conhecer uma alimentação saudável, dizendo que iria apenas almoçar e não realizar as demais refeições do dia.

    Pode-se observar também o embate que alguns alunos sofreram após saber o percentual de gordura, pois pensavam ou sentiam-se magros. Dessa forma alguns conceitos de competências cognitivas devem ser tomadas, já que é de grande importância o conhecimento de que determinação da gordura corporal não é feita pelo peso e sim pela quantidade de gordura corporal, encontrada através de avaliações específicas.

    Portanto, o trabalho teve como objetivo iniciar a discussão com os alunos sobre competências conceituais, procedimentais e atitudinais relacionados à composição corporal, ou seja, conhecer o percentual de gordura, vivenciar uma avaliação física e realizar um projeto de qualidade de vida.


Bibliografia

  • DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: São Paulo: Papirus, 1995.

  • DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

  • IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 15.

  • KUNZ, E. (Org.). Didática da educação física. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2001.

  • MATTOS, M. G.; MATTOS, M. G. N. Educação física infantil: inter-relações, leitura, escrita. São Paulo: Phorte, 2002.

  • MOREIRA, W. W. Educação física escolar: uma abordagem fenomenológica. 3. ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1995.

  • SAVATER, F. O valor de educar. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

  • TANI, G. et al. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU: Universidade de São Paulo, 1998, p. 2.

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