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Atividade motora para indivíduos portadores da síndrome de Down
Motor activity for Down syndrome individuals

   
Doutor em EF pela Universidade de São Paulo. Diretor do Curso de EF
da Universidade Cidade de São Paulo. Coordenador do Grupo de Estudos
em Comportamento Motor (GECOM) do Laboratório de Pesquisas
Aplicadas em EF e Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo.
 
 
Roberto Gimenez
gimenez@uninove.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Esse artigo corresponde a uma revisão de literatura sobre as principais características de indivíduos portadores da síndrome de Down e suas respectivas implicações para o desenvolvimento de programas de educação física. São abordadas as principais influências dos programas de intervenção em algumas capacidades físicas, motoras e habilidades motoras desses indivíduos.
    Unitermos: Síndrome de Down. Atividade motora. Programas de intervenção.
 
Abstract
     This paper is a literature review about Down syndrome individuals characteristics and their respective implications for the development of physical education programs. It is presented the main influences of the intervention programs in some physical and motor abilities and, in the motor skills of these individuals.
    Keywords: Down syndrome. Motor activity. Intervention programs.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 113 - Octubre de 2007

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Introdução

    Estima-se que em média para cada oitocentos nascidos, pelo menos um indivíduo apresente o problema da Síndrome de Down. É numeroso o grupo de indivíduos portadores da síndrome de Down existente no Brasil, sendo estimado que pelo menos cem mil brasileiros apresentem essa deficiência. Grande parte desses indivíduos participa de programas de reabilitação e educação especial. Esses programas são desenvolvidos por equipes de profissionais, cada qual, dentro de sua especialidade. Assim, é possível encontrar profissionais da saúde, como médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, etc. Da mesma forma, podem pertencer aos grupos, profissionais da educação como pedagogos e professores de educação física.

 &nDe modo geral, os professores de educação física ainda carecem de fundamentação para trabalharem junto a indivíduos portadores de deficiência. Não raro que essas dificuldades se apresentem na intervenção com indivíduos portadores da síndrome de Down. Em parte, esse problema decorre da própria formação profissional que, até recentemente, voltava-se fundamentalmente para aspectos técnicos de gestos desportivos. Contudo, vale destacar a escassez de conhecimentos relacionados às possíveis influências de programas de educação física orientados a essas populações. O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas características fisiológicas e motoras da síndrome de Down e apontar suas possíveis implicações para o desenvolvimento de programas de educação física.


Generalidades

    A síndrome de Down consiste numa das síndromes mais estudadas pela ciência. Esse problema é fruto de uma distribuição cromossômica inadequada que ocorre durante a meiose (Schawartzman, 1999). Essa anormalidade na divisão cromossômica resulta numa série de peculiaridades físicas. De modo geral, os indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam dentes pequenos, língua protusa, palato elevado, prega epicantal (no canto dos olhos) e formato oblíquo da fenda palpebral, mãos grossas e curtas, dedo mínimo arqueado, cabeça e porção occipital do crânio achatados, genitais poucos desenvolvidos.

    No âmbito da capacidade para realizar movimento, os indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam limitações para a realização de inúmeras tarefas motoras. É possível que essas dificuldades para a realização de movimentos contribuam para o problema do sedentarismo, o qual tem sido alvo de preocupação na área (Garciduemás, Cisneros & Guzmán, 2000, Nahas e colaboradores, 2001; Villagra & Oliva, 2000). De maneira similar, o sedentarismo contribuiria para um menor envolvimento com a atividade motora, problema que traz repercussão principalmente na idade adulta e pode ser percebido por meio de um acervo motor reduzido (Seaman e DePauw, 1982). O problema da relação entre as experiências motoras e o sedentarismo pode ser entendido a partir de um ciclo. Em outras palavras, esse problema pode ser analisado a partir de uma relação de mão-dupla entre as características do indivíduo portador da síndrome de Down e o sedentarismo. As dificuldades motoras influenciariam para a existência do sedentarismo e, por sua vez, o problema do sedentarismo implicaria numa restrição à prática e na conseqüente baixa estimulação motora.

    De modo geral, acredita-se que esses problemas na capacidade para realizar movimento, presentes em indivíduos portadores da síndrome de Down podem derivar de processos ou mecanismos anteriores que não foram completados de maneira satisfatória.

    Seaman e DePauw (1982), por exemplo, apresentam um modelo de seqüência de desenvolvimento motor que atribui ênfase aos mecanismos de maturação inicial e secundária. De acordo com esse modelo, a aquisição de padrões fundamentais ou habilidades básicas estaria condicionada ao pleno desenvolvimento dos sistemas de maturação inicial e tardia. Assim, quando uma criança portadora da síndrome de Down encontra dificuldades para aprender a realizar uma habilidade global, como andar, é possível que ela não tenha desenvolvido adequadamente um dos mecanismos anteriores, como o do sistema vestibular ou proprioceptivo. Esse modelo pode contribuir significativamente para a compreensão do problema da deficiência mental, uma vez que, grande parte desses indivíduos apresenta problemas nesses sistemas de maturação (Polastri e Barela, 2002). De acordo com o modelo, o alcance de fases como a de movimentos fundamentais e de movimentos culturalmente determinados estaria condicionado à passagem pelas etapas anteriores. Considerando que indivíduos portadores da síndrome de Down apresentariam problemas nesses sistemas de maturação inicial e tardia, isso poderia dificultar o alcance da fase de respostas sensório-motoras e a própria aquisição de habilidades motoras.

    Esses mecanismos ou sistemas que oferecem suporte ao desenvolvimento e aquisição de habilidades motoras, podem ser entendidos a partir dos conceitos de mudança no hardware e software (Connolly ,1970).

    As mudanças no sistema de hardware referem-se à estrutura, por exemplo a mielinização que acontece nos axônios. Por outro lado, as mudanças no sistema de software estão relacionadas à função, como por exemplo, o ganho de velocidade no processamento de informação decorrente da mielinização. Os indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam vários problemas no hardware, que se repercutiriam no software.

    Os problemas de hardware refletem, sobretudo em limitações de capacidades físicas e motoras. Trata-se de um problema importante, uma vez que tanto as capacidades de proficiência física, quanto as perceptivo-motoras dão suporte à aquisição e a performance de habilidades motoras (Gimenez e Stefanoni & Farias no prelo). Em outras palavras, é possível, por exemplo, que os problemas de equilíbrio, timing coincidente e agilidade constituam entraves para a aquisição de padrões fundamentais, ou habilidades especializadas.

    A intenção da próxima seção é justamente apresentar um levantamento de algumas características estruturais (hardware) e funcionais (software) dos indivíduos portadores da síndrome de Down e apontar suas respectivas implicações para a intervenção do profissional de educação física por meio de programas de atividade motora.


Principais características estruturais e funcionais e suas relações com a atividade motora

    É possível sub-dividir as características estruturais e funcionais dos portadores da síndrome de Down em três níveis:

  1. Particularidades associadas às estruturas do aparelho locomotor e à composição corporal;

  2. Particularidades associadas a estruturas do sistema cardiorrespiratório e ao metabolismo;

  3. Particularidades associadas ao sistema nervoso central e ao mecanismo de processamento de informações;

    Os problemas associados às estruturas do aparelho locomotor que são mais freqüentemente encontrados nessa população são: a frouxidão ligamentar, relacionada, em grande parte das vezes, a particularidades articulares como a rotação acentuada da articulação coxo-femural; hipermobilidade patelar e instabilidade atlanto-axial - frouxidão dos ligamentos responsáveis pela estabilização da articulação entre as vértebras atlas e axis (Block, 1991).

    Dentre as restrições que podem ser apontadas para o trabalho junto a essas populações destacam-se, um maior cuidado no desenvolvimento de atividades que proporcionem posturas com ângulos extremos das articulações. Em relação à região do quadril, recomenda-se a não utilização de atividades que impliquem sentar com os membros inferiores cruzados (posição de índio). Merecem um cuidado especial, as atividades que possam causar impacto acentuado sobre as estruturas articulares dos membros inferiores como salto em extensão e em altura (Seaman e DePauw, 1982). Torna-se muito difícil lidar com essa especificidade, sobretudo quando se considera que ele se soma ao problema de flacidez muscular freqüente nessa população (Block, 1991).

    Outro aspecto importante diz respeito à realização de atividades que eventualmente possam proporcionar impacto excessivo junto à região cervical, uma vez que pode existir o problema da instabilidade atlanto-axial (Schwartzman, 1999). Tal fato tem suscitado um questionamento sobre a viabilidade em se desenvolver atividades como cambalhotas, mergulhos e cabeçadas. Além disso, é fundamental que todo trabalho desenvolvido seja rigorosamente acompanhado por exames médicos periódicos, envolvendo também radiografias da região cervical.

    Os fatores apontados acima merecem consideração especial, uma vez que existem particularidades em relação à composição corporal desses indivíduos. Prevalece uma grande incidência de problemas de obesidade, os quais podem comprometer, ainda mais, as estruturas articulares, sobretudo tornozelo e joelho, em razão de sobrepeso.

    No tocante aos problemas relacionados ao sistema cardiorrespiratório e ao metabolismo, é possível destacar desde aspectos relacionados ao sistema cardiovascular, até outros, predominantemente de ordem bioquímica.

    Genericamente, indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam disfunções relacionadas ao sistema cardiovascular como, por exemplo, disfunções nos septos atrial e ventricular (Ferrín e colaboradores, 1997). Dependendo de sua gravidade, esses problemas requerem intervenção cirúrgica ou oferecem limitações para a capacidade desses indivíduos em suportar maior intensidade e duração das atividades motoras. Dentre as atividades que podem oferecer restrição aos indivíduos portadores da síndrome de Down encontram-se aquelas com tipo de contração isométrica, pois elas poderiam elevar a pressão arterial em demasia, e as atividades de predominância anaeróbia, em virtude das exigências demasiadas sobre o sistema cardiovascular. Em decorrência da grande incidência desses problemas cardiovasculares nessa população, é aconselhável a realização sistemática de exames médicos e um acompanhamento detalhado da evolução do aluno no programa.

    Em nível bioquímico, são encontrados baixos níveis de aminoácido hidroxi-triptofano, o qual desempenha um papel importante na condução do impulso nervoso. Recentemente, tem sido apontada a incidência de problemas neuroquímicos envolvendo enzimas como a fosfofrutoquinase e dióxido dismutase, dos quais podem derivar o envelhecimento precoce, e o problema de Alzheimer (Eberhard e colaboradores, 1997). Outros estudos reportam a existência de anormalidades nas concentrações de zinco plasmático, em razão de alterações da glândula tireóide, bem como, a presença de problemas gastrointestinais, que poderiam afetar as próprias funções endócrinas, a maturação cerebral e o desempenho em tarefas com alta demanda cognitiva (Mariani e colaboradores, 2001).

    Outra característica dessa população é a tendência à obesidade (Villagra & Oliva, 2000). A obesidade se apresenta com maior freqüência junto às meninas e está muito associada ao hipotiroidismo (Block, 1991; Schwartzman, 1999). Esse problema tem merecido muita atenção por parte dos trabalhos multidisciplinares. Em especial podem ser apontados como fatores contribuintes ao problema da obesidade, a baixa estatura e a falta de um controle adequado sobre a alimentação (Schwartzman, 1999). Outros fatores também têm sido apontados, como menor taxa de metabolismo basal, pouca atividade motora, a hipotonia e o hipotiroidismo.

    Finalmente, considerando as particularidades relacionadas ao sistema nervoso central e ao mecanismo de processamento de informações é possível destacar que os indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam índices elevados de problemas nos sistemas sensoriais e também na percepção. Dentre eles, destacam-se os problemas visuais como nistagmo, estrabismo e miopia; auditivos tanto de condução, como de percepção e olfatórios (Block, 1991).

    No que se refere ao sistema nervoso central, é apontado que, genericamente, os indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam um cérebro pequeno e esférico. Eles apresentam também um número mais reduzido de sulcos secundários em relação aos indivíduos normais, e os giros temporais são pouco desenvolvidos. São apontadas, ainda, diferenças nas células nervosas. Por exemplo, Pandilla (1976) reporta a existência de diferenças nos axônios e dendritos dos neurônios piramidais do córtex motor. Essas diferenças apresentariam uma correlação alta com problemas de fragmentação e necrose desses prolongamentos, e também com diferenças na atividade elétrica do cérebro (Kauffman e Moser, 2000). Esse problema ofereceria limitações para a ocorrência de conexões sinápticas, bem como, para a própria transmissão neural do impulso nervoso. Também são apontados problemas como a falta de diferenciação e crescimento dos neurônios e uma redução das conexões dendríticas. Além disso, a literatura destaca a existência de células nervosas atrofiadas, condição que, muito provavelmente, estaria associada a defasagens para a integração de informações visuais e espaciais. Indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam também cerebelo e gânglios de base menores (Block, 1991) - estruturas relacionadas diretamente ao controle de ritmo, coordenação, timing e equilíbrio (Rosenbaum, 1991). De modo geral, esses problemas implicam em limitações para a aquisição de habilidades motoras, sejam elas do esporte, do universo cultural ou do cotidiano.

    Outra particularidade que tem merecido a atenção por parte de um grande grupo de pesquisadores e das equipes de intervenção é a hipotonia muscular (Block, 1991). Há indícios de que esse problema possa estar associado a disfunções por parte de estruturas do sistema nervoso central, como por exemplo, os gânglios de base e o cerebelo (Rosembaum, 1991). Esse problema resultaria em dificuldades no controle e recrutamento de fibras musculares. Contudo, segundo Block (1991), esse pode ser considerado um problema cujas causas ainda são obscuras.

    O problema da hipotonia seria percebido principalmente por: (a) aumento da mobilidade articular; (b) aumento da resistência das articulações em relação a movimentos passivos; (c) problemas posturais variados, dentre os quais, pode ser destacada a opção por posturas não usuais.

    No que diz respeito à organização cerebral sugere-se que a especialização hemisférica de indivíduos portadores da Síndrome de Down é diferenciada dos indivíduos normais (Welsh e Elliott, 2001). A especialização diferente seria identificada por uma dissociação das áreas cerebrais responsáveis pela percepção da fala, sua produção, e o controle de movimentos complexos, que aconteceriam numa mesma região cerebral, resultando numa sobrecarga de processamento. Essa peculiaridade poderia resultar em dificuldades por parte desses indivíduos em compreender o que está sendo dito ao mesmo tempo em que realizam movimentos complexos. É possível especular que uma das principais conseqüências dessa condição seria para a forma pela qual o professor de educação física poderia transmitir as informações. No caso de indivíduos portadores da síndrome de Down, talvez a utilização da demonstração seja um recurso mais efetivo que a instrução verbal.

    Outra consideração merece ser feita, em relação à quantidade de informações que esses indivíduos mantém na memória de curto prazo. Esse número seria reduzido, quando comparado aos indivíduos normais (Vicari e colaboradores, 2000). Contudo, alguns estudos realizados têm demonstrado que o uso de dicas e associações com elementos conhecidos pode favorecer o armazenamento dessas informações no processo de aquisição de habilidades motoras por parte de indivíduos portadores de deficiência mental em geral.

    Em linhas gerais, é possível dizer que as particularidades de ordem estrutural e funcional encontradas no aparelho locomotor, composição corporal, sistema cardiorrespiratório e metabolismo relacionam-se fundamentalmente às capacidades de proficiência física desses indivíduos, tais como, capacidade aeróbia, flexibilidade, resistência muscular localizada.

    Por outro lado, as particularidades associadas ao sistema nervoso central estariam associadas às chamadas capacidades motoras ou perceptivo-motoras, principalmente ao equilíbrio, a coordenação bimanual, ao tempo de reação, ao timing coincidente, ao controle de força, ao controle de velocidade, a agilidade e ao ritmo (Gimenez, Stefanoni & Farias no prelo).

    Reconhecidamente, indivíduos portadores da síndrome de Down apresentam problemas de equilíbrio (Shumway-Cook e Woolacott ,1985). De modo geral, esses problemas parecem estar associados ao problema da hipotonia, sobretudo da musculatura do tronco, e ao fato dos indivíduos portadores da síndrome de Down utilizarem tardiamente a informação visual para auxiliar no controle postural. Contudo, existe uma possibilidade de ganho tanto de equilíbrio estático, quanto dinâmico. Ganhos acentuados nessa capacidade têm sido encontrados a partir de diferentes programas de intervenção (Jobling, 1998; 1999).

    Os problemas de timing coincidente apareceriam principalmente em tarefas que implicam a capacidade de executar um movimento visando coincidir com em evento ou estímulo ambiental. Indivíduos portadores da síndrome de Down freqüentemente apresentam desempenho motor pobre nesse tipo de tarefa motora (Block, 1991; Gimenez, Stefanoni & Farias, no prelo), como, por exemplo, nos casos de rebatidas, chutes, etc. Esse problema aconteceria muito mais em razão de problemas temporais do que espaciais e freqüentemente ocorre grande melhora nessa capacidade a partir de trabalhos de intervenção.

    As capacidades de coordenação bilateral e multimembros também são razoavelmente comprometidas nessas populações. Em especial, as dificuldades maiores se encontram diante de tarefas assimétricas nas quais existem muitos elementos (Jobling, 1999). Grande parte desses problemas aparece em atividades como saltos, nos quais a ação dos membros inferiores é diferenciada. Esse problema é mais acentuado, nos casos em que se identifica falta de lateralização. Os programas de atividade motora podem resultar em ganhos acentuados nessas capacidades (Seaman e DePauw, 1982; Jobling, 1999).

    De modo geral, são verificadas também dificuldades de controle de velocidade, força e em tarefas de agilidade. Os controles de força e velocidade são problemas associados ao estabelecimento de parâmetros para o movimento. É possível que eles sejam diretamente relacionados a estruturas como os gânglios de base e o cerebelo (Rosembaum, 1991). Os estudos têm demonstrado que indivíduos portadores da síndrome de Down submetidos a programas de intervenção também apresentariam melhora para o estabelecimento desses parâmetros nos movimentos, ainda que essa melhora aconteça de maneira menos pronunciada do que a verificada nos indivíduos normais (Jobling, 1999).

    O tempo de reação dos indivíduos portadores da síndrome de Down também é maior, quando comparado aos indivíduos normais. Esse problema acontece tanto, no tocante ao tempo de reação simples, quanto ao tempo de reação de escolha (Anwar, 1986). As limitações relacionadas ao tempo de reação simples estão muito associadas às condições estruturais do organismo desses indivíduos, tais como a própria mielinização. Essa variável sofreria pouca influência por parte da estimulação ambiental. Ao passo que o tempo de reação de escolha, também denominado de capacidade de orientação da resposta, pode melhorar consideravelmente a partir do treinamento. Trata-se de uma perspectiva interessante, sobretudo quando se considera que essa capacidade é uma exigência de muitas habilidades abertas, como os jogos e as brincadeiras que exigem a escolha de uma resposta, dentre duas ou mais possíveis.

    Finalmente, constata-se nessa população, muitos problemas associados ao ritmo, ou ao estabelecimento de relações temporais entre vários elementos de uma ação motora complexa (Inui, Yamanishi & Tada, 1995). Em tarefas de laboratório, a grande maioria dos estudos utilizados para verificar essas dificuldades envolve tarefas como tocar sensores, procurando acompanhar uma seqüência temporal. Essas dificuldades se tornam evidentes quando a tarefa exige mudanças na velocidade de toque dos sensores. No contexto da intervenção, são vários os autores que têm sugerido o uso de atividades rítmicas no processo de intervenção junto a indivíduos portadores da síndrome de Down.

    Tendo em vista essas constatações, é fundamental discutir algumas alternativas para o desenvolvimento de programas de atividade motora.


Alternativas de intervenção

    No âmbito da intervenção por meio de programas de atividade motora é pertinente destacar a existência de duas grandes possibilidades: (a) o desenvolvimento de propostas voltadas para a aptidão física; (b) o desenvolvimento de programas voltados para a aquisição de habilidades motoras.

    Pensando na perspectiva dos trabalhos voltados para a aptidão física, é pertinente ressaltar a sua relevância, principalmente junto aos indivíduos portadores da síndrome de Down adultos (Croce e Horvat, 1992; Horvat e Franklin, 2001). Conforme é destacado por Seaman e DePauw (1982), em que pese a integridade de estruturas fisiológicas, indivíduos portadores de deficiência mental na idade adulta podem desfrutar de uma série problemas de saúde em razão de seus hábitos de vida marcados por pouca atividade motora.

    Em especial, o desenvolvimento de programas direcionados ao aprimoramento de capacidades físicas tem sido sugerido por alguns pesquisadores (p.e. Winnick e Short, 2001). Desde a década de 70, vários estudos têm constato ganhos pronunciados em parâmetros como capacidade aeróbia (Beasley, 1982; Nordgen, 1971; Phillip, Tomporowski e Jameson, 1985), em decorrência de programas de intervenção. Recentemente, tem sido debatido o efeito da freqüência semanal e a durações das sessões de treinamento (Millar, Fernhall e Burkett, 1992).

    Em contrapartida, no que diz respeito às propostas voltadas para a aquisição de habilidades motoras verifica-se uma grande preocupação em relação ao papel das experiências motoras para as crianças portadoras da síndrome de Down. São vários os trabalhos que reportam ganhos qualitativos em habilidades motoras por parte de crianças portadoras da síndrome de Down em decorrência de programas específicos de estimulação (Block, 1991; Jobling, 1999). O desenvolvimento dessas habilidades motoras estaria relacionado principalmente ao aprimoramento de capacidades motoras.

    Uma questão que merece ser levantada é justamente ao tempo desses programas e suas reais possibilidades de contribuir para aprimorar habilidades motoras. Estudos realizados tanto com crianças normais, quanto com indivíduos portadores de deficiência visual, demonstraram que programas desenvolvidos com uma freqüência de duas sessões semanais já seriam suficientes para auxiliar no ganho de qualidade na execução de padrões fundamentais. Esses ganhos aconteceriam de maneira mais pronunciada em habilidades motoras discretas como (arremessar, saltar e receber). Assim, acredita-se que o desenvolvimento de programas voltados para aquisição de habilidades motoras poderia implicar resultados positivos num trabalho de intervenção junto a indivíduos portadores da síndrome de Down.

    Entretanto, cabe ressaltar uma preocupação relacionada ao foco dos trabalhos. Em muitos casos, o investimento de tempo demasiado almejando aprimorar capacidades motoras pode ser infrutífero. Muitos indivíduos portadores da síndrome de Down, em razão de seu comprometimento acentuado em estruturas do sistema nervoso central, podem apresentar pouco ou nenhum ganho nesses sistemas.

    Essa constatação tem levado alguns pesquisadores da área a sugerirem que os programas de atividade motora para indivíduos portadores da síndrome de Down devam basear-se principalmente em atividades que estimulem o desenvolvimento de suas capacidades remanescentes e não se limitem a minimizar as suas limitações.

    Nesse sentido, quando se almeja criar condições favoráveis para uma criança portadora da síndrome de Down interagir numa partida de futebol, talvez a melhor alternativa não seja enfatizar atividades orientadas para melhorar o timing coincidente, fundamental para o chute e o passe, uma vez que o indivíduo pode apresentar limitações estruturais que dificultariam o seu desenvolvimento. Em termos práticos, uma alternativa para a solução desse entrave seria proporcionar condições para que o aluno se movimente melhor numa situação de jogo, para que, mesmo quando ele executar uma recepção de maneira inadequada em virtude de seus problemas de timing, que ele esteja suficientemente longe de seu adversário, de maneira que possa recuperar a bola e fazendo com que ela retorne a um de seus companheiros de time.

    Em especial, essa constitui uma alternativa interessante para diferenciar a atuação de profissionais de educação física de fisioterapeutas, duas áreas que necessitam de uma delimitação mais clara. Enquanto a preocupação do fisioterapeuta estaria mais voltada para minimizar problemas existentes, o profissional de educação física almejaria aprimorar as capacidades remanescentes.


Considerações finais

    A preocupação central desse trabalho foi apresentar uma revisão sobre as principais características dos indivíduos portadores da síndrome de Down e apontar suas respectivas implicações para a natureza dos programas e das atividades de intervenção.

    Não há sombra de dúvida de que os indivíduos portadores da síndrome de Down respondem positivamente aos programas de atividade motora. Esses benefícios envolvem desde a sua aptidão física e saúde, até o própria qualidade da execução motora. Contudo, um dos desafios para o momento é justamente a interação entre os vários profissionais que lidam com essa deficiência, pois o problema apresenta facetas que permeiam diferentes esferas do comportamento e níveis de análise do movimento humano (desde o nível bioquímico até o sócio-cultural).

    Essa aproximação se faz necessária principalmente quando se leva em consideração que diante de suas limitações esses indivíduos são suficientemente dinâmicos e se adaptam, a partir do estabelecimento de uma nova ordem ou estratégias de controle preferenciais (Gimenez, Stefanoni & Farias no prelo).

    Finalmente, para que o processo de intervenção possa acontecer de modo satisfatório é fundamental que se atribua um destaque especial para a fundamentação dos profissionais. Todos devem buscar conhecer efetivamente as peculiaridades dessa deficiência, bem como, a natureza de cada tarefa motora ou proposta de trabalho elaborada.


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