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Espetacularização esportiva na TV:
ações e desafios à educação física escolar

   
Especialista em Educação Física escolar - UGF.
(Brasil)
 
 
Nei Jorge dos Santos Junior
edfnei@hotmail.com
 

 

 

 

 
Resumo
     O encontro massivo e prematuro dos alunos com os meios de comunicação de massa (MCM), eleva um grande desafio à educação e peculiarmente à Educação Física escolar, considerando que os elementos atrativos oferecidos em formas de espetáculo contribuirão para a concentração do tempo livre e consumo de produtos, com informações paralelas contidas na TV, instaladas no dia a dia dos educandos, influenciando as principais funções e objetivos da instituição escolar. O presente artigo, objetiva analisar as relações entre mídia, espetacularização esportiva e Educação Física escolar, procurando problematizar seus sentidos implícitos e explícitos, identificando e engajando como prática pedagógica. Por fim, a mídia esportiva torna-se conteúdo da educação física escolar, a qual deve tematizá-lo, contextualizá-lo e criticá-lo, avaliando os meios e instrumentos da mídia esportiva e seu impacto na sociedade, a fim de formar um sujeito crítico e autônomo.
    Unitermos: Espetacularização esportiva. Mídia. Educação Física escolar.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 111 - Agosto de 2007

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"E sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original,
a representação à realidade, a aparência ao ser... Ele considera que a ilusão
é sagrada, e a verdade é profana. E mais: a seus olhos o sagrado aumenta à
medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele,
o cúmulo da ilusão fica sendo o acúmulo do sagrado"
.
(FEUERBACH apud DEBORD, 2006: 13).

Introdução

    A velocidade de informações tecnológicas oferecidas pelos meios de comunicação de massa (MCM) configura uma nova visão cultural, na qual barreiras geográficas não são empecilhos para disponibilizar produtos de consumo aos espectadores. A facilidade de informações e encontros prematuros com diversas culturas corporais de movimento diminui o contingente de praticantes através da mídia, tendo a televisão (TV) como primeiro elemento de encontro com a prática esportiva, configurando um cenário de crise para a educação física escolar.

    Considerando o esporte como expressão hegemônica no âmbito da cultura corporal de movimento. Configura-se o esporte espetáculo como objeto preponderantemente nas aulas de Educação Física, apresentando-se de forma acrítica, sem elementos contextualizados, passando a ser um mero agente de propaganda e incentivo ao consumo, não só do esporte, mas de todos os elementos que o circulam.

    Para Pires (2003: 21), "na lógica neoliberal, a própria cultura mundializada transforma-se em mercadoria padronizada e simbolicamente consumida através da mídia" . Tendo o esporte como produto cultural em que o reconhecimento e anuência integral aumentam à medida que se torna cada vez mais um telespetáculo.

    Portanto, o estudo pretende desenvolver uma reflexão no âmbito teórico, a partir do problema de pesquisa: como a Educação Física escolar pode subsidiar aos alunos elementos para uma interpretação crítica sobre a espetacularização esportiva na TV, o que envolve uma intervenção pedagógica sobre os conteúdos midiáticos? Objetiva-se problematizar os sentidos implícitos e explícitos na espetacularização esportiva na TV, identificando-as e engajando-as na prática pedagógica. São questões iniciais deste estudo: porque problematizar o esporte espetáculo nas aulas de Educação Física? O que é espetacularização? Porque educar para espetacularização? Quais são os desafios para a Educação Física?


Do jogo a espetacularização esportiva na TV

    O espetáculo esportivo como massificação social, apresenta algumas características que favorece sua comercialização e aceitação mundializada, tendo como elemento essencial a universalização da sua linguagem, o que segundo Pires (2002: 90), dá-se "em virtude da uniformidade de seu funcionamento, imposta pelas entidades que o comandam (ligas e federações mundiais, e o Comitê Olímpico Internacional - COI)". Essa universalização se dá pela linguagem imagética, no qual representações simbólicas permitem sua compreensão em todos lugares, facilitadas pela figura e personagem do atleta, que proporcionará muitas vezes a esperança do êxito. Aproximando-se aqui das idéias de DEBORD (2006), sobre a sociedade do espetáculo, quando se refere ao termo vedete do espetáculo, dada pela representação do vivido aparente, mediada pelo agente do espetáculo, alimentando um imaginário distorcido de muito dinheiro, fama, vitória e pseudoconsumo total, proporcionado pela mídia na expansão do capitalismo.

    A internacionalização esportiva é o fenômeno mais importante dos últimos anos (BETTI, 2004), declarando a televisão como parte do processo transformador do esporte em esporte espetáculo, numa interação incessante, adaptando-se uns aos outros. Tanto à TV adapta-se ao esporte, como o esporte à TV, procedendo alterações como: inclusão de publicidade, mudanças significativas nas regras de diversas modalidades, criações de programas e quadros de apresentação, exposição dos personagens (atletas), recursos tecnológicos para uma melhor dependência do espectador, entre outras, caracterizando uma aliança perfeita para o universo televisivo. Em 1993, o presidente do COI Juan Antonio Samaranch afirma que:

Os esportes que não se adaptarem à televisão estarão fadados ao desaparecimento; da mesma forma, as televisões que não souberem buscar o acesso aos programas esportivos jamais conseguirão sucesso financeiro e de público. (NUZZMAN, 1996, apud PIRES, 2002: 92).

    Diante de tal afirmativa, lança-se a pergunta; será que os esportes modernos poderiam viver sem o discurso midiático, já que a principal fonte de recursos gerados pelo esporte advém da vendas de produtos e direitos de transmissão de imagens? Como afirma Debord (2006: 39), "A raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vêm os frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular".


Ações e desafios à educação

    O encontro massivo e prematuro dos alunos com os meios de comunicação de massa (MCM), eleva um grande desafio à educação e peculiarmente à Educação Física escolar, considerando que os elementos atrativos oferecidos em formas de espetáculo contribuirão para a concentração do tempo livre e consumo de produtos, com informações paralelas contidas na TV, instaladas no dia a dia dos educandos, influenciando as principais funções e objetivos da instituição escolar.

    Para Belloni (2001) a mídia distribui imagens e linguagens, construindo sistematicamente o imaginário de muitos jovens, por oferecer significações através de mitos, símbolos e representações, estereotipando valores, normas e modelos de comportamento, e é preciso que "muitas dessas informações possuem apenas a forma do espetáculo e do entretenimento, distante de preocupações educativas formais" (BETTI, 2001: 125).

    Orozco (1997), aponta alguns desafios à educação em geral, que são: informático, formal, técnico, preferencial, efetividade pedagógica e relevância educativa. Atentarei para dois desses desafios, as quais entendo como fundamentais para uma melhor compreensão sobre o discurso midiático no cotidiano escolar. O primeiro deles seria o desafio informático, ligado diretamente aos recursos tecnológicos oferecidos diariamente pelos MCM, que incorpora a espetacularização através da multifuncionalidade de seus produtos associados ao dia a dia, facilitando obter informações em pouco tempo, transformando-se em bens de consumo. No segundo desafio, coloca-se em discussão a efetividade pedagógica, pois pesquisas apontam que o aprendizado dos jovens torna-se mais veloz e eficaz através dos MCM, em especial a TV, permitindo obter um conjunto de conhecimentos mais adequados para sua vida social (ibidem).

Se nos aprofundarmos no que as crianças aprendem dos MCM e compararmos com o que aprendem na escola, constataremos que estão mais informados de tudo o que se transmite na TV, desde as fofocas dos artistas até os produtos e serviços anunciados, do que sobre os conteúdos dos livros de texto (ibidem: 60).

    Contudo, a escola muitas vezes posiciona-se de maneira arcaica e moralista, negando a necessidade de se trabalhar com o discurso midiático em sala de aula, não problematizando nem incorporando recursos tecnológicos para otimizar o processo de ensino-aprendizagem, e impondo valores e conhecimentos dominantes, desconexos com os interesses dos educando, deixando explícito os despreparos entre professores e olhares passivos a saberes significativos que contribuem para uma falsa compreensão da realidade social.

    Assim, a mídia esportiva torna-se conteúdo da educação física escolar, a qual deve tematizá-lo, contextualizá-lo e criticá-lo, avaliando os meios e instrumentos da mídia esportiva e seu impacto na sociedade, a fim de formar um sujeito crítico e autônomo.


Contextualizando a espetacularização esportiva nas aulas de Educação Física

    Freqüentemente, comentários e dúvidas sobre novas práticas esportivas e corporais surgem nas aulas de Educação Física . Tais dúvidas se devem, ao grande espaço ocupado pela mídia no cotidiano de jovens, adultos e crianças, e permitem constatar o grande poder de influência crescente que a mídia exerce sobre a cultura corporal de movimento. Destaca-se a televisão, por transmitir inúmeras informações sobre a cultura corporal de movimento, apresentados repetidamente em comerciais de TV, programas esportivos e transmissões de jogos, regras, valores, táticas, técnicas, aptidão física, modelos e padrões corporais, aspectos históricos, entre outros assuntos.

    Nessa perspectiva, Betti (2004), relata que a mídia transforma o esporte em texto predominantemente imagético e relativamente autônomo face à pratica real do esporte, descontextualizando o fenômeno esportivo do seu contexto histórico, sociológico e antropológico,o que é em parte compensado por câmeras em diversos ângulos, closes, replays, gráficos e estatísticas, o que confere uma falsa autonomia visual ao telespectador. Efetuando um contato constante com as manifestações corporais e esportivas. Segundo Betti (2003: 92), "a cultura corporal de movimento, senão no plano da prática ativa, ao menos no plano do consumo de informações e imagens, tornou-se publicamente partilhada na sociedade contemporânea". Essas informações para Belloni (2001: 34), "não substitui a intersubjetividade", mas propicia diversas linhas de encontro, onde a criança interage com a família e o mundo.

Neste, as mensagens da telinha são integradas aos jogos e brincadeiras, em que se manifestam as identificações, a distribuição de papeis e a discussão das regras do jogo, durante o qual se estabelece um complexo jogo de relações intersubjetivas de extrema importância para o desenvolvimento (BELLONI, 2001: 34).

    Portanto, é preciso considerar que a mídia oferece num primeiro momento "um grande mosaico sem estrutura lógica aparente, composto de informações desconexas, em geral descontextualizadas e recebidas individualmente" (BETTI, 2003: 93), privilegiando um espetáculo de sons e imagens, distanciando das preocupações educativas-escolares.

    Em propostas que Babin e Kouloumdjian (1989, apud BETTI, 2004), entendem necessário uma transição para a cultura audiovisual;em um primeiro momento trabalhar com a "mixagem", em seguida com o "estéreo". Entendo como uma perspectiva relevante a ser trabalhada para uma interpretação crítica sobre os conteúdos midiáticos.

    Segundo Betti (2003), trabalhar com mixagem seria desenvolver uma associação dos conteúdos midiáticos às aulas tradicionais de Educação Física, com referência às imagens e eventos esportivos transmitidos pela televisão, vídeos com propostas educacionais, matérias publicadas em revistas e jornais, proporcionando uma relação aos conteúdos técnicos, táticos, históricos, políticos e fisiológicos do esporte. Isso é o que Ferrés (1996) denomina "educação com o meio".

    Trabalhar em estéreo, consiste em atinar a linguagem televisiva, obtendo uma leitura crítica sobre o discurso transmitido em busca de sentidos; e o que Ferrés (1996) denomina "educação no meio". Portanto, o professor/educador deve trabalhar a partir do simbolismo proporcionado pela mídia, não confundindo como proposta final, mas como uma iniciação a ser trabalhada. Parafraseando Betti (2004), se uma criança no seu imaginário achar que é o jogador Robinho, e durante uma partida de futebol efetuar pedaladas constantes, o que importa é que seja dada essa oportunidade de participação ativa no jogo de futebol, chutando, pedalando e fazendo gols, resgatando a prática contextualizada em lazer, educação e saúde.

    Contudo, segundo Betti (1999: 76), "não podemos assumir uma posição moralista e condenar a televisão e o esporte que ela retrata. Esse é o universo cultural em que as novas gerações socializam-se no esporte". Cabe ao professor/educador problematizar constantemente situações para um despertar crítico sobre a espetacularização esportiva na TV, desenvolver ações pedagógicas nas perspectivas apontadas da educação para a mídia, contextualizado em suas aulas não produzindo estereotipo de consumo, subsidiando rotineiramente aos educandos ações sobre os sentidos implícitos e explícitos do espetáculo esportivo. Por exemplo, o fenômeno esportivo como "lazer, realização profissional, sociabilização e autoconhecimento, assim como matérias que denunciam a exploração do atleta profissional de futebol pelos clubes, os baixos salários da maioria dos jogadores" (BETTI, 2003: 99). Contrapondo idéias neolibaralistas de educar-formar seus reprodutores clientes. Para a formação consciente de educar a auto-reflexão crítica sobre a difusão generalizada da semiformação, já relatada por Adorno (1996).

    Em suma, a Educação Física deve promover a retomada de uma formação cultural esportiva autônoma em relação à industria midiática, concorrendo para ação do receptor-sujeito capaz de automatizar e reconstruir seu próprio significado (SANTOS JR, 2006).


Considerações finais

    Finalizando, percebem as necessidades de introduzir o discurso midiático, não somente no campo pedagógico, mas sobretudo como um novo objeto de estudo. Torna-se necessária a integração, aos processos educativos, das novas tecnologias de informação e comunicação. Cabendo a Educação física, esclarecer de maneira clara e nítida os sentidos implícitos e explícitos sobre o espetáculo esportivo, de maneira a distingui-lo e compreender suas ações.

    A Educação Física como proposta a subsidiar elementos para interpretação da espetacularização na TV , não pode ficar presa a conceitos tecnicista nem preocupações desenvolvimentistas. Nela, deve assumir a responsabilidade de interventora sobre a espetacularização esportiva na TV, com diálogos rotineiramente, recurso áudio-visual, recortes de revistas e jornais, matérias televisivas e curiosidades sobre elementos da cultura corporal transmitidos pela mídia, no qual possa usufruir de maneira ativa, seletiva, dando significado próprio a suas estruturas de recepção.


Referências bibliográficas

  • ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, Band 8. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1972-80. Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira, Bruno Pucci e Cláudia B. M. de Abreu. A revisão definitiva, feita pelo mesmo grupo, contou também com a colaboração de Paula Ramos de Oliveira. Publicado na Revista "Educação e Sociedade" n. 56, ano XVII, dezembro de 1996, pág. 388-411.

  • BELLONI, Maria Luiza. O que é Mídia-Educação. Campinas: Autores Associados, 2001.

  • BETTI, Mauro. A janela de vidro: Esporte, televisão e educação física. 3.ed. Campinas: Papirus, 2004.

  • _________. Mídias: aliadas ou inimigas da educação física escolar. Motriz. São Paulo, v.7, n.2 p.125-129, Jul./Dez. 2001.

  • _________. Imagem e ação: a televisão e a Educação Física escolar. In: BETTI, Mauro (org.). Educação Física e Mídia: novos olhares outras práticas. São Paulo: Hucitec, 2003.

  • BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3.ed. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2005.

  • DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Traduzido por: Estela dos Santos Abreu. 7. impressão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

  • FERRÉS, Joan. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

  • OROZCO, Guillermo G. Professores e meios de comunicação: desafios, estereótipos. Comunicação e Educação, n10, p. 57-68, set.-dez.,1997.

  • PIRES, Giovani De Lorenzi. Educação Física e o discurso midiático: abordagem crítico-emancipatória. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2002.

  • PIRES, Giovani De Lorenzi. Cultura esportiva e mídia: abordagem crítico-emancipatória no ensino de graduação em educação física. In: BETTI, Mauro. Educação Física e Mídia: novos olhares outras práticas. São Paulo: Hucitec, 2003.

  • SANTOS JR, Nei Jorge. Educação física escolar e mídia: reflexão na formação do receptor-sujeito. In: anais do X Encontro Fluminense de Educação Física escolar - UFF, 2006, Niterói. LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR, 2006. p. 127-131.

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