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O trapézio circense:
estudo das diferentes modalidades
El trapecio circense: estudio de las diferentes modalidades
The circus trapeze: study of diferents modalities

   
*Departamento de Educação Motora - Faculdade de EF (UNICAMP).
Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa das Artes Circenses
(CIRCUS) e membro do Grupo de Estudos Praxiológicos
(GEP - Instituto Nacional de EF - INEFC - Lleida - Espanha).
**Graduanda em EF (FEF - UNICAMP), Cia. Corpo Mágico de Circo.
 
 
Dr. Marco Antonio Coelho Bortoleto*  
Daniela Helena Calça**
bortoleto@fef.unicamp.br
(Brasil)
 

 

 

 


Resumo
     As performances no Trapézio constituem há séculos uma das maiores atrações da linguagem artística do Circo. Apesar de sua tradição e relevância para este tipo de espetáculo, os estudiosos da arte circense raramente debruçam seus esforços sobre estas modalidades, ao contrário do que ocorre com os malabares e as acrobacias, por exemplo. Do ponto de vista científico, as aproximações são ainda mais escassas, deixando a prática desta atividade apenas fundamentada na transmissão oral (oralidade) e nos princípios determinados pela experiência empírica que possuem artistas e mestres deste universo. Por este motivo, iniciamos nosso estudo do trapézio circense expondo neste artigo uma breve apresentação e definição das diferentes modalidades e variações de trapézios (fixo, em balanço, duplo,...), ademais da exposição de alguns dos princípios básicos de segurança e preparação corporal que devem permear qualquer trabalho neste âmbito. Além de minimizar a dispersão conceitual e as dificuldades do desenvolvimento de uma terminologia standard (comum) neste campo, pretendemos, nesta oportunidade, contribuir para novos estudos do trapézio, em qualquer âmbito que esta prática possa ser empregada (artístico, educativo, social, estético, condicionamento físico, terapêutico, recreativo,...).
    Unitermos: Circo. Atividades circenses. Trapézio. Modalidades. Segurança.
 
Resumen
     Las performances en el Trapecio constituyen desde hace siglos una de las más importantes atracciones del lenguaje artístico del Circo. A pesar de su tradición y relevancia para este tipo de espectáculo, los estudiosos del arte circense raramente se dedican a estudiar estas modalidades, todo lo contrario de lo que ocurre con los malabares y las acrobacias, por ejemplo. Desde la óptica científica, las aproximaciones son aun más escasas, dejando la práctica de este tipo de actividad fundamentada en la transmisión oral (oralidad) y en los principios determinados por la experiencia empírica que poseen artistas y maestros. Por ese motivo, iniciamos nuestro estudio del trapecio exponiendo una breve presentación y definición de las diferentes modalidades y variaciones de trapecios (fijo, al vuelo, doble,...), además de la presentación de algunos dos principios básicos de seguridad y preparación corporal que debe obedecer cualquier trabajo en este ámbito. Además de minimizar la dispersión conceptual y las dificultades de desarrollo de una terminología standard (común) en este campo, pretendemos, en esta oportunidad, contribuir para nuevos estudios del trapecio, en cualquier nivel que esta práctica pueda ocurrir (artístico, educativo, social, estético, condicionamiento físico, salud, ocio,...).
    Palabras clave: Circo. Actividades circenses. Trapecio. Modalidades. Seguridad.
 
Abstract
     The trapeze performance has been for centuries one of the major attractions of the Circus artistic language. Despite of the tradition and relevance of this kind of spectacle, the researchers of the circus´ arts rarely dedicate their efforts on these modalities, comparing to juggling and acrobatics, for instance. From a scientific point of view, the approaches are even more scarce. The practice of this activity seems to be only based on the oral transmission and on the principles determined by the empiric experience that the artists and experts possess. The reason why we started this study on Circus Trapeze is to briefly expose in this article a presentation and definition of the different modalities and variation of the trapezes (fixed, swing, double, …), and also some of the basic safety principles and corporal preparation that any work in this field must have. Moreover, we are trying to reduce the dispersion of this concept and the difficult to standardize this terminology. Intending to contribute to the development of new trapeze studies in any field that this practice is given (artistic, educative, social, aesthetic, physical conditioning, therapeutic, leisure, …).
    Keywords: Circus. Circus activities. Trapeze. Modalities. Safety.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 12 - N° 109 - Junio de 2007

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Introdução

Trapeze is the overall name for a collection of closely related aerial apparatus. All trapezes are horizontal cross-bars used by acrobats (more specifically, "aerialists"). It is often popularly associated with circuses. The trapeze is a short bar that is hung by two cords from a support higher up; when these cords and the support are included, the trapeze is shaped like a trapezoid. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Trapeze (17/02/07).

    Os estudos acadêmico-científicos acerca do fenômeno circense ainda representam um universo extremamente reduzido, o que indica a distância e o descaso que historicamente se construiu entre este tipo de prática corporal artística, originalmente utilizada exclusivamente para o entretenimento e a Educação Física (SOARES, 1998). Conscientes da expansão deste fenômeno na modernidade, assim como de suas transformações, como, por exemplo, sua utilização como veículo de inclusão social, recreativo, educativo e fundamentalmente artístico ou performático (Bortoleto e Machado, 2003), iniciamos, há anos, diferentes estudos que pretendem desvendar alguns dos aspectos pedagógicos, materiais e tecnológicos das práticas circenses e sua relação com os diferentes âmbitos de aplicação (manifestação).

    Estes esforços preliminares deram origem a diferentes estudos (Bortoleto, 2003, 2004, 2006, Bortoleto e Duprat, 2007) e vêm sendo foco de novas aproximações discutidas no interior do Grupo de Estudo e Pesquisa das Artes Circenses (CIRCUS) na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)1. É exatamente devido à escassez de referências bibliográficas que elaboramos este estudo embasando-nos na literatura, e fundamentalmente no conhecimento empírico (experiência profissional) dos autores e de alguns artistas circenses especialistas nestas modalidades.

    Um dos problemas mais relevantes observados nos últimos anos, e abordado neste texto, é a falta de uma linguagem e também de uma terminologia comum (standard, padronizada) neste âmbito artístico, o que dificulta severamente o intercâmbio de informação e a sistematização dos conhecimentos, sejam eles patrimônios pessoais de artistas e mestres, ou mesmo de novos estudos realizados do ponto de vista científico. Da mesma forma, outro aspecto abordado neste artigo foi as diferenças, muitas vezes sutis, que as distintas modalidades de trapézio podem sofrer e suas conseqüências para os praticantes e suas performances.


Uma breve recapitulação sobre a história do trapézio

    Segundo alguns relatos, as modalidades aéreas são aquelas que permitem exibições aéreas, ou seja, sem contato direto ou duradouro do artista com o solo. É provável que este tipo de prática tenha surgido a partir do aprimoramento das técnicas utilizadas para fuga na China, há milhares de anos, especialmente pelas mulheres que tentavam escapar dos refúgios e prisões que impunha o estrito regime político da época. Além disso, o domínio das cordas e de outros elementos que permitiam subir e descer de alturas foi de grande interesse para a guerra, e, portanto, uma técnica necessária e freqüentemente estudada e empregada pelos soldados (parte do adestramento militar). Sabe-se ainda que, já no Renascimento, os artistas mambembes utilizavam aparelhos semelhantes ao trapézio, possivelmente as primeiras versões do mesmo.

    Também existe a hipótese de que estas práticas tenham surgido a partir dos marinheiros que, com muito tempo no mar e vasta experiência com as cordas e mastros, desenvolveram técnicas que depois puderam ser utilizadas nas apresentações. As técnicas de nós e amarrações dos marinheiros, muito semelhantes à dos artistas, são indicadores desta teoria, conforme nos relatou Rodrigo Matheus2.

    Uma das mais importantes contribuições para o desenvolvimento do trapézio, em particular para a modalidade de trapézio ao vôo, foi realizada pelo acrobata francês Jules Léotard (Kissel, 2007). Segundo a wikipedia,

Jules Léotard (1839 - 1870), est probablement né en 1837 à Toulouse, c'est lui qui en 1867 à inspiré la chanson "The Daring Young Man on the Flying Trapeze" grâce à son invention : le Trapèze volant! C'était le fils d'un proffesseur d'acrobaties. Il rejoigit le 12 novembre 1859 le Cirque Napoléon (devenu maintenant le Cirque d'Hiver de Paris) où il fit sa première apparition publique au Trapèze volant. Il exécuta un saut périlleux et le premier passage en "trapèze-trapèze". C'est aussi à lui que nous devons le léotard, maillot qu'il a inventé pour laisser le corps libre de ses mouvements et faire apparaître sa musculature. Fonte: www.wikipedica.org (12/03/07).


    No entanto, não há registros precisos de quem inventou, nem de onde surgiram as primeiras experiências artísticas com o trapézio, tampouco de como ele foi introduzido no contexto circense. Contudo, podemos dizer que o desejo e a fantasia de "voar", cultivados pelo homem, foram determinantes para o surgimento do trapézio (DALMAU, 1947).

    Não podemos deixar de mencionar a influência que os aéreos circenses tiveram para o esporte, particularmente para a Ginástica Artística (GA). A maior parte dos aparelhos deste esporte foi inspirada nas atividades circenses, como é o caso das argolas e da barra fixa (imagem 6) (Bortoleto, no prelo). Assim sendo, as técnicas aéreas (cordas e trapézio) constituíram parte significativa dos métodos ginásticos e foram utilizadas para o adestramento militar durante séculos, como podemos observar na seguinte imagem:

    A modalidade de aéreos mais antiga que se tem informação é o trapézio (ORFEI, 1996). Parece que foi a partir dela que surgiu a maior parte dos aparelhos empregados nas performances circenses aéreas. Possivelmente existam dezenas de variações de cada uma das modalidades aéreas conhecidas e até mesmo outras que não alcançamos descrever. No entanto, depois de uma exaustiva consulta à literatura, à fontes digitais (Internet) e à especialistas logramos informações sobre as modalidades que detalharemos a seguir.

    Torres (1998) propõe o seguinte questionamento: "...que sucesso há no trapézio, além das pernas da trapezista, do seu corpo perfeito e da destreza de seus braços e mãos?" Percebe-se na fala do autor que os "acrobatas aéreos" (flying em inglês) carregam em seus corpos, além da fantasia de voar e da liberdade, uma linguagem corporal repleta de destrezas que despertam no público diferentes emoções e sentimentos, como o medo, a angústia e a alegria. Sensações que comovem, e também fascinam, aterrorizam ou atraem os mais diferentes públicos. O mesmo autor comenta que, na Europa, a maior parte das pessoas freqüenta os circos para apreciar esta manifestação artística e as impressionantes façanhas dos artistas3. Já no Brasil, o que mais atrai a atenção do público é o perigo (o risco), possivelmente um dos motivos que levou as modalidades aéreas a se destacarem no cenário artístico nacional. Na atualidade, o Brasil vem destacando-se internacionalmente pela qualidade e destreza de seus acrobatas aéreos (trapézio de vôos, tecido, corda,...), um destaque que pertenceu a paises como México, e à Coréia em outros momentos.

    Por outro lado, existem muitas formas possíveis de definir o que é uma modalidade aérea de circo. Consideramos uma modalidade aérea qualquer prática circense em que o artista (ou praticante) utiliza aparelhos específicos suspensos (por corda, cabo de aço, roldanas, faixas, guinchos, dentre outros recursos), de modo que seus truques, figuras, quedas, movimentos, travas e acrobacias aconteçam sem o contato direto ou duradouro com o solo. Nestas atividades devem prevalecer as destrezas aéreas (sem contato com o solo), mesmo quando se utilize impulsos ou passagens no solo durante a performance. Há quem diga que também poderiam ser consideradas modalidades aéreas aquelas que utilizam aparelhos fixados a partir de estruturas que partam do solo (pórticos) como, por exemplo, a Barra Fixa e o Pêndulo Cubano (que aparecem no espetáculo Corteo do "Cirque du Soleil", por exemplo).

    Rodrigo Matheus e Gustavo Arruda nos alertam para a grande controvérsia sobre quais são os limites dos aéreos e das acrobacias em aparelhos. Menciona, por exemplo, que na Austrália o diretor de circo do National Institute of Circus Arts (NICA), define as categorias "solo" (ground), "solo para aéreo" e "aéreos", em algumas são mistas, como o mastro chinês, a báscula, a maca russa e a cama elástica, por exemplo. Fazendo alusão aos pensamentos da historiadora do circo Ermínia Silva, o circo é uma arte em constante transformação, que sempre estará em recriação, e gerará problemas para os estudiosos, como por exemplo, nos números que misturam técnicas, como um trapézio de vôos com cama elástica do espetáculo "Stapafurdyo" (Cia Parlapatões), ou o número de mastro chinês em balanço, do "Ka Extreme" (Cirque du Soleil).

    Desta forma, as ações realizadas variarão de acordo com o formato e as possibilidades do aparelho e em seu conjunto conformarão as características específicas de cada uma das modalidades.

    Nessas modalidades aéreas (incluindo o trapézio), os artistas desenvolvem movimentos simples e complexos em diversos planos, com diferentes técnicas de execução. O fato de não existirem regras ou normas que definam a construção dos movimentos e a forma de utilização dos aparelhos amplia consideravelmente a possibilidade e criação e descoberta de inúmeras figuras e formas que compõe a apresentação (número circense).

    Normalmente, os aparelhos que sustentam os artistas são dinâmicos (móveis), permitindo o balanço, porém, pouco estáveis se comparados às estruturas fixas e rígidas, em muitos casos flexíveis (como a corda ou o tecido), e que permitem giros, balanços, suspensões, apoios, saltos (largadas e retomadas), saídas, assim como o suporte (portagem) de um ou mais artistas.


O Trapézio e suas variações

    1. Trapézio Fixo [static trapeze, inglês; trapecio fijo, espanhol; trapèze fixe, francês; trapez, alemão]

    Esta modalidade consiste numa barra de ferro de aproximadamente 70 cm suspensa por duas cordas (geralmente nas extremidades ou perto delas), que por sua vez estarão fixas a uma estrutura no alto (fig. 1) (SCHMIDT-SINNS & HERBST, 1997). As cordas são fixadas com uma abertura um pouco maior que a do trapézio, desenhando a figura geométrica de um trapézio, para dar maior estabilidade durante a execução dos truques. Neste aparelho são realizados figuras, truques e quedas individuais e o trapézio permanece estático, ou seja, sem balanço, como podemos observar nas imagens relatadas em Netzker & Turra (1982: 38,39,40,93,94,95).

    As figuras e evoluções podem ser realizadas com apoio e/ou suspensão na barra e também nas cordas que sustentam o aparelho (INVERNÓ, 1998, apresenta os movimentos básicos desta modalidade). Antigamente, as cordas eram de sisal. No entanto, na atualidade, utilizam-se cordas de algodão, mais flexíveis e macias (menos atrito com o corpo), geralmente com cabo de aço como alma (no meio). A espessura das cordas variará segundo o peso do praticante e as exigências, mas normalmente têm entre 2,5 e 3,5 cm de espessura. Na extremidade inferior, onde as cordas se fixam na barra, é recomendável que se forre com um tecido macio (algodão) ou veludo, para evitar escoriações conforme o roce do corpo com elas.

    Como podemos ver na imagem 8, alguns artistas utilizam contrapesos nas extremidades da barra para aumentar a estabilidade do trapézio. Da mesma forma, é recomendável o uso de colchões de queda embaixo do aparelho para seu treinamento e o emprego de cordas e/ou tecidos suspensos paralelamente para subir e descer do aparelho.


    2. Trapézio de balanço [swinging trapeze, inglês; trapecio de balanceo, espanhol; trapèze ballant, francês]

    Trata-se de um aparelho idêntico ao trapézio fixo, porém as acrobacias são realizadas com o trapézio em balanço (ver imagens expostas na obra de Gisela & Winkler, 1997: 41,50). Nele o artista pode realizar, além de alguns dos movimentos típicos do trapézio fixo, outros elementos de quedas (para a posição de flex4 dos pés ou para as mãos, ou para a curva, ou para o cristo, ou mesmo para a posição sentada), piruetas, giros, saltos mortais, dentre outras destrezas. Esta modalidade pode ser praticada por uma única pessoa, ou por duas pessoas simultaneamente, que no caso se denominará trapézio doble5 (duplo em português) em balanço. Por questão de segurança, atualmente esta modalidade é praticada sempre com a utilização de uma lonja6 de segurança ou rede. O trapézio usado para balanço sempre tem pesos nas laterais, para sua estabilidade, e possui, em geral, o cabo de aço como alma, para que suas cordas não permitam qualquer elasticidade.


    3. Doble Trapézio [doble trapeze, inglês; trapecio doble, espanhol]

    É um aparelho semelhante ao trapézio fixo cuja barra metálica costuma ter uma espessura um pouco maior do que a do trapézio convencional para suportar o peso de duas pessoas simultaneamente. A largura da barra também pode variar permitindo maior conforto ao porto e também diferentes manobras sobre ela (como sentar-se ambos entre as cordas). O mesmo se pode dizer a respeito do espaço fora das cordas7.

    Nesta modalidade, na maioria dos casos, os artistas assumem dois papéis diferentes: o portô ou aparador (ou ainda portador segundo Orfei, 1996: 97) [catcher ou base, inglês; portor, base ou aparador, espanhol; porteur, francês], cuja função é servir de base para seu companheiro (levar, lançar, agarrar, etc.). O aparador é geralmente o mais forte e pesado da dupla. O outro artista, denominado volante (ou agile conforme Orfei, 1996: 97) [flyer, inglês; ágil, espanhol; voltiger, francês] (Silva, 1996: 161) é o acrobata mais leve e ágil, que tem como função realizar as acrobacias dirigidas pelo portô.


    4. Trapézio Duplo e Triplo (múltiplo) [doble trapeze, multiple trapeze, inglês; trapecio doble, espanhol]

    O trapézio múltiplo é construído para suportar duas (duplo) ou mais pessoas (triplo, quádruplo,...), paralelamente. É por este motivo que a barra metálica é maior que a do trapézio simples e suspensa por três, quatro ou mais cordas, segundo o número de artistas. Nele os artistas podem realizar movimentos individuais, sincronizados ou em conjunto, o que amplia consideravelmente o repertório motor.

    Neste caso, as cordas internas serão suspensas totalmente na posição vertical, e as laterais poderão (caso os artistas prefiram) estar ligeiramente abertas nas extremidades superiores para aumentar a estabilidade do aparelho. A resistência das cordas deverá ser ajustada ao número de artistas e o peso que deverão suportar.


    5. Trapézio de Vôo [flying trapeze, inglês; trapecio al vuelo, espanhol]

    O trapézio de vôo ou "ao vôo" (ou ainda no Brasil, de vôos), é a modalidade mais tradicional do Circo de Lona e possivelmente a mais difícil e perigosa na execução. É composto por uma estrutura metálica, normalmente quadrada, suspensa, em que estão pendurados: uma banquilha (banquina, segundo Orfei, 1996: 97, ou banquinho em português), de onde partem e chegam os artistas que voam e balançam, além de um trapézio simples e um trapézio para o aparador/porto. Obviamente, existem estruturas mais complexas que permitem o balanço de diversos trapézios simultaneamente (imagem 1) (NETZKER & TURRA, 1982: 243, 244)8. Toda a estrutura pode ser atrelada à cúpula do circo (ou à estrutura do teto do espaço) ou estar suspensa por mastros, mais finos e independentes dos mastros do circo. O trapézio simples é sustentado pelos cabos de aço, e é mais largo (80 cm, em geral). O trapézio do portor também é fixado por cabos de aço, com a parte baixa revestida de carpete, espuma e/ou tecido (pode ser também uma cadeirinha, ou um quadrante em balanço, com canos, ao invés de cabos).

    Nesta modalidade, o(s) volante(s) parte(m) da banquilha segurando o trapézio simples, realizam seguidos balanços para a toma de velocidade e altura e executam saltos livres ("vôos") até a mãos e braços do aparador que também está em balanço no seu próprio trapézio do outro lado da estrutura. Geralmente, o aparador utiliza a denominada curva americana9 (em oposição ao uso da cadeirinha) para ficar de cabeça para baixo (inversão). A seguir, realizam o trajeto inverso até regressar à banquilha de origem. Esta modalidade é realizada prioritariamente (hoje, obrigatoriamente) com o uso de uma rede de proteção estendida abaixo do espaço onde se dará o vôo (imagem 13).

    Há também uma versão reduzida desta modalidade de trapézio, realizada em menor altura e com as banquilhas mais próximas, que costuma utilizar o auxílio de cintos/lonjas de proteção (geralmente para o treinamento), que se denomina "Petvolan", segundo os artistas tradicionais (provavelmente uma adaptação do termo petit volant em francês, ou pequeno voante em português). Este tipo de trapézio ao vôo é freqüentemente utilizado por circos pequenos que não comportam grandes estruturas ou por companhias que se apresentam fora das lonas. É realizado com colchões de impacto dispostos no solo para proteção, como se fosse para as saídas das argolas, ou o salto sobre o cavalo.


    6. Trapézio Washington ou Wasinton [washington trazepe, heavy trapeze, ingles]

    Trata-se de um trapézio, normalmente utilizado em balanço, que possui uma base mais larga (ou com um suporte especial - imagem 15) e mais pesada sobre a qual o artista pode realizar acrobacias de equilíbrio, como parada de cabeça (imagem 16) ou mãos (imagem 17), dentre outras. Alguns artistas substituem as barras metálicas por pranchas de madeira para a base de suas evoluções (imagem 16). Para maior estabilidade do trapézio durante o balanço, costuma-se usar contrapesos pendurados nas pontas do trapézio (NETZKER & TURRA, 1982: 73). Nesta modalidade, os artistas utilizam o menos possível as cordas de sustentação e podem trabalhar no plano frontal ou lateral do aparelho. Esta modalidade também inclui evoluções em balanço e em giro (após a torção das cordas, em geral para o final do número).


    7. Trapézio Castin (ou somente Casting)

    Trata-se de um trapézio formado por uma estrutura metálica suspensa ou elevada por um pórtico, na qual o portor pode apoiar os pés e assegurar-se pelo abdômen (com um cinturão), permitindo ao mesmo que flexione o tronco e balance o volante para a realização de diferentes truques. Em alguns casos, este tipo de trapézio pode se acoplado ou misturado ao trapézio de vôo, como uma base intermediária.


Noções básicas sobre segurança, cuidados com o equipamento e preparação corporal para a prática dos aéreos

    Pelo fato dos aparelhos aéreos, como o próprio nome diz, estarem suspensos a determinada altura do solo e, muitas vezes, o artista estar sem o contato com o mesmo (ao vôo), algumas medidas de segurança devem ser respeitadas para evitar acidentes.

    A primeira, e mais importante, é a verificação da instalação do aparelho e a vida útil das faixas, manilhas e cordas que suspendem o mesmo. Na tradição circense, normalmente, cada artista realiza a manutenção, fixação e verificação do seu próprio equipamento. Caso esta tarefa seja realizada por uma terceira pessoa, é recomendável que tenha formação e conhecimentos adequados. Infelizmente, a realidade econômica dos artistas circenses brasileiros, freqüentemente, impede a substituição e manutenção dos equipamentos como deve ser feita.

    A segunda medida é a utilização de acessórios que garantam a proteção em caso de quedas, como colchões, redes e lonjas de segurança, dentre outras. Estes materiais são imprescindíveis para o treinamento dos aéreos. No entanto, são caros e ocupam espaço. No caso de um aprendiz, o bom senso do professor (sensibilidade e experiência do instrutor) é fundamental, sendo aconselhável o início da prática a baixa altura, e paulatinamente, conforme a evolução do aluno, ir aumentando a altura.

    Outra questão importante é, mesmo a poucos metros de altura, nunca pular ou saltar do aparelho para descer. Recomenda-se utilizar cordas, escada ou tecido para descer do aparelho, pois às vezes a noção de profundidade e altura pode ser confundida e gerar um acidente a partir desta falha na percepção espacial.

    Alguns movimentos costumam queimar (ferir a pele) ou causar hematomas por conta do atrito ou choque do corpo com o aparelho. Nestes casos, o uso de roupas apropriadas que cubram as axilas, região abdominal, cintura e pernas (a maior superfície possível do corpo) ajudam a evitar as escoriações e os hematomas ocasionados pelo contato brusco com o aparelho. O uso de calçados especiais (botinhas flexíveis de couro) e tornozeleiras aumentam o conforto e a segurança. Portanto, devemos atentar-nos também para a questão da vestimenta adequada.

    Outro aspecto importante para a segurança é o uso de substâncias como "magnésio" ou "breu" para proteger contra o suor (manter seca) das mãos e outras partes do corpo e, portanto, garantir a aderência desejada aos aparelhos. Em alguns casos, também serão necessários cuidados especiais com as mãos, como por exemplo, cortar calos, usar protetores de mãos (parecidos aos de Ginástica Artística no caso do trapézio em balanço e, principalmente, no caso do trapézio de vôos - caso em que o protetor não pode ser o da GA, mas semelhantes, sem fivelas metálicas) e também faixas (fitas) no punho para aumentar o agarre entre as mãos.

    Para todas as modalidades aéreas o material deve ser de qualidade e se possível certificado, com capacidade para suportar cargas bem superiores a que os artistas impõem com seu próprio corpo (mínimo de cinco vezes o peso dos artistas no número) (TSNY, 2007). Atualmente, é recomendável utilizar cordas dinâmicas, semidinâmicas ou estáticas de alta resistência (tipo escalada), certificadas por fabricantes reconhecidos e especializados. O mesmo se aplica aos mosquetões, cadeirinhas, cinturões, roldanas, cabos e todo o material utilizado. Em alguns casos, os aparelhos são confeccionados pelos próprios artistas, pois não há produção industrial. Neste caso, certifique-se da procedência, do histórico do artesão, e avalie o desgaste regularmente.

    Não podemos esquecer que a adequada preparação corporal (condicionamento específico) para a prática dos aéreos é fundamental para a qualidade da mesma e para um desenvolvimento eficaz do processo de aprendizagem. Da mesma forma, a compensação postural e física para os excessos que alguns segmentos recebem (por exemplo, a articulação dos joelhos no quadrante) deve ser tratada adequadamente para evitar problemas a longo prazo.

    Um erro bastante comum é o portor flexionar os pés (flex) para não escapar do quadrante. Erro de julgamento que leva ao encurtamento e lesão dos músculos gastrocnemios da perna. O sistema de treinamento corporal é semelhante ao empregado na Ginástica Artística de competição, e deve buscar a maior especificidade possível, como sugerem os novos manuais editados pela FEDEC (2006).

    Nas modalidades em duplas, trios ou "em conjunto" será fundamental manter uma excelente confiança e sincronismo entre os companheiros. Esta cumplicidade será garantia de segurança e êxito no trabalho.

    Cabe destacar que países como França e Austrália possuem leis federais que regulam as atividades artísticas, incluindo as circenses. Na França, em particular, toda apresentação em que os artistas se elevem acima dos 4 metros de altura deve ser acompanhada por medidas de segurança especiais, como lonjas e colchões de queda (CNAC). Mesmo que não se apliquem tais regras em nossa sociedade, o entendimento dos sistemas e procedimentos de segurança deve ser de conhecimento de todos os praticantes e professores (ACAPTA, 2007).

    Há um movimento encabeçado pela Associação Brasileira de Escolas de Circo no sentido de desenvolver uma cartilha básica de segurança para procedimentos em circo, abarcando diversas áreas (condicionamento físico, práticas de prevenção, equipamentos, princípios para montagem, princípios para apresentação para público, etc.). Somos conscientes de que as indicações anteriores representam apenas algumas das medidas que devem ser tomadas para preservar a saúde dos artistas e do público. No entanto, dada à falta de um material amplo sobre o assunto, acreditamos que pode ajudar aos iniciantes nesta prática. Enfim, estas são algumas medidas mínimas que podem ser tomadas pelos acrobatas aéreos para prevenção de acidentes, visto o risco da modalidade.


Considerações finais

    Para finalizar este estudo, gostaríamos de re-afirmar que, apesar da antigüidade e tradição, as modalidades aéreas do Circo ainda não foram estudadas com a profundidade e atenção merecida. Muitos aspectos ainda carecem de uma reflexão sistemática e específica. Uma das poucas exceções são os materiais didáticos produzidos por escolas de circo, como o Centro de Artes do Circo (CNAC), na França, e a Escola de Trapézio de Nova Iorque (TSNY, 2007). Portanto, este breve estudo apenas representa um primeiro passo no entendimento mais detalhado deste vasto universo das práticas circenses de trapézio, orientando este "novo" campo das ciências das atividades físico-artísticas.

    Possivelmente, nosso aporte não atenda a todas as possibilidades que já existem (ver seguinte imagem), ou que virão a existir no futuro, de modalidades aéreas. No entanto, acreditamos que ao menos conseguimos abordar as variações de trapézio mais importantes da atualidade.


Notas:

  1. Nesta universidade, foram elaborados diferentes trabalhos de conclusão de curso (TCC), monografias e artigos de especialização, projetos de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado, conforme relatam Bortoleto e Duprat (2007).

  2. Algumas das informações que compõem este artigo foram obtidas a partir do relato de experiência de dois artistas tradicionais de circo (Marion Brede, artista alemã radicada no Brasil e seu filho, Alex Brede, quinta e quarta geração circense respectivamente) e da consulta a outros dois especialistas em circo: Rodrigo Matheus, coordenador do Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (CEFAC - São Paulo - Brasil) e Gustavo Arruda de Carvalho (Professor da Escola de Circo Rogelio Rivel – Barcelona e artista da Cia Los Gingers, Espanha).

  3. O filme Trapeze, de 1956 dirigido por Carol Reed (imagens 4 e 5), é um exemplo desta visão que os aéreos recebem na Europa em geral.

  4. Posição do (s) pé (s) quando estão em máxima flexão.

  5. Grande parte da terminologia empregada no Circo provem de idiomas estrangeiros. Tais termos nem sempre foram traduzidos e em alguns casos foram traduzidas ao “pé da letra” ou de forma incorreta. Neste trabalho, o termo doble é utilizado para identificar duas pessoas em um aparelho aéreo, em que um utiliza a força do outro para a realização dos truques e travas.

  6. Sistema de cinturão e cordas (ou cabos de aço) que passam por roldanas fixadas acima do corpo do artista (Silva, 1996: 160), e utilizado para garantir a segurança no caso de quedas durante a execução de elementos técnicos [loncha de seguridad em espanhol; la longe em francês; safety line ou safety lanyardem em inglês].

  7. Há algum tempo, era um trapézio individual de cordas curtas, acima e dentro de um trapézio maior, com cordas mais longas, de maneira que ambos pudessem sentar-se na barra debaixo, e depois o porto pudesse colocar-se na de cima, segurar o (a) volante, e a barra maior era puxada para o lado, liberando o espaço para as evoluções.

  8. Neste aparelho se destaca o artista mexicano Alfredo Codona (1893 – 1947). http://en.wikipedia.org/wiki/Alfredo_Codona (23-03-07)

  9. Trata-se de uma trava específica para os portôs realizada a partir do movimento de oitava.


Referências bibliográficas

  • AUSTRALIAN ASSOCIATION FOR CIRCUS AND PHYSICAL THEATRE (ACAPTA). Safety Code. Disponível em: http://www.acapta.net/03_safety/index.htm [10-02-07]

  • BORTOLETO, M. A. C. (no prelo). Circo e Ginástica. In GAIO, R. Questões da ginástica. Ed. MM, São Paulo.

  • BORTOLETO, M. A. C.; MACHADO, G. A. Reflexões sobre o Circo e a Educação Física, Fefisa, 2003.

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  • Renee Marshall. http://www.shef.ac.uk/nfa/history/worlds_fair/articles/marshall.php

  • Trapeze (enlaces) http://www.thinairtrapeze.com/links.htm

  • Trapeze High History. http://www.trapezehigh.com/history.php

  • Trapeze History. http://www.circushistory.org/history.htm

  • Trapeze: www.trapeze.org | www.aerialexperience.com | www.circodinapoli.com.br | www.circusperformer.com | www.cirquedusoleil.com | www.intrepidatrupe.hpg.ig.com.br | www.pinrodamacircus.com.br | www.spacial.com.br | www.trapezetwins.com

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