efdeportes.com
A contribuição da Educação Física para alfabetização

   
*Licenciatura plena em Educação Física pela UFRJ /
Universidade de Belgrado - Sérvia.
**Licenciatura plena em Educação Física pela UFRJ.
(Brasil)
 
 
Professora Michele Pereira de Souza*
michelepereira22@yahoo.com.br  
Professora Renata da Costa Peixoto**
renapeixoto@ig.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     O objetivo dessa pesquisa centra-se na contribuição da educação física escolar para o processo de aprendizagem cognitiva na alfabetização. Com a finalidade de delimitar nosso estudo, coletamos os dados em 8 escolas particulares no município de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro entrevistando professores de educação física e da classe de alfabetização das escolas pesquisadas. As questões a investigar são: a) A educação física é realmente importante para a classe de alfabetização? b) As escolas / professores direcionam a Educação Física para o amplo trabalho de leitura e escrita na classe de alfabetização?
    Unitermos: Alfabetização. Educação Física escolar. Desenvolvimento.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 103 - Diciembre de 2006

1 / 1

Introdução

    Nos últimos tempos percebeu-se uma evolução nos parâmetros socialmente ditados em relação a uma concepção de corpo. Este corpo estrutura-se associado à alma. A partir daí, a Educação Física acompanhando a evolução, passa a preocupar-se e reformular-se na formação do individuo global: corpo e mente. Segundo Le Boulch (1983) "a educação psicomotora contemporânea coloca o acento na importância do problema relacional e no interesse em favorecer o desenvolvimento de determinadas funções perceptivas e motoras em relação estreita com as funções mentais". (p. 16). Dada essa importância, a educação física escolar se insere nesse objetivo, estimulando seus alunos não só física como mentalmente. Porém, todo esse contexto deve ser solidificado a partir da Educação Infantil, para que seja base de uma formação do individuo completo. Temos no movimento um grande aliado no que diz respeito ao desenvolvimento tanto físico quanto intelectual das crianças.

    Apresentaremos nesse estudo a contribuição que a Educação Física escolar representa para crianças de 6 anos na classe de alfabetização na concepção dos professores. Como pode esta contribuir para o desenvolvimento, não só psicomotor e sócio-afetivo, mas também cognitivo e lingüístico, sendo primordial para essa faixa etária; pois de acordo com Le Boulch (1985): "através do trabalho corporal, é possível desenvolver o sistema nervoso central que coordena o conjunto de sistemas que serve de suporte as funções mentais". (p. 23)

    Encontramos nesse momento da Educação Infantil a preocupação intensa, e muitas vezes exaustiva para a criança, com a prática da leitura e da escrita. As metodologias de alfabetização têm evoluído através dos tempos, principalmente devido a novas necessidades sociais; porém, a pedagogia da alfabetização tem disponíveis até hoje caminhos que levam a criança à compreensão da existência de uma correspondência entre os signos da língua escrita e os sons da língua oral. Geralmente alfabetizar se resume a letras, fonemas, sílabas, palavras e frases, que na verdade são imprescindíveis, mas é preciso enfatizar as inter-relações, vivências sociais e vincular essa aprendizagem ao contexto histórico-cultural da criança. Para Vygotsky em Kramer & Leite (1996) "a linguagem é o comportamento mais importante do uso de signos culturais porque é responsável pelas interações sociais, é a fonte de conhecimento" (p. 64). A aproximação da escrita com todas as experiências histórico-culturais vividas pelas crianças se consolidarão na linguagem.

    Hoje em dia a alfabetização tem se restringido a tecnologia do ler e escrever, já o letramento é a capacidade de não apenas decodificar letras e fonemas, mas responder as demandas sociais. Quando a criança está inserida numa ampla cultura letrada, certamente há uma influência muito positiva na evolução de seu aprendizado em séries posteriores à alfabetização. Uma base de ensinamentos solidificada por um processo de alfabetização rico em inclusões sociais e culturais, respeitando e aproveitando as vivências individuais de cada aluno, contribui para o desenvolvimento de um cidadão completo.

    Percebemos que a Educação Física já é reconhecida por seu caráter socializador e como meio de desenvolvimento global a partir do psicomotor. Portanto, gostaríamos de ressaltar a amplitude dessa prática quando comprometida ao processo de ensino-aprendizagem, sabendo que este não se dá somente dentro da sala de aula.


Metodologia

    Para essa pesquisa, selecionamos oito escolas de classe média do município de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro; onde entrevistamos um professor regente e um professor de educação física, de cada escola, que atuam na classe de alfabetização.


Objetivo

    Com esse propósito, temos como objetivo pesquisar a contribuição da Educação Física para o processo de aprendizagem cognitiva no processo de alfabetização.

    Nesse estudo, pretendemos investigar questões como:

  • A educação física é realmente importante para a classe de alfabetização?

  • As escolas / professores direcionam a Educação Física para o amplo trabalho de leitura e escrita na classe de alfabetização?


Educação física na alfabetização

    Acreditamos que a Educação Física possa ser mais que um suporte considerável e relevante para o trabalho realizado na sala de aula, conferindo significado à leitura e à escrita, motivando a todos pela utilização da ludicidade e do movimento, tão importantes nessa faixa etária. Vemos o processo de alfabetização como uma "quebra" na maioria das vezes. As crianças se desvencilham de mesinhas juntas, cantinho de brinquedos na sala, massinha e desenhos livres para carteiras enfileiradas, lápis, borracha, quadro negro, cadernos, livros e datas de provas. É uma ruptura considerável aquele ambiente acolhedor do chamado jardim de infância para uma classe do "aprender a ler e a escrever". A criança incorpora a necessidade de êxito nesse ano. As cobranças, por mais inocentes que possam parecer para a família, são o primeiro contato da criança com esse outro universo e com a obrigação de se mostrar como o melhor ou na média da classe.

    Em meio a tantas transformações, a Educação Física ganha um espaço importante na vida da criança na alfabetização. É o momento em que ela pode ser ela mesma, longe das cobranças, das cópias e das tarefas. E é exatamente nessa lacuna que acreditamos que possa haver uma outra forma de aprendizado, de alfabetização.

    O corpo em contato com outro, com o meio e com ele mesmo possibilita o movimento; que nessa faixa etária tão importante, ganha padrões medíocres e reduzidos. De acordo com os PCN de Educação Infantil (1998), o movimento é uma dimensão do desenvolvimento e da cultura. As crianças se movimentam desde o nascimento, faz parte da natureza humana expressar sentimentos, emoções e pensamentos através de gestos e posturas corporais. Por isso o "movimento humano constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre seu meio físico e atuarem sobre o ambiente humano". (p.15).

    Através desse movimento a criança conhece uma forma de comunicação. Em contato com o meio e com os amigos, a criança recorre a temas e questões de seu interesse, além de aprender sobre o mundo e si mesma pela linguagem corporal por meio das explorações que faz. Segundo Tisi (2004) "O objetivo geral da educação pelo movimento é contribuir para o desenvolvimento psicomotor da criança, do qual dependem, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar" (p. 20). Através do movimento e da Educação Física especificamente voltada para a alfabetização e seu interesse, é possível adequar um aprendizado de leitura e escrita de forma lúdica e natural. De acordo com Garcia (1998):

Se os conteúdos selecionados para a alfabetização forem conteúdos extraídos da necessidade da criança conhecer-se e conhecer o mundo à sua volta, a forma, ou seja, o processo de trabalhar esses conteúdos, de possibilitar a apropriação da leitura e da escrita, conseqüentemente, não será o mesmo. A forma, nesse caso, deverá garantir as mais variadas vivências possíveis com a escrita, no seu uso e função social. (p. 91).

    Com jogos, regras e brincadeiras que estimulem a cognição, além de tudo o que engloba os recursos motores para que a criança possa se ambientar nessa nova fase, a Educação Física pode e deve se orientar para atender as necessidades da alfabetização e minimizar os distanciamentos entre as crianças dotadas de diferentes habilidades. Em forma de aprendizagem lúdica é mais fácil para a criança aprender e erradicar sua deficiência e sua falha, possibilitando uma alfabetização mais tranqüila para a criança, segura para a escola e satisfeita para os pais.

    As chamadas aprendizagens pré-primárias que envolvem ritmo, criatividade, desenhos, bem como pintar, classificar e reconhecer são desenvolvidos no hemisfério direito; já as aprendizagens primárias, desenvolvidas no hemisfério esquerdo, englobam a leitura, a escrita, a lógica, os números e a matemática. (FONSECA, 1995). Como o hemisfério direito se mieliniza primeiro que o esquerdo, é importante que essas atividades relacionadas sejam bem trabalhadas a fim de sedimentar uma posterior aprendizagem mais formal e complexa. A educação física tem muito a contribuir nesse aspecto, porque tem como promover atividades que aprimorem essas características citadas acima; trabalhando paralelamente essas ações, respeitando o progresso da constituição fisiológica da criança e auxiliando esse processo. O professor de educação física deve, através de atividades que desenvolvam noção de tempo, espaço e ritmo, estimular as crianças de maneira prazerosa e desafiadora, enfatizando a verbalização, memória, raciocínio e principalmente conferindo sentido a esse processo. Segundo Moyles (2002):

Os professores poderão oferecer atividades de linguagem e promover ainda mais o pensamento, ampliar o vocabulário, e talvez começar a conversar com as crianças sobre linguagem.[...] Isso vai incorporar o enriquecimento, a prática, a repetição e a revisão do que foi aprendido através da linguagem, com e sobre ela.(p.67).

    Isso não se restringe tão somente a aprender a ler, escrever ou falar; refere-se verdadeiramente a valorização e uso da linguagem através de atividades lúdicas e direcionadas como uma forma de comunicação e construção de significado do que é aprendido. Facilitar a alfabetização minimizando os obstáculos a serem superados é o objetivo da Educação Física para essa classe. Com o desenvolvimento motor a criança alcança também a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar.

    Para Tisi (2004) "o trabalho psicomotor beneficia a criança no controle de sua motricidade utilizando, de maneira privilegiada, a base rítmica associada a um trabalho de controle tônico e de relaxamento" (p.26). Para dominar o lápis, gesto ainda não comum, a criança precisa desempenhar o equilíbrio entre as forças musculares, flexibilidade e agilidade de cada articulação do membro superior. Desde o ritmo desprendido para o movimento de escrita até a orientação espacial primária para o ato da cópia podem ser estimulados com o movimento motor. Também o progresso na transição à fase de representação mental, pois toda a ação vivida e analisada num espaço e tempo tende a ser reproduzida em espaço e tempos gráficos. Não se trata de aquisição de habilidades manuais, mas numa melhor aptidão para a aprendizagem, resultando em aprendizagens facilitadas e eficientes.


Análise dos resultados

    Perguntamos para professores regentes e de educação física sobre a importância da educação física para a alfabetização e como esta pode contribuir para o processo de leitura e escrita. Todos afirmaram que é fundamental o auxílio da educação física para viabilizar sem traumas o processo de alfabetização, enfatizando o desenvolvimento motor que foi mencionado com destaque. Todos os professores reconheceram o desenvolvimento adquirido pelas crianças com a vivência da educação física e citaram a socialização, o desenvolvimento psicomotor global e fino, lateralidade, equilíbrio e a relação espaço temporal como fatores primários desenvolvidos e apresentados pelas crianças. A construção das relações matemáticas, afetivas, de espaço, de tempo e auto-conhecimento também foram aludidas pelos professores de educação física. Pelos professores regentes foi realçada a contribuição nos aspectos de atenção, organização e lateralidade, além da firmeza no grafismo, atenção e aquisição de limites.

    Perguntamos ainda se há preocupação no direcionamento das aulas de Educação Física, no que diz respeito ao processo de alfabetização. Em duas escolas encontramos um perfeito entrosamento dos professores: o professor de educação física está totalmente inserido no programa de alfabetização. Para que esse trabalho seja realizado de forma harmônica, é promovido, pela escola, um tempo específico para essa integração entre os professores e conteúdos trabalhados. Essa mesma intenção é quase eficiente em outra instituição entrevistada, compondo parte da filosofia da escola; porém a mesma não facilita essa realização, não oferecendo tempo hábil. Nas demais escolas, essa integração se resume a problemas que porventura possam atrapalhar o desenvolvimento de crianças especificas; cabe, assim, aos professores de educação física, quando solicitados, atuarem de forma a minimizar o problema.

    A educação física, na maioria das escolas selecionadas é reconhecida por sua importância, pois consegue desenvolver o aluno em todas as dimensões, num ambiente lúdico, favorável a novas aprendizagens e percepções. Com relação à contribuição da educação física no processo de alfabetização, os professores responderam que o desenvolvimento das crianças que experimentam esse trabalho em conjunto é realmente apreciável e que fica nítida a certeza de uma alfabetização completa, cooperando efetivamente para o sucesso desse processo. Esse ponto de vista é tão idealizado por todos, que até mesmo os demais professores que não tem essa prática em suas escolas, afirmam que esse trabalho seria benéfico e otimizaria a alfabetização.


Considerações finais

    Conhecemos a importância da Educação Física desde parâmetro puramente físico, passando pelo terapêutico, até atingir o educacional. Em claras demonstrações, a educação física escolar se destaca para nós com singular importância para o crescimento do aluno enquanto cidadão. Vemos a alfabetização como uma abertura de mundo, leitura crítica e consciente; porém uma ruptura do "mundinho" infantil para um mundo que exigirá cada vez mais resultados. Para viabilizar essa transição de forma favorável e natural, a educação física é capaz de somar resultados positivos com um trabalho integrado e comprometido entre professores e escola preocupados em formar alunos completos e felizes.

    De acordo com nosso objetivo de pesquisa, percebemos a partir dos professores entrevistados, uma totalidade de escolas conscientes do beneficio de uma educação para a vida, pautada no amplo conhecimento específico e de mundo. Igualmente a esse propósito, encontramos escolas cientes da grande contribuição que a Educação Física pode proporcionar para o desenvolvimento global da criança e para o processo de aquisição de conhecimento cognitivo e expansão global. Presenciamos a satisfação de escolas que filosofam e praticam uma pedagogia totalmente integrada, onde é difícil da criança perceber onde termina ou começa determinadas aulas. Presenciamos, portanto, a concretização de toda a teoria exposta nesse trabalho.

    Sabemos que a aquisição da leitura e da escrita é meta em qualquer instituição, porém nesse trabalho nos preocupamos em saber de que forma isso é concretizado e como é exigido da criança esse crescimento: como puramente leitura e escrita ou como alfabetização de mundo?

    Concluímos, portanto, que com um trabalho integrado da educação física com o processo de alfabetização, essa etapa pode ser vista de forma rica e ampla. Com essa contribuição, aprender a ler e escrever pode se tornar mais natural e mais divertido.


Referências bibliográficas

  • BRASIL.Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Educação Física / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.

  • BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Educação e do Desporto. Volumes 1 e 2. Brasília: MEC / SEF, 1998.

  • FONSECA,V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.

  • GARCIA, R. L (org.). A Formação da Professora Alfabetizadora: Reflexões sobre a Prática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.

  • KRAMER, S. & LEITE, M, I. Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1996.

  • LE BOULCH, J. A educação pelo movimento - A psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

  • LE BOULCH, J. Desenvolvimento psicomotor: do nascimento até 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

  • MOYLES, J, R. Só brincar? - O papel do brincar na educação infantil. São Paulo: Artmed, 2002.

  • TISI, L. Educação física e a alfabetização. Rio de Janeiro: Sprint, 2004.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Google
Web EFDeportes.com

revista digital · Año 11 · N° 103 | Buenos Aires, Diciembre 2006  
© 1997-2006 Derechos reservados