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Questões reflexivas em torno da detecção do talento desportivo

Preguntas reflexivas sobre la detección del talento deportivo

 

Coordenador do Centro de Investigação em Motricidade Humana

IPL - Instituto Politécnico de Leiria

(Portugal)

Pedro Morouço

pedro.morouco@ipleiria.pt

 

 

 

 

Resumo

          A seleção e detecção de talentos é uma área de conhecimento relativamente recente e onde a conjectura social de cada país influi de forma díspar. Para além de ser um tema vago e ainda por explorar, os seus procedimentos metodológicos são ainda controversos e originadores de grandes debates.

          Unitermos: Formação. Especialização precoce. Talentos.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 157 - Junio de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

      Analisando a literatura, apercebemo-nos que, em alguns países, há muito se dedica “atenção” a esta temática. Nomeadamente nos países da Europa de Leste (Marques, 1993). No entanto, até início da década de 80 os países ocidentais sempre desprezaram (Bompa, 1987), levando mesmo a inúmeros equívocos com um início de uma especialização precoce. Assim, tem-se verificado um aumento de preocupações a este nível, não só no âmbito teórico, mas também ao nível da actuação do terreno. A seleção de talentos tornou-se um tema nobre, passando a integrar temáticas de congressos e de disciplinas leccionadas em vários cursos no âmbito de ciências do desporto.

    Questões

1.     Definir talento desportivo. Como caracterizá-lo? Como detectá-lo?

    Muito do que nós consideramos para ser "talento" é realmente o grau a que cada atleta possui certos atributos físicos, fisiológicos, ou mentais e que podem contribuir a um maior desempenho. Muitas das características físicas do desportista são controladas pelo seu perfil genético; isto é, estão além do que o treinador pode fazer no seu programa de treino para mudar essas características.

    A altura madura de um praticante e outras características anatómicas (comummente conhecido como um somatótipo) não são facilmente alteradas. Ou seja, muitos dos programas de identificação de talentos focalizaram-se em variáveis antropométricas. Vários estudos são desenvolvidos de forma a identificar as características físicas comuns aos atletas de sucesso (vs. os atletas com menos sucesso). Parte-se da premissa que é em praticantes com estas características que o sucesso vai ocorrer.

    Numa das buscas por dicionários deparei-me com um sinónimo de talento que reluziu: “aptidão notável, engenho”. Se fizermos a transposição direta destas palavras para o mundo desportivo, apercebemo-nos que pode não ser o mais forte, o mais rápido ou o mais flexível. Talento pode ser aquilo que em situações de apuros (nomeadamente nos desportos de oposição) consegue formular engenhos para superar os adversários.

    Atualmente, utiliza-se o termo talento para designar habilidades inatas das pessoas, ou a capacidade natural para realizar determinadas atividades.

    A seleção de talentos é um assunto de fundamental importância para os treinadores, devendo ocorrer com base na revelação e avaliação das capacidades bem determinadas e estáveis do jovem.

    Os Talentos apresentam determinadas características que facultam capacidades para a realização de determinados gestos ou para a resolução de determinados problemas, determinando a sua particularidade realçando-se de uma determinada população relativamente a uma determinada atividades. Assim, Gaya (2007) refere as seguintes características próprias de um indivíduo talentoso:

  • Apresenta em idade precoce uma tendência incomum de realizar certas tarefas;

  • Realiza as tarefas com uma certa facilidade e felicidade, e demonstra interesse especial e motivação para o esforço de alcançar desempenhos maiores;

  • À vocação, que pode ser percebida em idades precoces, impõe-se sobretudo procedimentos adequados de educação, formação e promoção de um ambiente propício.

    Desta forma, é necessário saber discernir as aptidões apresentadas pelo jovem no momento da seleção de talentos bem com perspectivar as suas possibilidades competitivas potenciais, de maneira a implementar um sistema de treino adequado às exigências da modalidade, às expectativas do atleta e aos interesses da equipa e do clube dos quais faz parte.

2.     Estabilidade da performance: O que significa? Qual a sua relevância num programa de Detecção do Talento Desportivo? Como se pode avaliar a estabilidade da performance?

    Estabilidade é sinónimo de permanência ou firmeza, i.e. remete-nos para a capacidade que o indivíduo jovem possui de se manter “acima da média”. Deus não nos fez todos iguais, sabemo-lo bem. Nem ao nível da inteligência, nem das capacidades desportivas, artísticas, etc… teremos assim mais predisposição para esta ou aquela área, para este ou aquele desporto. Mas após detectado o indivíduo com talento para esse mesmo desporto nada garante que ele continuará a ser um talento no futuro.

    Logo à partida, muitos talentos nacionais ficam-se pelos escalões de formação. Nomeadamente por se considerarem talentos crianças com um avanço maturacional em relação à sua idade. É necessário uma visão mais abrangente, perceber se as garantias ultrapassam os aspectos meramente físicos e se a “arte” do domínio está lá.

    Por estabilidade designamos a manutenção absoluta ou relativa de um ou de um conjunto de indicadores de desempenho no interior de uma distribuição de valores. A estabilidade absoluta representa a ausência de alteração significativa de um indicador de desempenho ao longo do tempo ou a partir de um determinado período. A estabilidade relativa, também denominada como estabilidade normativa (Maia, 1993), pode ser operacionalizada pelos conceitos estatísticos de canal percentílico (canalização).

    Quanto à avaliação dessa estabilidade, ela deve ser efectuada recorrendo á ciência estatística. Bloom (1985) referiu a utilização da auto-correlação para avaliar a estabilidade de uma variável em estudos longitudinais. Mais tarde, Gaya (2007), apontaram um índice de correlação igual ou superior a 0.5 como um indicador de uma variável estável.

3.     Um alto rendimento desportivo precoce é passível de garantir o sucesso desportivo futuro? Ser forte, veloz e resistente aos 10 anos de idade em relação à média populacional pressupõe manter essas mesmas condições aos 16 ou 18 anos? Qual a probabilidade do campeão de hoje se tornar o campeão de amanhã?

    A elevação de esta questão prende-se com algo que transcende os estudiosos desta temática: a sobrevalorização unilateral das componentes biológicas. Ou seja, uma visão que seja parcial, i.e. não integral, do conceito de talento desportivo, remete-nos para a dificuldade de elevação dos componentes mais importantes no diagnóstico da aptidão (Marques, 1993).

    A utilidade de programas de identificação e acompanhamento de talentos para predizer o desempenho de um atleta é avaliada pelos dados que resultam em estudos recentes de pesquisa. A evidência é baseada na determinação, em variáveis estratégicas, se praticantes de elite diferem da população normal e que facilmente não são modificadas pelo processo de treino.

    A base desta problemática deverá assentar sobre os factores que influem o rendimento. Sabemos que estes não se consubstanciam apenas aos aspectos morfológicos ou fisiológicos, mas devemos contabilizar também os aspectos psicológicos, contextuais e biomecânicos. Ou seja, podendo um indivíduo assentar no percentil 98 na sua caracterização antropométrica e perdurar esse valor no tempo, não assegura que o futuro será de sucesso.

    Basicamente, devido à complexidade a que está dependente a performance de um atleta, não podemos garantir que o campeão de hoje será o campeão de amanhã. Poderemos apenas inferir que ele terá elevadas possibilidades, com o devido empenho e dedicação, de ser um futuro campeão.

4.     Modelação da performance. O que significa? Quais os instrumentos estatísticos mais adequados para proceder a modelação da performance desportiva?

    Por Modelação da Performance, de acordo com Gaya et al. (s/d), entende-se um conjunto de procedimentos capazes de prognosticar, com alguma probabilidade de acerto, o jovem atleta de sucesso. Esses procedimentos incidem sobre a constituição de um quadro complexo e hierárquico de exigências somáticas, motoras e psicológicas em diferentes modalidades desportivas e em diferentes fases de desenvolvimento motor.

    Pegando no exemplo do Projecto Esporte Brasil, este parte de uma modelação dos atletas para tentar identificar junto do seio educativo, quais os alunos que estarão mais perto de desempenhar essas características com sucesso. Ou seja, fazendo uma avaliação dos atletas em formação em diferentes faixas etárias e em diferentes modalidades desportivas, vai permitir criar um perfil de atleta por modalidade e por idade. Pegando nesses dados obtidos podemos, aplicando os mesmos testes à população escolar, tentar inferir acerca daqueles que apresentam similares perfis de desempenho.

    Mas, desde logo surge um complexo problema de cálculo. Trata-se de que, para cada modalidade, cada componente avaliada não deverá ter o mesmo peso, ou seja a mesma cotação. Assim, e mantendo a coerência de que em diferentes modalidades os pré-requisitos do sucesso são diferentes, teremos de começar pela análise multivariada. Ou seja, é necessário que os estudos desenvolvidos adoptem procedimentos estatísticos que sejam capazes de maximizar diferenças entre grupos de atletas escolares e respeitem o conceito multifactorial da aptidão desportiva.

5.     Quais podem ser os papéis da educação física escolar e do clube desportivo na concepção de uma política de desporto no âmbito dos programas de detecção do talento desportivo?

    Em primeiro lugar, é preciso ir ter com o talento onde ele está. Na escola, no clube, nas associações ou federações deverá existir uma reunião de esforços de forma a criar condições de recrutamento de jovens com talento.

    Em segundo lugar, apercebemo-nos de uma estruturação de um sistema de preparação desportiva para os jovens talentos, sem considerar a importância que a escola, os clubes, as associações, as federações e outras estruturas de enquadramento desempenham neste processo, de uma forma unitária. Ou seja, estes organismos têm estado dissociados, e mesmo antagonizados, em relação a um problema que tem, forçosamente, de interessar a todos (Marques, 1993).

    O técnico desportivo, através da sua competência na qual se inclui o bom senso, pode influenciar diretamente o desempenho dos atletas promovendo os respectivos talentos desportivos ou, pelo contrário, pode fazê-los abandonar precocemente a modalidade e o desporto.

    Na fase inicial é de vital importância oferecer às crianças e jovens uma atividade alegre e motivadora, nas fases de desenvolvimento seguintes é necessário que o treinador avalie, reformule e melhorar constantemente o seu desempenho, de forma a poder responder adequadamente às exigências desportivas do jovem talento para que no tempo da especialização a assuma consciente e decididamente.

Bibliografia

  • Bloom, B. (1985). Developing talent in young people. New York: Ballantine Books.

  • Bompa, T. (1997). La Selección de Atletas com talento, Reb. Entren.o Dep.vo 2(I): 46-53, Barcelona.

  • Gaya, A. (2007). Detecção do Talento Desportivo. Documento de Apoio ao Mestrado de Treino de Alto Rendimento Desportivo. FADE-UP

  • Gaya, A. (s/d). Projecto Descoberta do Talento Esportivo. Uma proposta para identificação de crianças e adolescentes com níveis superiores de desempenho motor.

  • Maia, J. (1993). Abordagem Antropobiológica da Selecção em Desporto: Estudo multivariado de indicadores bio-sociais da selecção em andebolistas dos dois sexos dos 13 aos 16 anos de idade. Tese de Doutoramento em Ciências do Desporto. Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física. Universidade do Porto.

  • Marques, A. (1993). Bases para a estruturação de um modelo de detecção e selecção de talentos desportivos em Portugal. Rev. Ciência Desp. dos PALOPS – 1(1), pp. 47-58, Porto.

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