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Níveis de lesão muscular em atletas da 

modalidade bicicross durante um período competitivo

Niveles de lesión muscular en ciclistas de la modalidad bicicross durante un período competitivo

Muscle damage levels in athletes of bicicross modality during a competitive period

 

*Doutor em Biologia Funcional e Molecular

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

**Bacharel em Esporte

Faculdades Integradas Metropolitanas de Campinas – METROCAMP

Joaquim Maria Ferreira Antunes Neto*

Marcelo Urbano**

joaquim_netho@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo teve por objetivo analisar os índices de lesão celular em atletas da modalidade bicicross durante um período competitivo, com o intuito de compreender a influência do estresse mecânico e fisiológico oriundos das especificidades da modalidade para a instalação de um processo lesivo celular. Para nosso estudo, usamos como indicador de lesão celular a concentração da enzima creatina quinase (CK) no soro do sangue dos atletas. As amostras foram coletadas em quatro momentos distintos da fase competitiva, sempre 48 horas após competição. Os valores encontrados demonstram que o treinamento específico de força, resistência e velocidade do bicicross, caracterizado, sobretudo, pela predominância da ação muscular concêntrica, não alteram significativamente os níveis de CK durante as fases estudadas. Como conclusão, sugerimos que, pelo fato do treinamento das capacidades físicas ocorrer somente na bicicleta (não há utilização de recursos externos da pista), o que não permite um estresse mecânico tão severo quanto em modalidades de solo, índices de alteração da célula muscular não se alteram significativamente. A utilização de recursos de treinamento mais amplos poderia trazer níveis de estresse que solicitassem mais dinâmica adaptativa celular.

          Unitermos: Bicicross. Treinamento esportivo. Creatina quinase. Lesão celular.

 

Abstract

          This study analised the muscle cell alterations in athletes of bicicross modality during a competitive period. The interest for this modality is the ocorrence of the training stimulus (power, resistance and velocity exercises) utilizing only the bicicle as the instrument of training. The muscle cell damage marker was the analisys of plasma creatine kinase (CK), verified in four moments of the competitive phase (48 hours after each competition). The ausence of a powerfull eccentric contraction overload may be induced non significative levels of plasma CK during the competitive phase and in relationship of others sports. We concluded that more strategies of training together with bicicle exercises may to optimize the recqueriment of another level to the cell adaptation.

          Keywords: Bicicross. Training. Creatine kinase. Muscle damage.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O processo de lesão celular decorrente das forças mecânicas pode ser entendido a partir da interpretação dos três tipos de contração muscular observadas nas literaturas - isométrica, concêntrica e excêntrica – uma vez que estudos têm evidenciado alterações estruturais e funcionais do sistema contrátil, como das Bandas A e Linhas Z dos sarcômeros (Thompson, Riley, 1996; Fridén, Lieber, 1992) e do retículo sarcoplasmático (Gibala et al., 1995), decorrentes da tensão exercida sobre as estruturas em série da célula muscular quando submetidas ao estresse mecânico (Enoka, 1994).

    No entanto, é atribuída a ação muscular excêntrica o maior potencial lesivo à célula, uma vez que durante esta ação ocorre ao mesmo tempo um trabalho de força acompanhado de alongamento muscular (Antunes Neto, Vilarta, 1998; Nosaka, Clarkson, 1995). No instante da ação muscular excêntrica, as fibras recrutadas ficam expostas a uma maior tensão por área de secção transversa ativa, fato este decorrente de um menor número de fibras musculares recrutadas quando comparadas aos outros dois tipos de contrações submetidas a uma mesma carga, propiciando, desta forma, uma maior tendência à lesão (Antunes Neto, Vilarta, 2011). Estas lesões podem ser avaliadas a partir dos sintomas que incluem perda de força, redução da amplitude de movimento, desenvolvimento da dor muscular tardia (DMT) e concentração elevada de creatina quinase (CK) no sangue (Lazarim et al., 2009).

    A CK, assim como outras enzimas e proteínas (lactato desidrogenase, troponina–I, mioglobina), estão associadas a danos musculares, uma vez que são moléculas citoplasmáticas e não possuem a capacidade de atravessar a barreira da membrana sarcoplasmática (Dolezal et al., 2000; Eston et al., 1996; Volfinger et al., 1994). Desta forma, sua concentração em meio extracelular é entendida como um indicador dos processos lesivos à célula, da permeabilidade da membrana celular e do processo natural de envelhecimento (Antunes Neto et al., 2006b).

    Nesse sentido, as pesquisas têm sugerido uma relação direta entre sobrecarga de treinamento e níveis de alterações celulares, uma vez que o exercício físico induz alterações significativas em estruturas de sarcômero, retículo sarcoplasmático e matriz extracelular, o que promove um quadro de lesão celular (Antunes Neto et al., 2007b). Moreal e colaboradores (1995) citam ainda a hipóxia e isquemia musculares decorrentes do exercício exaustivo, bem como a ação do cálcio intracelular ativando proteases dependentes de cálcio, como fatores que alteram a membrana da célula muscular, aumentando, portanto, os níveis de CK no sangue.

    Buscamos em nosso estudo, a partir da dosagem da concentração de CK no sangue de atletas da modalidade bicicross, fazer uma análise da relevância do treinamento específico da modalidade no que tange sua influência na magnitude do estado lesivo do atleta.

Materiais e métodos

Sujeitos

    Participaram do estudo quatro (n = 4) atletas da modalidade Bicicross do Clube Paulínia Racing Bicicross, Paulínia – SP, com idade média de (22 ± 9 anos; 1,80 ± 0,06 m) e massa corporal (83,5 ± 11 kg), que disputavam, concomitantemente, o campeonato Brasileiro, Paulista e Regional, além de competições internacionais. Todos os atletas possuíam mais de oito anos de prática na modalidade. Os atletas foram informados dos procedimentos utilizados no estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as normas do Comitê de Ética da Instituição.

Protocolo

    Os 4 atletas fizeram parte de um programa de treinamento que seguiu uma periodização de vinte e nove (29) semanas, sendo o início das atividades na terceira semana do mês de Dezembro de 2007. A transição para o segundo semestre ocorreu na segunda semana de Julho de 2008. O período preparatório geral foi composto das semanas 1 a 6. As semanas de 7 a 9 caracterizaram o período preparatório específico. O período competitivo iniciou-se na semana 10 e terminou na semana 29. As cargas de treinamento durante os períodos foram registradas e sistematizadas estatisticamente (Figura 1). Com o intuito de definirmos exercícios gerais, específicos e especiais, a caracterização dos exercícios seguiu critérios de acordo com as especificidades biomecânicas do movimento competitivo da modalidade. As coletas de sangue foram realizadas durante o período competitivo, no momento da periodização em que predominava os exercícios específicos da modalidade. Nesse período os atletas participaram de 10 competições, uma de nível internacional (Campeonato Panamericamo de BMX), duas competições nacionais, quatro competições estaduais e três de caráter regional.

Figura 1. Percentual das cargas de treinamento de cada capacidade desenvolvida durante o período competitivo

Coleta de sangue

    Foram coletados 5 ml de sangue de cada atleta por análise. A primeira coleta foi realizada na 2ª semana do período competitivo, a segunda coleta ocorreu na 4ª semana, a terceira coleta na 7ª semana e a quarta coleta ocorreu na 12ª semana. Todas as coletas foram realizadas 48 horas após competição.

Preparo das amostras

    O sangue foi coletado diretamente em tubos de ensaio não heparinizados, para que houvesse a coagulação do mesmo e, após 5 minutos de descanso em temperatura ambiente, foi centrifugado por 10 minutos a 3,000 rotações por minuto para separação das células sanguíneas e do soro.

Análise de Creatina Quinase (CK)

    As análises foram feitas utilizando-se os procedimentos bioquímicos do kit Laborlab®. Juntou-se a solução tampão (frasco 2,5 ml) o reativo específico enzimático CK-NAC. Em seguida foi adicionado 20µl do soro à solução reativa. Imediatamente foi feita quatro leituras das observâncias de uma mesma amostra a 334 nm, com um minuto de intervalo entre uma e outra, para que fosse obtido um valor de variação por minuto (Δ minuto). O cálculo da concentração da CK (U/L) na amostra sorológica foi feito pela equação CK = Δ min x 0.795 = valor U/L.

Análises estatísticas

    As análises estatísticas foram feitas através do programa GraphPad Instat® (San Diego, CA). Utilizamos o teste ANOVA para amostras pareadas e, como pós-teste, foi adotado o teste de Tukey. Valores de P < 0.05 foram considerados significativos.

Resultados

Concentração da Enzima Creatina Quinase no Soro

Tabela 1. Concentração da enzima creatina quinase (CK) no soro de atletas da modalidade bicicross durante o período competitivo (n = 4). Os dados representam média ± desvio padrão.

    A Tabela 1 apresenta os dados de média ± desvio-padrão das quatro análises de cada atleta, durante o período competitivo. Os valores mostram variabilidade ao longo do processo de análise.

Figura 1. Valores de média ± desvio padrão relativos aos dados da tabela 2. Onde: p>0.05 (não houve diferença estatística)

    A concentração de CK no soro dos atletas durante o período avaliado esteve acima dos valores de referência para sujeitos sedentários (80-100 U/L), evidenciando um maior nível de alteração celular decorrente do estresse mecânico e fisiológico ao qual foram submetidos os atletas. No entanto, quando comparado os valores encontrados com outras modalidades, como o futebol (Zoppi et al., 2003; Lazarim et al., 2009) e o voleibol (Antunes Neto et al., 2007c), observamos uma diferença significativa para este marcador. Nos casos das modalidades citadas, os valores se apresentaram significativamente aumentados em relação aos valores encontrados no bicicross (futebol: valores entre 350 e 980 U/L; voleibol: valores entre 250 e 350 U/L).

Discussão

    Considerando os valores de CK encontrados em nosso estudo, observamos uma relação pouco expressiva entre lesão celular e exercícios de força, resistência e velocidade predominantes no período avaliado, quando comparados, sobretudo, ao futebol (Lazarim et al., 2009). Nesse sentido, é possível lançarmos algumas hipóteses que contribuam com o entendimento dos resultados encontrados em nossas análises.

    Várias pesquisas têm sugerido uma relação direta entre sobrecarga de treinamento e níveis de alterações celulares. Nos experimentos de Newhan e colaboradores (1987) observa-se que os valores de CK tendem a ser elevados apenas nas primeiras semanas que seguem os exercícios iniciais, não demonstrando significativa precipitação a partir da segunda semana de treinamento. Tais achados sugerem que os atletas, após a segunda semana, estariam adaptados ao nível de estresse ao qual foram submetidos anteriormente (Antunes Neto et al., 2007a).

    No entanto, a maioria dos estudos tem apontado para um aumento da concentração de CK 48 horas após a execução de exercícios não habituais ou de sobrecarga de treinamento (Antunes Neto et al., 2006a). Smith e colaboradores (1994) observaram que as concentrações de CK após protocolos de exercícios de força excêntrica e concêntrica (3 séries de 12 repetições de exercício supino a 80 % de 1 RM) aumentaram significantemente após 48 horas, tendo coincidido com o pico de dor muscular localizada. Da mesma forma, Brown e colaboradores (1985) encontraram valores elevados de CK 24, 48 e 72 horas após protocolo de exercício de força excêntrica envolvendo o grupo muscular extensor do joelho. Assim, a diminuição ou estabilização nos valores de CK ao longo das fases de preparação tem reafirmado esta relação com a estrutura de treinamento periodizado, a qual prevê uma modulação correta da intensidade, da duração e da freqüência dos exercícios (Newhan et al., 1987; Antunes Neto, 2008).

    O bicicross é uma modalidade caracterizada pela intermitência e alta intensidade dos movimentos, porém com predominância da ação muscular concêntrica; atribui-se a este tipo de contração um maior dispêndio energético durante a atividade física vigorosa (Dudley et al., 1991a; Dudley et al., 1991b). No entanto, tem sido observado um processo lesivo diminuído em relação à ação muscular excêntrica, haja visto que durante a ação excêntrica ocorre ao mesmo tempo um trabalho de força acompanhado de alongamento muscular (Nosaka, Clarkson, 1995).

    Hortobágyi e colaboradores (1996), através de estudos eletromiográficos, encontraram que em um mesmo trabalho de força, durante a ação excêntrica, houve uma menor mobilização do numero de fibras musculares envolvidas na atividade quando comparada à ação concêntrica, ocorrendo uma maior tensão por área de secção transversa ativa, ficando as fibras mais suscetíveis a lesão. Os efeitos da velocidade de contração muscular excêntrica para a magnitude da lesão foram observados por Farthing e Chilibeck (2003). O estudo mostrou a ocorrência de dano muscular na execução de ações excêntricas em diferentes velocidades, sendo que nas contrações de elevada velocidade houve maior grau de dano muscular. Esses achados se apresentam contraditórios diante de outros estudos em que foram encontradas correlações fracas entre a velocidade de estiramento do músculo e lesão muscular (Talbot, Morgan, 1998; Ellwanger, 2007). Nesse sentido, a relação entre velocidade de contração e níveis de lesão celular ainda é divergente.

    A partir dos resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2, nosso estudo vem contribuir com a informação de que no bicicross não se estabelece a situação acima citada. As altas intensidades de esforço, bem como a velocidade, apresentaram-se como fatores de baixo potencial lesivo à célula, pois a concentração de CK no soro de todos os atletas avaliados, apesar de apresentar uma grande variação durante o período, não determinou elevações significantes em relação a outras modalidades avaliadas no mesmo período (período competitivo). Entendemos que a especificidade da modalidade, no que tange o tipo de ação muscular, tenha um papel relevante no indicador de lesão, ora visto que os efeitos da força aplicada e da velocidade requerida no deslocamento configuraram-se como fatores de baixo potencial lesivo à célula muscular. No entanto, é necessário também que pontuemos o nível de condicionamento e o tempo de prática na modalidade dos atletas avaliados (± 8 anos). Tais fatores contribuem para um estado de treinamento e grau de adaptação que permite que o organismo esteja menos suscetível a acentuadas alterações ultraestruturais.

    Associado a esses fatores, no bicicross e no ciclismo, em geral, não se observa a fase de frenagem ou mudança de direção realizada com aplicação de força pela musculatura dos membros inferiores durante o deslocamento em alta velocidade. Todo movimento no bicicross, após a largada, seja em uma competição ou na execução de um exercício, é realizado de forma contínua e a diminuição da velocidade é permitida pelo sistema de freios do equipamento. Nesse direcionamento, é possível interpretarmos o impacto sofrido pelo atleta de bicicross, durante a execução da tarefa motora competitiva, como uma força de impacto que tem uma ação distribuída de forma mais uniforme na estrutura músculo-esquelética, diferentemente das outras modalidade citadas neste trabalho, em que as forças de impacto geralmente são distribuídas de forma mais centralizada em um segmento corporal, aumentando a tensão e o estresse mecânico da região.

    Durante o deslocamento do atleta na pista, a continuidade do movimento durante a aterrissagem, após uma fase de vôo na transposição de um obstáculo, também configura-se como um atenuador do impacto tanto para a estrutura da bicicleta quanto para o atleta, uma vez que este busca manter a velocidade de deslocamento ou ainda aumentá-la através retomada do giro dos pedais; ou seja, em momento algum ocorre, durante o deslocamento do atleta, um impacto causado por uma parada brusca ou mudança de direção em que seja exigido uma alta aplicação de força. Outro fator relevante refere-se ao início de uma prova. Durante a largada, os atletas permanecem em pé sobre a bicicleta, os joelhos em extensão ou ainda com uma ligeira flexão. No momento em que inicia a queda da barreira de largada (gate), os atletas realizam um movimento na direção contrária, projetando o quadril para trás e, na sequência, realizam um movimento de retorno, o mais rápido possível, projetando o corpo sobre o pedal de aplicação de força. Dessa forma, a potência inicial conta com a força gerada também pelo peso corporal do atleta e não somente pela ação dos membros inferiores. Vale lembrar que toda essa ação ocorre basicamente durante uma ação concêntrica e ainda toda energia é dissipada em movimentos cíclicos isentos de impactos diretos com o solo.

Considerações finais

    Concluímos que os fatores associados à especificidade da modalidade, no que compete aos níveis de estresse mecânico oriundos do treinamento de força e velocidade na modalidade, não foram de grande relevância para a instalação de um processo lesivo crônico acentuado. Os valores de CK encontrados em nosso estudo permitem vislumbrarmos novas metodologias de treinamento que privilegiem o treinamento de força excêntrica como requisito para uma maior magnitude das alterações das estruturas em série do músculo, ora visto a possibilidade de transferência do potencial adquirido através de treinos inespecíficos para as exigências específicas da modalidade, bem como produzir alterações profundas nas reservas de treinamento atuais do atleta.

Referências bibliográficas

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