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Esporte e violência

Deporte y violencia

Sport and violence

 

*Professor Doutor da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

Pesquisador, membro da equipe da USP do Núcleo de Estudos, Ensino

e Pesquisa do Programa de Assistência Primária de Saúde Escolar – PROASE

**Professora Doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP)

Coordenadora do PROASE

José Eduardo Costa de Oliveira

Maria das Graças Carvalho Ferriani

prof.zedu@usp.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Com o passar dos séculos, as bases da violência se deslocaram da luta contra os animais, como meio de sobrevivência humana, para fixar-se entre os homens, tornando o confronto físico entre os sujeitos, quase que inerente, na luta por maiores conquistas econômicas, territoriais, e, portanto, mais poder nas sociedades (ELIAS, 1994). A violência, enquanto fenômeno do campo esportivo pode ser considerada como um processo social-cultural complexo, no qual intervêm fatores estruturais, ideológicos, financeiros e culturais. Em vistas a intenção do presente em discutir e analisar a problemática da violência e suas interfaces com o esporte, partindo de uma perspectiva histórica deste fenômeno, o presente ensaio apresenta duas perspectivas para aqui tratar do tema. A primeira, relacionada às origens da violência no Brasil e suas relações com o poder nas sociedades; na segunda, discutindo os rumos tomados pela violência esportiva na atualidade. Numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma que se faz de fundamental importância empreender ações que possam gerar subsídios para novas análises e aprofundamento da temática, pois, observa-se o fato da violência que se manifesta no esporte, no interior das arenas desportivas e no entorno delas, perfazer uma reprodução da violência instaurada nas sociedades e que foi construída ao longo de décadas de subserviência da população ao poder do Estado. Portanto, tem relações diretas com o poder e é fruto da competição exacerbada e fomentada pela sociedade capitalista, que vê na competição entre os pares a única forma de aumentar a produção do sistema.

          Unitermos: Esporte. Violência. Poder. Sociedade.

 

Resumen

          A través de los siglos, los cimientos de la violencia se han trasladado de la lucha contra los animales como medio de supervivencia humana, a establecerse entre los hombres, haciendo que el enfrentamiento físico entre los sujetos, casi inherente a la lucha por alcanzar mayores logros económicos, territoriales, y por lo tanto, obtener más poder en las sociedades (Elias, 1994). La violencia como un fenómeno del campo de los deportes se puede considerar como un complejo socio-cultural, en el que intervienen factores estructurales, ideológicos, económicos y culturales. En vista de esta intención en la discusión y el análisis del problema de la violencia y su relación con el deporte, desde una perspectiva histórica de este fenómeno, este artículo presenta dos enfoques para abordar esta cuestión. La primera se refiere a los orígenes de la violencia en Brasil y su relación con el poder en la sociedad; en la segunda, discutir la dirección tomada por la violencia en el deporte hoy en día. Desde la perspectiva de un análisis concluido, este ensayo sostiene que es de fundamental importancia llevar a cabo acciones que pueden generar datos para el análisis y profundización del tema, ya que, está el hecho de violencia que se manifiesta en los escenarios deportivos y en las zonas circundantes, que constituyen una representación de la violencia en las sociedades y que fue construido durante décadas de sometimiento de la población al poder del Estado. Por lo tanto, tiene una relación directa con el poder y el resultado de una mayor competencia y fomentada por la sociedad capitalista, que ve la competencia entre los iguales de la única manera de aumentar la producción del sistema.
          Palabras clave: Deporte. Violencia. Poder. Sociedad.

 

Abstract

          Over the centuries, the foundations of violence have moved the fight against animals as a means of human survival, to establish himself among the men, making the physical confrontation between the subjects, almost inherent in the struggle for greater economic achievements, Territorial, and therefore more power in societies (Elias, 1994). Violence as a phenomenon of the sports field can be regarded as a social-cultural complex, in which structural factors involved, ideological, financial and cultural. In view of this intention in discussing and analyzing the problem of violence and their interfaces with the sport, from a historical perspective of this phenomenon, this paper presents two approaches to address the issue here. The first related to the origins of violence in Brazil and its relationship with power in society, in the latter, discussing the direction taken by violence in sports today. From the perspective of a definitive analysis, this essay argues that it is of fundamental importance to undertake actions that may generate data for further analysis and deepening of the topic since, there is the fact of violence that manifests itself in sports arenas within sports and in the surrounding areas, make up a representation of violence in societies and brought that was built over decades of subservience to the power of the population of the state. Therefore, it has direct relationships with the power and the result of heightened competition and fostered by the capitalist society, which sees competition among peers the only way to increase production of the system.

          Keywords: Sport. Violence. Power. Society.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Com o passar dos séculos, as bases da violência se deslocaram da luta contra os animais, como meio de sobrevivência humana, para fixar-se entre os homens, tornando o confronto físico entre os sujeitos, quase que inerente, na luta por maiores conquistas econômicas, territoriais, e, portanto, mais poder nas sociedades. Sendo que, uma das resultantes destes aspectos foi à delimitação dos Estados Nacionais (ELIAS, 1994).

    É a referida constituição desses Estados Nacionais, com sua monopolização do poder, quem fomentou mudanças no comportamento dos sujeitos, constituindo a gênese da violência interna e a sua representação externa, bem como o controle de ambas, que se deu nas diferentes sociedades e que rebocou os comportamentos inadequados dos indivíduos durante o seu processo de civilização.

    Em vistas a intenção do presente em discutir e analisar a problemática da violência e suas interfaces com o esporte, partindo de uma perspectiva histórica deste fenômeno, o presente ensaio apresenta duas perspectivas para aqui tratar do tema. A primeira, relacionada às origens da violência no Brasil e suas relações com o poder nas sociedades e na segunda, discutindo os rumos tomados pela violência esportiva na atualidade.

    Nesse sentido, para que seja possível estabelecer as analogias entre estes dois fenômenos sociais, inicia-se pelo próprio significado de – violência.

    Violência é uma palavra de origem etimológica derivada do latim – violentia – que significa: “recurso à força para submeter alguém (contra vontade), ou exercício da força praticado contra o direito” (RUSS, 1994. p 45).

    Em razão das várias tentativas científicas de se explicá-la enquanto fenômeno social e esportivo encontra-se diferentes pontos de vista. A exemplo do que relata o olhar da – antropologia - que através de suas lentes afirma que ela se revela de diversas formas, como no estresse, no traumatismo nas frustrações, tornando difícil uma teoria unitária (DOLLARD et. al, 1961). Pois, é segundo esta mesma dimensão do fenômeno humano, uma das complexidades inerentes do sujeito.

    Numa outra corrente – a biológica - definida por Lorenz (1969), considera a violência como uma qualidade inata e estuda os fatores reacionais e os fatores inibitórios do fenômeno.

    Nessa mesma esteira, a – neurofisiologia - trazida por Waiselfiz (1998) se vale dos conceitos da interação, e, conseqüentemente da reação aos estímulos do ambiente, constituindo-se de agressões. Pois as tensões geradas a partir do meio (interações interpessoais, jogo ou as competições) são também chamadas de estresse.

    Já na corrente – sociológica – ótica do presente ensaio, sua gênese se explica na frustração que desencadeia a agressão (Zaluar, 1991). Nessa linha, a violência também pode ser definida através da teoria da aprendizagem: pais violentos, filhos violentos. Portanto, conclui-se que: sociedade violenta, esporte violento.

    A abordagem sociológica da questão também pode ser considerada em uma díade – as abordagens empíricas e a teoria social.

    Na primeira, os pesquisadores a relacionam ao número de acontecimentos violentos, a partir de indicadores socioeconômicos, mensurando então a intensidade destes, considerando sua pluralidade de manifestações (esportivas ou sociais/culturais), sendo algumas delas o terrorismo, as guerras civis, as repressões políticas, as religiosas, as esportivas e etc.

    Na segunda, incumbe-se da tarefa de compreender os comportamentos violentos vinculados a algum outro fenômeno ou ambiente social (ao esporte, a escola, a família, por exemplo), encarando estes comportamentos enquanto fenômeno social e considerando a sua função no espaço/situação.

    Apesar do que foi dito acerca dos comportamentos violentos nos diferentes nichos sociais, Zaluar (1991) ressalta a necessidade de não se ignorar a importância do conflito, pois, vê-se neste uma forma de sociabilizacão dos grupos, concebendo a violência ligada à rigidez das estruturas que a cercam.

    Pois o conflito não seria o ameaçador destas mesmas estruturas, e sim, a própria rigidez que permitiria que as hostilidades se acumulassem e se concentrassem numa única linha separatória, culminando no comportamento violento.

    Nessa mesma direção, e, ainda que existam grandes dificuldades para se definir o que se nomeia de violência nos diversos espaços coletivos de uma sociedade, a exemplo das arenas esportivos, nas aulas de educação física (escola) e na sociedade como um todo, bem como que existam poucos elementos que a vinculem, diretamente, com o fenômeno esportivo (ao menos aqueles relacionados à sua gênese), outros elementos, principalmente os conceituais podem ser delimitados, colaborando para a definição citada no inicio do texto (OLIVEIRA, 2009).

    Como a noção de coerção ou força e os danos que se produz em um individuo ou grupo de indivíduos que pertençam à determinada classe social, gênero ou etnia (Chauí, 2001. p. 14).

    O presente texto percebe-se o conceito de violência a partir do que relata o mesmo a mesma autora, e que aqui é entendido, resumidamente: como a intervenção física de um indivíduo, ou de um grupo/instituição, contra a integridade de outro(s) e/ou contra si mesmo, abrangendo desde os suicídios, espancamentos (variações), roubos, assaltos, homicídio, agressões sexuais (variações), e, também todas as formas de violência verbal, simbólica, psicológica e institucional, além do preconceito e das incivilidades.

A violência no cenário brasileiro

    No Brasil, a violência é responsável pela principal causa de mortalidade na faixa entre 05 a 49 anos de idade, sendo que, de 15 a 29, ela atinge o percentual alarmante de 64.4% das mortes entre os jovens, conferindo inegavelmente um caráter de problema, não só esportivo, educacional ou policial, mas sim, de saúde pública (ABRAMOVAY, 2003).

    Assim, dificilmente esse fenômeno não apresentará um vínculo estreito com o poder, sendo possível também estabelecer várias outras conexões, assim como perceber a dicotomia que ela comporta.

    Na historia do país, quer seja no âmbito desportivo ou social, atos extremamente violentos nas ruas, nos estádios, nas escolas (e demais espaços coletivos), que muitas vezes ocasionaram a coação de pessoas foram encabeçados pelo Estado ou tiveram o seu consentimento.

    Para Foucault (1999), o poder significa antes de tudo um verbo, uma ação, uma relação de forças, ou seja, poder não é simplesmente algo que alguém tem ou não, o poder é uma relação constitutiva de qualquer relação social, inclusive nas relações oriundas das atividades desportivas, tanto dos praticantes, como dos torcedores.

    Portanto, ao se analisar as raízes da violência no Brasil, ela dificilmente não estará associada à estrutura de poder vigente dentro da sociedade e/ou dentro dos clubes, confederações e torcidas organizadas, que também são sociedades.

    Acerca desse último exemplo – as torcidas organizadas - configuram-se como a principal mola propulsora dos eventos violentos da atualidade, particularmente, quando relacionada aos episódios futebolísticos (ZALUAR, 1991).

    A Exmplo daquilo que fora denominado de comportamento – hooligan. Onde ao final dos certames esportivos, uma verdadeira batalha é comumente instaurada entre as torcidas organizadas, culminando em comportamentos violentos para com os torcedores de outras equipes, bem como gerando situações de violência e depredação do patrimônio publico e privado e na agressão a outros cidadãos, que via de regra, se quer possuem vínculo com os eventos. Tudo isso, dentro e no entorno dos estádios de futebol.

    Atitudes violentas são classificadas, comumente, como formas de ação, resultantes do desequilíbrio entre fortes e fracos, ou oprimidos e opressores.

    Assim, não é possível analisar a violência de uma única maneira. Tomando-a como um fenômeno único, pois, sua própria pluralidade é a única indicação do politeísmo de valores, da polissemia do fato social investigado, onde o termo violência transforma-se em uma maneira cômoda de reunir tudo o que se refere à luta, ao conflito, ao controle, ao descontentamento, a rebeldia, que é a parte sombria que sempre atormenta o corpo individual, quer seja no cenário social ou no esportivo.

    Uma visão abrangente da história pode fomentar que se compreenda o percurso do autoritarismo no Brasil, e, neste caso, o circuito das práticas arbitrárias deve ser analisado objetivamente, pois, o funcionamento da estrutura de dominação envolve um processo complexo, que tem como centro, o desequilíbrio social entre os fortes e os fracos e o jogo político de forças, que produz e reproduz a ordem das ruas.

    Muitos governos – predominantemente no Brasil – ao longo dos tempos privilegiaram a autoridade em detrimento do consenso; concentraram o poder político em torno de poucos, deixando de lado as instituições representativas que passaram a ter um caráter meramente cerimonial, restringindo a liberdade, suprimindo as oposições ou coagindo à simulação.

    Na ideologia autoritária, quer seja a social ou desportiva, a utilização da violência tornou-se necessária à manutenção da desigualdade entre os homens. A ordem, nesse conjunto de idéias ocupou lugar de destaque: a crença cega na autoridade, e, por outro lado, desprezo pelos inferiores, débeis, descordenados, menos habilidosos, menos ápitos, e os não inseridos nos padrões estéticos e socialmente aceitáveis como vítimas, portanto.

    As rupturas políticas na história brasileira, praticamente não ocorrem no nível das relações sociais e pessoais. Novos governos, ao assumirem o poder praticam velhas políticas e se preocupam em edificar um imaginário popular calcado na nova ordem vigente.

    Numa análise sobre o passado brasileiro social e desportivo, o período escravocrata de quase 400 anos e os quase 40 anos de período de exceção, da ditadura Vargas ao período militar, deixaram - como herança - uma cultura de autoritarismo, de corrupção e de "malandragem", que se enraizaram no imaginário popular. Em relação a esta última, e que se manifesta no esporte, quase que como suas representantes legítimas.

A violência no cenário esportivo

    Alguns autores afirmam que os esportes integram vários tipos de competições que envolvem força física ou simbólica, e, portanto, que podem ter ações que podem ser percebidas como violentas (GARRIGOU e LACROIX, 2001).

    Entende-se o conceito de violência no esporte, como o uso da força física e/ou do constrangimento psíquico para obrigar alguém, a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser, dentro do ambiente esportivo, perpetrado, quer seja pelos praticantes ou pelos espectadores (CHAUÍ, 2001, p. 38).

    A violência, enquanto fenômeno do campo esportivo pode ser considerada como um processo social-cultural complexo, no qual intervêm fatores estruturais, ideológicos, financeiros e culturais.

    Zaluar (1991) afirma que o fenômeno da violência esportiva também pode ser caracterizado quando um, ou vários atores agem de forma direta ou indireta, maciça ou espaçadamente, causando incursões a uma ou mais pessoas, mesmo que em graus variáveis em sua integridade física, moral, material ou em suas participações simbólicas e culturais.

    Portanto, os ciclos de violência são configurações formadas por dois ou mais grupos, processos de sujeições recíprocas que situam estes numa posição de medo e de desconfiança mútua, passando cada um a assumir como natural, o fato de um de seus membros poderem violentar, o serem violentados pelo outro grupo, caso estes tenham a oportunidade e os meios para fazê-lo.

    O contexto histórico da violência esportiva se traduz a reboque das sangrentas batalhas no Coliseu da Roma antiga, que se iniciaram em função da política dos imperadores romanos, que frente ao descontentamento dos cidadãos para com a realidade social da época, viram na – política do pão e circo – uma maneira vil de acalmar a população, servindo-lhes o sangue dos gladiadores, enquanto espetáculo esportivo, e, portanto: entretenimento, acompanhado de comida nos eventos esportivos.

    Verdadeira gênese da violência no esporte, que também absorvia e retransmitia a violência social da época, através da ratificação da subserviência da população, frente ao domínio do Estado.

    Posteriormente, com a transição dos passatempos ou atividades de lazer a esportes, ocorrida na sociedade inglesa em meados do século XIX, que se relacionou ao desenvolvimento da sociedade sob uma perspectiva global, os ciclos de violência abrandaram, e os conflitos de interesses foram resolvidos de um modo que permitisse aos principais detentores do poder, solucionarem suas diferenças por intermédio de processos inteiramente não violentos, e segundo regras acertadas por ambas as partes.

    Para acabar com os ciclos de violência no cenário esportivo, surgiram – as regras. Acordadas por ambas as partes, dentro de um período de longa duração, onde os grupos rivais se respeitavam e entregavam o poder pacificamente aos adversários durante as disputas, tidas como esportivas.

    As regras, portanto, surgiram a partir do medo de - extinção mútua - decorrente da violência no esporte. Durante este período, as tensões mantinham-se muito altas e a necessidade ou o medo de destruição recíproca trouxe, também, uma nova forma de governo e de pratica esportiva, onde os adversários deveriam respeitar as regras formuladas por eles, para a conquista do poder/objetivos.

    Portanto, foi com o passar do tempo que os grupos perderam gradualmente a sua desconfiança, desistindo da violência e respectivas técnicas, passando a desenvolver novas competências e estratégias exigidas pelo confronto não violento. As técnicas - militares e esportivas violentas - deram lugar às técnicas de debate, a retórica e a persuasão, exigindo um maior autocontrole, caracterizando um avanço da civilização.

    Sendo assim, o que caracteriza o esporte moderno para Elias (1994) é a aplicação das regras, coibindo toda e qualquer ação mais violenta, onde, mesmo em modalidades esportivas nas quais o contato físico é mais freqüente (MMA, basquetebol, rúgbi, futebol americano, boxe e etc.) as regras pré-determinam muitas das ações dos praticantes, onde também se observa que além desta relação, que o nível e as formas da violência na atualidade tomam outros rumos, principalmente se for considerado que a violência do tipo – simbólica – substitui a predominante violência física, e está cada vez mais enraizada pelo cultura esportiva, incluindo-se os espectadores.

    Como a sociedade contemporânea é altamente competitiva, situação esta, potencializada pelo esporte de alto nível, que fora metamorfoseado pela mídia e pelo poder, transformando-se em esporte-espetáculo. Situação esta que ratificou esta competitividade, já que a complexa divisão do trabalho gera a possibilidade de que os papéis sejam fixados muito mais pelos resultados, do que meramente por atribuições. Este aumento da competição leva a um aumento da rivalidade e da agressividade entre os pares (BETTI, 2008).

    Outro fator que potencializa esta situação são os padrões vigentes na sociedade, bem como o monopólio do Estado em utilizar à força física, que não comportam as ações diretamente mais violentas dos indivíduos no seio social, onde a violência então se canaliza para contextos sociais específicos, como os esportes, as escolas, as famílias, o transito, as comunidades, os clubes e outros espaços coletivos, ou então é manifesta de outra forma que não seja a violência física (OLIVEIRA,2009).

    É nessa outra possibilidade de violência - a simbólica – onde suas manifestações são predominantemente comportamentais, variando de agressões verbais, pelas ações das pessoas, ou ainda pela discriminação racial, sexual ou religiosa que existe na sociedade, e que agora emanou para os campos desportivos, que mais se tem observado, quando o contexto analisado se relaciona com o esporte (GARRIGOU e LACROIX, 2001).

    Particularmente quando remetida aos casos de racismo, onde o relatório das Nações Unidas de 2005 expressou preocupação pelo seu aumento no futebol. Um esporte que pode ser uma ferramenta útil para o desenvolvimento e a paz internacional, mas, ao contrario disto, tem potencializado esses comportamentos sociais indesejados.

    Bourdieu (2005) define a violência simbólica, asseverando que ela trata de se manifestar através de ações abstratas de superioridade, de uma pessoa ou grupo sobre o outro. O aumento da violência e dos incidentes abertamente racistas estão ilustrados não só pelas ações de alguns simpatizantes sobre discriminação e xenofobia, mas também são constatadas em comentários e ações de treinadores de clubes que minimizam ou legitimam esses casos.

    O fenômeno do racismo no esporte, por exemplo, (um manifestação de violência simbólica) é caracterizado, em geral, por atitudes inconseqüentes, desrespeitosas e hostis para com um outro ser humano, geralmente de cor, raça, religião e etc., diferente a do agressor, que pode se manifestar na forma de agressões físicas ou psicológica, principalmente.

    É visível o fato de que ainda não foram tomadas medidas necessárias para chamar à responsabilidade para quem comete graves atos de racismo no esporte, em episódios que apesar de receberam ampla cobertura da imprensa, pode aumentar, sobretudo no futebol, que por sua vez, por ser o mais popular no planeta é um reflexo das sociedades. E, portanto, pode estar cercado dos melhores, como também das piores tendências sociais, a exemplo do racismo, da xenofobia, a violência física, a discriminação, o nacionalismo excessivo e as incivilidades.

    Cita-se o exemplo recente do amistoso da seleção brasileira de futebol em 26/03/2011, contra a seleção Irlandesa, onde o jogador Neymar, ao ser substituído no final do segundo tempo, recebeu uma banana atirada pelos torcedores irlandeses.

    Pois no mundo de hoje, em que a agenda internacional está dominada pela guerra contra o terrorismo, o temor das sociedades pode motivar atitudes negativas dentro das arenas esportivas em relação aos estrangeiros, negros e etc., fazendo-se urgente uma convocação social e uma mobilização das organizações esportivas internacionais, da academia, na direção de combater a violência, além da conscientização da comunidade internacional acerca do importante papel do esporte nos esforços para o desenvolvimento e a paz mundial.

Considerações finais

    Face ao que foi exposto, numa perspectiva de uma análise conclusiva, o presente ensaio afirma que se faz de fundamental importância empreender ações que possam gerar subsídios para novas análises e aprofundamento da temática.

    Pois, observa o fato da violência que se manifesta no esporte, no interior das arenas desportivas e no entorno delas, perfazer uma reprodução da violência instaurada nas sociedades e que foi construída ao longo de décadas de subserviência da população ao poder do Estado.

    Portanto, tem relações diretas com o poder e é fruto da competição exacerbada e fomentada pela sociedade capitalista, que vê na competição entre os pares a única forma de aumentar a produção do sistema.

    A relação de interdependência entre o estágio atual da violência na sociedade, com as práticas esportivas ficou explícita nas colocações do texto, pois, verifica-se que o esporte, com ações isoladas, não coíbe a violência social representada na configuração dos praticantes esportivos, particularmente àquela violência revestida de uma de suas formas mais sinistras – a simbólica - que pode acometer suas vítimas, principalmente aquelas mais vulneráveis e que convivem com situações de vitimização, sujeitando-as a grande sofrimento psíquico e a possibilidade de internalizarem tais experiências por toda sua vida.

    Portanto, existe a probabilidade eminente dos indivíduos (vitimizados) internalizarem, negativamente, suas qualidades perante os demais, podendo acarretar em prejuízos na auto-estima, além de outras conseqüências, tais como: dificuldades de relacionamentos sociais e interação com o espaço.

    Outra conclusão oriunda do contexto analisado é o fato de quão se tornou comum, contemporaneamente, a violência simbólica no esporte (a exemplo do racismo), porém, esses mesmos atos de discriminação racial não são concretos o suficiente para serem enquadrados como crime, pois, segundo algumas autoridades o racismo é muito complexo, se manifesta de diversas formas e parece estar internalizado no comportamento e no cotidiano das pessoas, particularmente no ambiente esportivo. Externalizado desde uma simples piada, nos apelidos, na chacota, chegando até as manifestações de constrangimento e nas agressões físicas e verbais aos negros, obesos, homossexuais, mulheres, árabes, judeus e nos portadores de necessidades especiais.

    Contudo, o ensaio enfatiza que o esporte é uma importante ferramenta de enfrentamento desta problemática, mas, que deve ser enfrentada considerando a polissemia da questão.

    Portanto, a rede de interdependência deve ser compreendida na sua totalidade, não se podendo entender, apenas, as ações dos educadores físicos, praticantes e consumidores esportivos, separadamente de outras ações sociais, principalmente no que se refere à violência no esporte e o seu enfrentamento.

Referências bibliográficas

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