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Uma odisséia do futebol sul-rio-grandense na década de

1950: o Esporte Clube Cruzeiro percorre a Europa e Ásia

Una odisea del futbol de Río Grande do Sul en la década de 1950: el Esporte Clube Cruzeiro realiza una gira por Europa y Asia

 

*Licenciado em Educação Física

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Membro do Núcleo de Pesquisa em História

e Memória do Esporte e da Educação Física

**Licenciado em Educação Física

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

***Prof. Adjunta da Escola de Educação Física

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História

e Memória do Esporte e da Educação Física

Lucas Lopez da Cruz*

Bruno Scalzilli Vieira Marques**

Janice Zarpellon Mazo***

lucasofg3@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O Esporte Clube Cruzeiro protagonizou um fato inédito no futebol sul-rio-grandense e brasileiro ao excursionar para a Europa e Ásia com o intuito de realizar jogos amistosos nos primeiros anos da década de 1950. Durante a viagem, o time do Cruzeiro conquistou grandes resultados como, por exemplo, o empate em zero a zero com o poderoso time do Real Madrid. Após os jogos na Europa, passou por Israel e Turquia, se tornando assim o primeiro clube brasileiro a competir em terras asiáticas. Na presença de aproximadamente 25.000 pessoas derrotou o campeão de Israel por 2 a 1, no jogo mais importante de sua passagem pelo oriente, estampando muitos jornais pela importância do feito na época. A presente pesquisa tem por objetivo reconstruir a viagem do time de futebol do Esporte Clube Cruzeiro pela Europa e Ásia, iniciada em outubro do ano de 1953 e finalizada em janeiro de 1954. Para construir esta narrativa histórica foram consultados os jornais Zero Hora, Correio do Povo e Folha Esportiva, as Revistas Goool e Placar, livros comemorativos do clube, além de artigos e o site do clube. A excursão do time de futebol aconteceu no ano em que o clube completou 40 anos de fundação. A iniciativa de realizar a viagem marcou a história do Cruzeiro como sendo o primeiro clube de futebol do Rio Grande do Sul a jogar na Europa e também o primeiro clube brasileiro a disputar competição na Ásia. Tal acontecimento revelou o futebol sul-rio-grandense no exterior e incentivou outros clubes brasileiros a buscarem contato com clubes do exterior.

          Unitermos: Futebol. História. Esporte. Clube.

 

Abstract

          The Cruzeiro Esporte Clube starred in an unprecedented fact in football of Rio Grande do Sul and the Brazilian tour to Europe and Asia in order to make up games in the early years of the 1950s. During the trip, the team has achieved major results of the Cruzeiro, for example, the zero-zero tie in with the mighty Real Madrid team. After the games in Europe, passed through Israel and Turkey, making him the first Brazilian club to compete in Asian lands. In the presence of about 25,000 people defeated the champion of Israel, 2-1, in the biggest game of his passage through the East, many newspapers stamping done by the importance of the time. This research aims to reconstruct the travel soccer team Cruzeiro Esporte Clube in Europe and Asia, began in October 1953 and completed in January 1954. To build this historical narrative were consulted Zero Hora newspaper, People's Post and Sports Leaf, the Magazines and Goool Score, celebrating the club's books, articles and the club's website. The tour of the football team was the year that the club has completed 40 years of foundation. The initiative to make the trip marked the history of the Southern Cross as the first soccer club of Rio Grande do Sul to play in Europe and also the first Brazilian to play club competition in Asia. This event revealed the football South Rio Grande abroad and encouraged other Brazilian clubs to seek contact with foreign clubs.

          Keywords: Soccer. History. Sport. Clubs.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 16 - Nº 156 - Mayo de 2011. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O Esporte Clube Cruzeiro é uma associação esportiva que foi fundada nas primeiras décadas do século XX em Porto Alegre, estando diretamente ligado ao processo de construção da cultura do futebol em Porto Alegre. Até 1913, quando foi organizada esta associação de futebolistas, existiam poucos clubes para a prática de futebol na cidade, sendo estes o Grêmio Foot Ball Porto Alegrense, fundado em 1903, o Fussball Porto Alegre (1903) e o Sport Club Internacional, de 1909. Foi justamente um grupo de torcedores do Internacional que fundaram o Esporte Clube Cruzeiro, pois decidiram se afastar do clube porque estavam insatisfeitos com a política de propagação do futebol imposta pela direção.

Tesourinha-Cruzeiro. Partida diante

    O Cruzeiro despontou como a terceira força do futebol porto-alegrense já na década de sua fundação e seguiu com bons resultados. Nos anos de 1918, 1921 e 1922 conquistou o campeonato citadino de futebol e em 1929, além de novamente tornar-se campeão da cidade, o Cruzeiro foi campeão estadual, obtendo assim o reconhecimento como um dos grandes clubes de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.

    Além dos títulos nos campeonatos, o Cruzeiro teve grande marcos na sua história. A construção de sua sede em 1941, o Estádio da Montanha, significou um impulso para a profissionalização do futebol no clube. Além disso, o clube também foi o primeiro a contratar um técnico estrangeiro em Porto Alegre, o húngaro Emeric Hirchl. Porém, o grande feito do Cruzeiro, e que passou a diferenciá-lo dos demais clubes de futebol do Estado, foi o de ser o primeiro clube sul-rio-grandense a excursionar pela Europa e Ásia, onde realizou viagens nos anos de 1953 e 1960, totalizando cerca de 100 jogos internacionais pelos gramados da Ásia, Europa, América Central e de vários países da América do Sul.

    A presente pesquisa tem por objetivo reconstruir a viagem do time de futebol do Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre pela Europa e Ásia, iniciada no final do ano de 1953 e finalizada em janeiro de 1954. O procedimento metodológico adotado foi a pesquisa documental nos jornais Correio do Povo, Zero Hora e Folha Esportiva e as revistas Goool e Revista Placar. Outras fontes históricas de grande importância foram os livros comemorativos do clube: Cruzeiro Monumental (1971) e “Esporte Clube Cruzeiro, 59 Anos” (1972). Após a coleta, foi realizado o tratamento e organização da documentação, cujos dados são descritos nos capítulos que seguem.

A fundação do Esporte Clube Cruzeiro

    Em meados de 1913, a cidade de Porto Alegre ainda passava por processo de construção de uma cultura do futebol e tinha na Rua dos Andradas o local predileto para as reuniões entre amigos, visando as discussões sobre a nova prática esportiva da capital sul-rio-grandense. Estas reuniões ocorriam no conhecido Café Colombo, onde em certo dia do mês de julho um grupo de amigos, cujo maior número era residente no “arrabalde” (atualmente bairro) da Glória, discutiu a respeito da possibilidade da fundação de um novo clube para a prática de futebol. Estes e muitos outros eram freqüentadores do Internacional, porém buscavam um afastamento deste clube devido a insatisfação com a política de propagação do esporte que a direção vinha realizando naquela época (LEMOS & CARVALHO, 1919). De tal encontro resultou a seguinte combinação: cada um dos participantes procuraria mais adeptos, e se reencontrariam depois para a reunião dos “iniciadores”, nome combinado pelos presentes, caso suas idéias se concretizassem.

    Dessa forma, em 14 de julho, surgia o Esporte Clube Cruzeiro, tendo em Arthur do Canto Júnior o seu primeiro presidente. Após ter sido fundado em um dia de comemoração, o Cruzeiro teve a inauguração de seu campo também em outro dia histórico, no dia 7 de setembro de 1913, no arrabalde da Glória. Embora não reunisse condições ideais para a prática do futebol, este campo teve uma grande importância na história do Cruzeiro, tendo sido o marco inicial da nova agremiação, hoje uma das mais tradicionais do Estado (LEMOS & CARVALHO, 1919).

    Mesmo com pouco tempo desde sua fundação, o Cruzeiro já era destacado pelos jornais de Porto Alegre: “Quem viu os primeiros passos do Cruzeiro e tem acompanhado a sua rápida evolução esportiva deve estar hoje radiante de contentamento, pois, como é de justiça dizer, é um clube que se fez e se criou respeitado nome, exclusivamente pelo seu tenaz e admirável esforço próprio” (Jornal Correio do Povo, 14/07/1918, p. 10). Era o ano de 1918, quando o Cruzeiro festejava seu quinto aniversário, quando chegou sua primeira grande conquista: o Campeonato Citadino de Porto Alegre. Tal Campeonato foi conquistado com a equipe formada de “ponta a ponta” por jogadores universitários (SILVA, 1972).

    O Cruzeiro em 1921 tornou-se campeão de futebol do campeonato citadino de Porto Alegre pela segunda vez. A equipe era formada por acadêmicos dos cursos de engenharia, medicina e economia, e por alunos da Escola Preparatória do Colégio Militar (SILVA, 1972). Apesar de ter formado equipes com mais destaque no cenário futebolístico, foi o time de 1929 que conquistou o único título de campeão estadual do Cruzeiro. O ano de 1929 foi vitorioso não só pelo título conquistado, mas também pela campanha irretocável realizada pelo Cruzeiro. Foram realizados 22 jogos pelo Cruzeiro, com 19 vitórias, um empate e apenas duas derrotas, obtidas em jogos amistosos.

    Depois da grande conquista do estadual de 1929 o Cruzeiro passou a década de 1930 honrando sua camisa, demonstrando toda a sua grandeza disputando de igual para igual com as principais equipes da época. Além disso, o Cruzeiro começou a oferecer outros esportes para além do futebol. Houve a organização de uma equipe de atletismo e na seqüência a prática do basquetebol também foi incentivada.

    Até o final da década de 1930, o Cruzeiro treinou no campo do Caminho do Meio, que foi transformado em campo de Pólo no ano de 1938. Então, sem campo para jogar, no ano seguinte se transferiu para a Chácara das Camélias, campo emprestado pelo co-irmão Porto Alegre Football Club (este campo pertenceu ao Clube Nacional conhecido como “Ferrinho”, o Fuss Ball Club), localizado na Rua José de Alencar, Bairro Menino Deus, onde hoje se situa o supermercado Nacional. Vale lembrar que a Chácara das Camélias foi o campo onde o Cruzeiro disputou de forma brilhante as finais do campeonato estadual de 1929. Apesar do significado histórico deste espaço, o Cruzeiro permaneceu por pouco tempo, pois o crescimento do clube exigia um local mais apropriado e, principalmente, maior para que outros esportes fossem também disputados pelo Cruzeiro (GUASTELLI, 2009).

A construção do estádio do Cruzeiro

    Enquanto o Cruzeiro jogava suas partidas na Chácara das Camélias, a diretoria do clube já empreendera a busca por um terreno visando a construção do estádio para o time de futebol. O futebol passava por um momento de profissionalização, e parte dela se dava com o inicio da construção de alguns estádios, como o Estádio Pacaembu, em São Paulo, afim de incentivar a prática do futebol na cidade (PRONI, 2000). O Cruzeiro foi um dos primeiros clubes de Porto Alegre a investir nessa nova fonte de renda.

    A diretoria do Cruzeiro adquiriu um terreno localizado no Bairro Azenha, dando assim, o início das obras do tão sonhado estádio do Cruzeiro. Graças ao grande dinamismo de seus dirigentes, o Cruzeiro deu seu grande salto de qualidade ao inaugurar o Estádio da Montanha, que veio servir de modelo para a capital. A expectativa em torno do estádio era tamanha, que a edição do Jornal Correio do Povo de 16 de março de 1941, apresenta uma manchete de duas páginas que tem como título: “O Cruzeiro inaugurará, hoje, o stadium mais bonito do país”.

    No texto do jornal vale destacar o seguinte fragmento:

    “O Cruzeiro verá concretizado, na tarde de hoje, o seu delirioso “sonho de verão”. Os cruzeiristas, porém, levaram a bom termo a idéia há tempo acariciada, e, hoje à tarde oferecerá à cidade uma dádiva magnífica. Tudo foi cuidadosamente estudado, desde o local aprazível e confortável, até a grandiosidade da obra. Porto Alegre merecia, de há muito tempo o empreendimento do Cruzeiro, esboçado, projetado e executado por uma brilhante plêiade de abnegados associados” (JORNAL CORREIO DO POVO, 16 de março de 1941, p. 14).

    A reportagem referia o estádio que foi construído graças a contribuição dos sócios do clube. “O stadium que, desde os seus primeiros retoques, passou a ser considerado como o “mais bonito do sul do país”, oferecerá bastante conforto, tanto ao público como aos jogadores e a todos os sócios do Cruzeiro” (JORNAL CORREIO DO POVO, 16 de março de 1941, p. 14). A festa de inauguração teve início com a solene benção do arcebispo Dom João Becker ao Estádio da Montanha, na velha “Colina Melancólica”. Muitas solenidades assinalaram a inauguração do estádio. Três bandas compuseram o desfile que teve como porta-bandeira o atleta de futebol laureado Espir Rivaldo, que defendeu o clube por 18 anos consecutivos.

    Um numeroso público se deslocou ao Estádio da Montanha para prestigiar o Cruzeiro que, com o estádio lotado, em um domingo, dia 16/3/1941, registrava nas bilheterias uma das maiores rendas já obtidas na capital: 30 contos de réis. No pórtico de entrada do estádio foram abertas duas placas alusivas à inauguração: uma pelo interventor federal no Rio grande do Sul cel. Cordeiro de Farias e outra pelo São Paulo Futebol Clube. O jogo inaugural do novo estádio foi disputado com o São Paulo.

    O primeiro jogo terminou com uma vitória do Cruzeiro por um a zero sobre a equipe do São Paulo, considerada na época uma das melhores equipes de futebol do País. O único gol da partida, e conseqüentemente o primeiro do novo estádio do Cruzeiro, foi assinalado por Gervásio, aos 36 minutos da etapa final. No intervalo da partida a imprensa foi brindada com taças de champanhe (SILVA, 1972).

    A construção do estádio certamente favoreceu o desempenho do time de futebol, que já tinha perambulado por outros locais, que não eram considerados apropriados para a prática esportiva. De fato, a Montanha, era um estádio grandioso para a época e acabou despertando interesse de uma instituição de ensino superior fundada na capital em 1940: a Escola de Educação Física (ESEF). A ESEF, recém fundada, não tinha sede própria e, por isso enfrentava problemas quanto ao oferecimento das aulas práticas. Diante dessa situação, em 1942, a ESEF firmou parceria com o Cruzeiro que durante alguns anos cedeu suas instalações para a prática esportiva dos alunos e alunas da Escola. As condições do estádio eram tão boas que se cogitou a compra das instalações do clube para alojar a ESEF. A aquisição do clube não se concretizou, mas a ESEF continuou durante alguns anos a parceria com o Cruzeiro (MAZO, 2005).

    O Cruzeiro completava 40 anos de aniversário de fundação no ano de 1953, e se mantinha entre os grandes clubes de futebol de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul. Para além deste significativo acontecimento, o clube realizaria neste ano o seu maior feito. O Cruzeiro decidiu pela realização de uma viagem para a Europa e Ásia, sendo a idéia patrocinada pelo empresário José Gama, que já havia realizado excursões desse tipo com outro clube brasileiro, o Náutico do Recife. Os jogos seriam realizados em dois continentes – Europa e Ásia –, passando por Itália, França, Espanha, Suíça, Turquia e Israel. Com isso, o Cruzeiro seria o primeiro clube sul-rio-grandense a viajar para a Europa e também o primeiro time de futebol brasileiro a jogar na Ásia (SILVA, 1972).

O início da peregrinação do Cruzeiro

    O Cruzeiro, visando se preparar para a viagem e sabendo que enfrentaria grandes desafios com os times locais, foi em busca de reforços. Mas, outubro, o mês para qual estava marcada a viagem, oferecia muitas dificuldades à contratação de jogadores. Sendo assim, manteve-se a base do time, que já contava com bons jogadores.

    No domingo, dia 4 de outubro 1953, o time jogou e perdeu para o Renner de Porto Alegre na disputa do campeonato sul-rio-grandense, o que eximiu suas chances no torneio. Devido a este resultado o Cruzeiro decidiu focalizar somente na excursão (JORNAL CORREIO DO POVO, 04/10/1953, p. 22). Todavia, na rodada seguinte do campeonato no dia 11 de outubro, venceu o Grêmio por dois a um, em um jogo decisivo para o Grêmio que ainda estava na disputa pelo título (JORNAL CORREIO DO POVO, 07/10/1953, p. 11). A conquista deste resultado surpreendente contribuiu para melhorar o entusiasmo dos jogadores, que receberam um ‘’bicho’’(pagamento extra) de 100 cruzeiros pela vitória (JORNAL CORREIO DO POVO, 13/10/1953, p. 14).

    A participação do Cruzeiro estava encerrada, pois a data da excursão estava próxima. No dia 21 de outubro, às vésperas da viagem, o Cruzeiro apresentou despedidas aos jornais da cidade e emissoras de televisão, além de homenagear também o prefeito de Porto Alegre Ildo Meneghetti. Ficou decidido que o clube viajaria em duas turmas para o Rio de Janeiro, local de onde partiria o transatlântico, devido a dificuldade de transporte. O jogador Huguinho falou à imprensa sobre a importância da viagem, manifestou confiança no clube e disse que ele e os jogadores fariam de tudo para honrar o nome do Cruzeiro, apesar de considerar aquele um desafio bastante árduo (JORNAL CORREIO DO POVO, 21/10/1953, p. 9).

    A excursão do Cruzeiro começou no dia 22 de outubro de 1953, partindo de Porto Alegre com uma delegação composta de aproximadamente 35 pessoas, entre os quais estavam dirigentes, jogadores e algumas esposas (JORNAL CORREIO DO POVO, 22/10/1953, p. 10). A delegação chegou ao Rio de Janeiro no dia 23 de outubro, sexta-feira, e foi hospedada no estádio São Januário do Vasco da Gama (JORNAL CORREIO DO POVO, 23/10/1953, p. 12). O Cruzeiro permaneceu no Rio de Janeiro até o dia 25 de outubro, quando embarcou para a Europa no transatlântico Giulio Cesare com destino à Espanha, realizando antes estadia em Dacar, no Senegal (JORNAL CORREIO DO POVO, 30/10/1953, p. 10). O grupo passaria o natal em Istambul e o ano novo em Alger, como hotéis nomeados pelo jornal, a fim de que as famílias enviassem suas correspondências aos atletas e membros da delegação (JORNAL CORREIO DO POVO, 25/10/1953, p. 20). Depois a delegação seguiria viagem para iniciar a série de jogos amistosos pela Europa, começando pela Espanha.

O Cruzeiro joga na Espanha, França, Itália e Suiça

    Na Espanha estava previsto que o Cruzeiro enfrentaria o Deportivo Espanhol, clube da região da Catalunha, no dia 8 de novembro, porém chegando no país, a delegação foi recebida com uma péssima notícia: não haveria jogos em Barcelona (JORNAL CORREIO DO POVO, 06/11/1953, p. 10). O jogo marcado com o Deportivo Espanhol tinha sido cancelado, o que causou indignação da delegação, que estimava gastos de aproximadamente 120.000 cruzeiros. O principal alvo de críticas foi o empresário José Gama, acusado de ter espírito aventureiro, e, pelo que constava nas informações, já havia cometido a mesma falha com o time do Náutico quando realizou semelhante excursão.

    Diante do imprevisto, a direção do Cruzeiro resolveu assumir as rédeas da situação e revelou que o próximo compromisso seria o jogo contra o Real Madrid, grande time europeu, no dia 8 de novembro de 1953 (JORNAL CORREIO DO POVO, 07/11/1953, p. 11). As manchetes do jornal Correio do Povo anunciavam: “Drapejará hoje num estádio europeu, pela primeira vez a bandeira de um clube de futebol do RS, a estrelada do Esporte Clube Cruzeiro” (JORNAL CORREIO DO POVO, 8/11/1953, p. 21). O time do Real Madrid estava desfalcado para o jogo, pois alguns atletas estavam na seleção espanhola. Mesmo assim, contava com grandes astros do futebol europeu, entre eles, Di Stéfano e Olsen.

Cruzeiro x Real Madrid

    O Cruzeiro treinou no estádio Chamartin às vésperas do jogo. No dia 10 de novembro de 1953, o jornal Correio do Povo saudava o Cruzeiro pelo empate conquistado diante do Real Madrid por 0 a 0 (JORNAL CORREIO DO POVO, 10/11/1953, p. 15). O Real Madrid teve um desempenho tecnicamente melhor no jogo, o que já era esperado, pela qualidade de seus jogadores. Mais cansado, por ocasião da viagem, o Cruzeiro encontrou dificuldades com o gramado local, o qual os jogadores do Real Madrid já estavam mais acostumados. Porém, o Cruzeiro se defendeu muito bem e obteve o empate, que foi muito comemorado pela boa atuação do sistema defensivo, destacando-se a atuação do goleiro La Paz do Cruzeiro, e ao final das contas por se tratar de uma equipe do porte do Real Madrid. O estádio contava com metade do público total, devido ao jogo da seleção espanhola, que dividiu a atenção do público.

    O próximo compromisso seria contra o time do Tolouse, na França (JORNAL CORREIO DO POVO, 11/11/1953, p. 9). O Tolousse era o terceiro colocado no campeonato francês e o Cruzeiro entraria em campo com os mesmos jogadores do jogo contra o Real Madrid. Apesar das boas atuações dos jogadores Laerte e Casquinha, o Cruzeiro perdeu por dois a zero para o time francês. Num lance acidental, Valtão acabou se chocando com o adversário e machucando o nariz, fato que pode ter prejudicado a atuação do time (JORNAL CORREIO DO POVO, 12/11/1953, p. 13). Após o mal resultado na França, o objetivo do Cruzeiro era buscar um saldo melhor na Itália, contra o Torino, recuperando-se da derrota (JORNAL CORREIO DO POVO, 15/11/1953, p. 26).

    No jogo contra o Torino, a disputa acabou empatada em zero a zero. Porém, o Cruzeiro jogou melhor e chegou a colocar a bola na trave por quatro vezes. A atuação foi destacada como sendo a melhor até aquele momento da excursão (JORNAL CORREIO DO POVO, 17/11/1953, p. 16). O estádio estava lotado e o bom desempenho do time arrancou aplausos da torcida adversária ao final do jogo.

    No dia 18 de novembro, foi noticiado que o Cruzeiro disputaria alguns jogos na Suíça, dependendo apenas de um acerto com o empresário José Gama. (JORNAL CORREIO DO POVO, 18/11/1953, p. 11). A notícia se confirmou e o Cruzeiro realizou seu quarto desafio na Europa, goleando o Laussane, terceiro colocado do campeonato suíço, por cinco a dois. O jogador Nardo fez dois gols, Ferraz, Huguinho e Hoffmeister também marcaram. O bom público que compareceu aprovou o espetáculo realizado e a embaixada brasileira na Suíça enalteceu a atuação do clube no jogo (JORNAL CORREIO DO POVO, 24/11/1953, p. 16).

    Ainda faltava o jogo do Cruzeiro na Itália contra o time da Lazio previsto para o mês de dezembro. O jogo contra o Lazio da Itália era o último compromisso do cruzeiro na Europa (JORNAL CORREIO DO POVO, 02/12/1953, p. 11). Nesse mesmo período, uma notícia triste surpreendeu a todos. Vítima de um ataque cardíaco, o esportista Rivadavia Prates, membro da delegação, faleceu. Este acontecimento repentino causou um forte abalo no grupo, que se não tivesse assumido compromisso de jogos regressaria de imediato. O corpo do esportista foi encaminhado de avião para Porto Alegre, onde seria sepultado, por iniciativa do ministro brasileiro da época, João Goulart.

    O jogo com o Lazio acabou empatado em zero a zero e assim, totalizava-se o terceiro empate do Cruzeiro na excursão, os outros haviam ocorrido contra Real Madrid da Espanha, e Torino, também da Itália. A Lazio era vista como uma das melhores equipes da Itália na época e o jogo foi assistido por cerca de 15.000 espectadores, num dia ensolarado (JORNAL CORREIO DO POVO, 03/12/1953, p.12). Segundo o jornal, o Cruzeiro atuou melhor nesse jogo, perdendo alguns gols e tendo um gol do jogador Ferraz anulado.

    A atuação na Itália teve ótima repercussão, inclusive entre jornais italianos, que teceram elogios ao empate, e enfatizaram as defesas do goleiro La Paz e das performances individuais dos jogadores Laerte e Casquinha. Além disso, afirmaram que o Cruzeiro era um dos melhores times sul-americanos que já haviam jogado na Itália (JORNAL CORREIO DO POVO, 04/12/1953, p. 12). Após os bons resultados obtidos em sua passagem pela Europa, o Cruzeiro viajaria para Turquia e Israel, realizando a inédita excursão pela Ásia.

O Cruzeiro chega à Turquia e Israel

    No dia 5 de dezembro, o Cruzeiro embarcava de avião para Tel-Aviv, capital de Israel, onde realizaria três apresentações no mês de dezembro, nos dias nove, 16 e 19 (JORNAL CORREIO DO POVO, 05/12/1953, p. 11). No dia seis a delegação desembarcou e já no dia oito realizou seu primeiro treino nas terras desconhecidas. O treino foi realizado no estádio de Ramatgan, onde também seria realizado o principal jogo no país, contra o campeão nacional Maccabi Haifa. Os jogadores do Cruzeiro foram elogiados pelo treinador da seleção de Israel, principalmente pela sua habilidade técnica (JORNAL CORREIO DO POVO, 08/12/1953, p. 18).

    O Cruzeiro de Porto Alegre era o primeiro time brasileiro a jogar em Israel, e as manchetes estampavam tal feito (JORNAL CORREIO DO POVO, 09/12/1953, p. 8). O jogo era aguardado com expectativa por ambas as partes e se configurou como um grande espetáculo diante de um público estimado em 25.000 pessoas. O Cruzeiro derrotou o Maccabi Haifa, campeão da Liga Israelense por dois a um, no estádio olímpico de Ramatgan. O jogador Huguinho foi o destaque, marcando dois gols na partida que foi muito disputada (JORNAL CORREIO DO POVO, 10/12/1953, p. 14).

    O próximo confronto do Cruzeiro seria contra o Petak, uma equipe considerada mais fraca que o Maccabi Haifa (JORNAL CORREIO DO POVO, 12/12/1953, p. 14). No entanto, o jogo contra o Petak acabou empatado em zero a zero, o que de certa maneira surpreendeu a todos, tendo em vista que não se esperava muita reação do adversário. Após este jogo circulavam notícias de que o Cruzeiro enfrentaria a seleção de Israel, que disputava as eliminatórias para a copa do mundo (JORNAL CORREIO DO POVO, 15/12/1953, p. 16).

    O jogo não ocorreu, mas o Cruzeiro jogou contra o time que liderava o campeonato local, o Hapoel, e saiu-se muito bem, derrotando o clube do país pelo resultado expressivo de cinco a zero (JORNAL CORREIO DO POVO, 16/12/1953, p. 11). Após a vitória, no mesmo dia o time para embarcou à noite para a Turquia, despedindo-se de Israel. A atuação em Israel foi considerada muito satisfatória, pois o Cruzeiro não sofreu derrotas.

    Em Istambul, na Turquia, o compromisso do Cruzeiro era a realização de quatro partidas na capital, nos dias 15, 20, 26 e 27 de dezembro. O primeiro jogo seria contra o líder do campeonato, Bechiktache (JORNAL CORREIO DO POVO, 19/12/1953, p. 13). Com gols de Huguinho e Rudimar, este jogo terminou empatado em dois a dois, com uma boa exibição do Cruzeiro (JORNAL CORREIO DO POVO, 20/12/1953, p. 28). O próximo desafio seria contra o Fenerbahçe, já no dia seguinte. Talvez pela falta de tempo para a recuperação dos atletas de uma partida para outra, além do frio intenso, o Cruzeiro acabou derrotado nesta partida. Não jogou bem, parecendo realmente um time cansado (JORNAL CORREIO DO POVO, 22/12/1953, p. 22).

    Em mais uma partida na Turquia, o Cruzeiro sofreu nova derrota, desta vez por cinco a dois, para o Fenerbahçe, campeão turco da época (JORNAL CORREIO DO POVO, 29/12/1953, p. 12). O time do Cruzeiro encerraria sua participação na Turquia com uma vitória, contra o time mais popular do país, o Galatasaray. A vitória foi construída com dois gols de Huguinho e um de Ferraz, o gol da vitória. Um fato curioso marcou a partida. O time do Cruzeiro abandonou o gramado aos 33 minutos do segundo tempo por conta de possíveis erros da arbitragem, entre eles, a expulsão de um jogador do Cruzeiro (JORNAL CORREIO DO POVO, 31/12/1953, p. 12). Da Turquia o Cruzeiro seguiria para a Espanha, onde realizaria seus últimos jogos, antes do retorno ao Brasil.

    Os últimos jogos do Cruzeiro antes do retorno ao Brasil foram realizados na Espanha, local do começo da excursão. O primeiro dos jogos, que teve como adversário o Espanhol de Barcelona, foi vencido pelo Cruzeiro por quatro a dois, com dois gols de Huguinho, três de Laerte e um de Jarico. De acordo com o jornal quase 25 mil pessoas assistiram ao espetáculo (CORREIO DO POVO, 1954).

    Dias após a vitória do Cruzeiro sobre o Espanhol, surge a notícia de que o treinador do time catalão, maestro Scopelli, havia ‘’rasgado’’ elogios ao time brasileiro. Scopelli foi um grande jogador argentino, que fez história no Independiente, clube da Argentina, e mais tarde tornou-se ídolo no futebol francês. Na época, cronista e treinador, Scopelli definiu o Cruzeiro como uma equipe de magnífica movimentação e ótimo futebol, merecedora da vitória sobre o seu time. Além disso, afirmou ser uma das equipes mais leais para jogar que já havia visto. Lembrou ainda da importância desse tipo de contato, entre times sul-americanos e europeus, declarando que se não ocorressem mais seria um desperdício de bons espetáculos para europeus e brasileiros, que necessitam desse tipo de enfrentamento para o amadurecimento de suas associações de futebol (JORNAL CORREIO DO POVO, 14/01/1953, p. 12).

    O jogo de despedida do Cruzeiro nos gramados europeus foi uma revanche pedida pelo Espanhol, que já havia sido derrotado (JORNAL CORREIO DO POVO, 15/01/1954, p. 10). Apesar da tentativa do time catalão de vingar a última derrota, o Cruzeiro venceu novamente por dois a um com gols de Huguinho e Ferraz. Consta que 22 mil pessoas assistiram ao jogo de despedida do cruzeiro da Europa.

    Após uma trajetória longa e cansativa na Europa e Ásia, com mais sucessos que insucessos, o Cruzeiro de Porto Alegre iniciava sua viagem de volta para o Brasil, com seis vitórias, cinco empates e três derrotas na bagagem. Quando o time viajou, em outubro, muitos consideraram a iniciativa arriscada e até mesmo um desatino dos dirigentes. Contudo, o Cruzeiro insistiu e foi em frente. Contou com algumas surpresas ruins como o jogo que não ocorreu, em Barcelona, acarretando prejuízo para a delegação, e o falecimento do membro da delegação Rivadavia Prates durante a excursão. Mas também foram diversos momentos de sucesso. O fracasso contra o Tolousse da França foi amenizado pelo empate na Itália contra o Torino e seguidas vitórias. Portanto, o Cruzeiro foi além das expectativas com a excursão, aumentou a glórias dos brasileiros no exterior e abriu caminhos para o futebol regional em centros de importância mundial (JORNAL CORREIO DO POVO, 16/01/1954, p. 11).

O retorno do Cruzeiro a Porto Alegre

    A chegada do Cruzeiro era esperada para o dia 28 de janeiro a bordo do transatlântico Augustus (JORNAL CORREIO DO POVO, 23/01/1954, p. 11), mas no dia 20 de janeiro, a delegação já estava viajando de volta ao Brasil, onde era esperada com diversas festividades, oradores, banda de música da Brigada Militar, foguetes, rojões etc. (JORNAL CORREIO DO POVO, 20/01/1954, p. 9). Foram ao Rio de Janeiro recepcionar a delegação, Ernesto Beck e Belmiro Terra, respectivamente, patrono e vice-presidente eleito do Cruzeiro. Planejava-se um jogo comemorativo no Rio de Janeiro contra o Flamengo, organizado pelo empresário José Gama, porém o jogo mais tarde fora cancelado e, um amistoso contra a seleção gaúcha de futebol, ficou marcado para o dia três de fevereiro no estádio da Montanha.

Festa no retorno do Cruzeiro a Porto Alegre

    Em Porto Alegre, já tinha sido programada para o Cruzeiro a recepção merecida com homenagens à campanha do Cruzeiro na Europa e Ásia. Segundo o planejado, a recepção começaria no aeroporto e terminaria em frente à Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre. Diversos oradores enalteceriam os feitos do clube, e o prefeito da capital, Ildo Meneghetti seria convidado para dar boas vindas à delegação em nome da cidade. Além disso, era esperado um grande número de automóveis e inclusive recepção a bordo de um dos navios da companhia costeira, oferecido pelo esportista Henrique Aveline, um dos mais antigos associados do Cruzeiro.

    Depois do retorno ao Brasil, um dos primeiros associados do Cruzeiro, Felipe Jeanselme, proferiu palavras sobre a excursão e a chegada da delegação, exaltando o grande entusiasmo que a delegação mantinha após a viagem, que sem dúvidas excedeu completamente todas as expectativas com relação aos resultados e o sucesso que o clube alcançou. A festa era merecida:

    O entusiasmo reinante excedeu a expectativa. Moços e velhos movimentam-se com entusiasmo no sentido de que a manifestação a gloriosa embaixada cruzeirista seja coroada de pleno êxito. A festa ao Cruzeiro é a mais merecida possível. Todos os componentes da embaixada, como já disse, honraram sobre maneira o esporte da nossa terra e são credores de nosso respeito e admiração. Daí o entusiasmo e os preparativos para a recepção que esperamos seja a expressão do nosso sentimento e do nosso entusiasmo. Hoje, é um dia de festa para o esporte sul-rio-grandense e, especialmente para os elementos do Cruzeiro. Para mim, por exemplo, a chegada do Cruzeiro jamais se apagará de minha retina. Regressaram aos pagos velhos amigos, moços idealistas, que fora de nossas terras honraram o futebol sul-rio-grandense e o esporte brasileiro (JORNAL CORREIO DO POVO, 28/01/1954, p. 11).

    O Internacional prestou uma homenagem à chegada do Cruzeiro, colocando na fachada de sua sede uma faixa com a seguinte mensagem: “Os campeões saúdam o valoroso E. C. Cruzeiro”. No aeroporto, a banda da brigada militar realizava marchas festivas, e o público se aglomerava. Eram aproximadamente 18 horas quando o avião trazendo a delegação pousou no aeroporto Salgado Filho. Um dos primeiros a descer foi o presidente Pinheiro Machado Netto, visivelmente emocionado. Após o desembarque, a delegação partiu para o desfile, acompanhada da multidão, passando pelas avenidas Farrapos, Ramiro Barcelos, Cristóvão Colombo, Barros Cassal, Avenida Independência e Rua dos Andradas, chegando finalmente a Praça da Alfândega. Na ocasião, Pinheiro Machado Netto, presidente do Cruzeiro fez uma declaração emocionada exaltando o feito do clube e agradecendo a calorosa recepção. (JORNAL CORREIO DO POVO, 29/01/1954, p. 10).

    Na mesma data, uma homenagem foi prestada pelo presidente da Federação Rio-Grandense de Futebol, Otavio Abreu da Silva Lima, ao Cruzeiro. O último compromisso do Cruzeiro após seu retorno estava confirmado, o amistoso contra a seleção gaúcha no estádio da montanha. Antes do jogo, jogadores e comissão técnica receberam medalhas como homenagem à excursão. Numa disputa acirrada e por vezes violenta contra a seleção gaúcha, o Cruzeiro saiu de campo derrotado por quatro a dois, chegando a estar a frente do placar por duas vezes no jogo (JORNAL CORREIO DO POVO, 05/02/1954, p. 9).

    Assim, encerravam-se os compromissos do Cruzeiro e, um novo ano, com outros desafios, estava colocado. O Esporte Clube Cruzeiro regressaria ao exterior novamente no ano de 1960. Nessa excursão, o Cruzeiro se sagrou campeão do torneio de páscoa de Berlim, na Alemanha. Certamente que as excursões do Cruzeiro pelo mundo contribuíram para o fortalecimento do clube que está a poucos anos de tornar-se centenário no futebol brasileiro.

Considerações finais

    No começo do século XX havia poucas agremiações para a prática do futebol, porém em 1913 foi fundado o Cruzeiro, que desde seus primórdios já demonstrou sua grandeza. Logo nos primeiros anos o Cruzeiro já mostrou seu espírito inovador propondo a criação da categoria dos filhotes, oferecendo oportunidade aos garotos de praticarem o futebol, como também formando novos jogadores. Também propôs a inclusão de jogadores estrangeiros nas equipes sul-rio-grandense, com a condição que o mesmo estivesse morando no país há pelo menos um ano.

    Em seus primórdios o Cruzeiro também foi o pioneiro numa criação, que repercutiu muito entre seus co-irmãos, criaram as categorias inferiores (infanto-juvenil e juvenil) e não demorou muito tempo em sugerir à presidência da Liga de Futebol Porto alegrense que fosse organizado um campeonato só para os meninos. Os demais clubes apoiaram a medida e tratarem também de preparar seus quadros de garotos, demonstrando a força do Cruzeiro dentro da organização de clubes no estado.

    Já no quinto ano de fundação o Cruzeiro conquistou o seu primeiro campeonato em 1918, o Campeonato Citadino de Porto Alegre, e depois ganhou mais três vezes esta competição, sendo a última no ano de 1929, quando o Cruzeiro se sagrou também campeão estadual. Nos anos seguintes, o Cruzeiro consolidou-se como um dos grandes times de futebol da capital. Na década de 1940, o Cruzeiro realizou grandes disputas com as duas potências do futebol porto-alegrense, o Grêmio e o Internacional.

    Ao conjeturar a história do Cruzeiro é possível perceber duas fases, sendo o limite dessas marcado pela construção do Estádio da Montanha. A construção do estádio próprio permitiu o começo do processo de profissionalização do clube, que acabou posicionando-se como terceiro time da capital. Durante essa profissionalização o Cruzeiro trouxe o primeiro técnico estrangeiro do futebol sul-rio-grandense, o húngaro Emeric Hirchl. E, a vinda deste técnico favoreceu a chegada de jogadores estrangeiros no clube, a dupla de atacantes italianos Flamini e Lombardini.

    Desde os primeiros anos, o Cruzeiro já se mostrava um clube que apresentada novidades no cenário do futebol. A viagem para a Europa e Ásia em 1953, também veio confirmar esta característica do clube. Foi um grande feito do Cruzeiro considerando a época e situação do esporte no país ser o primeiro sul-rio-grandense e excursionar pela Europa e o primeiro brasileiro a jogar na Ásia.

    Foram basicamente quatro meses que o Esporte Clube Cruzeiro esteve envolvido com a excursão: outubro, novembro e dezembro de 1953, e janeiro de 1954. A cobertura dada pela imprensa foi importante para divulgar o fato, apesar de ressalvar-se que algumas notícias dos jornais da época pareciam exaltar em demasia o Cruzeiro. As reportagens, sobre a excursão quase sempre estampavam o caderno de esportes dos jornais, confirmando que, ao menos a imprensa porto alegrense valorizava o sucedido. É importante lembrar a presença na delegação do cronista Ari dos Santos, responsável pelas reportagens da viagem para os jornais Correio do Povo e Folha da Tarde. Sem sua presença na delegação, certamente seria mais difícil encontrar fontes sobre a excursão.

    Durante a excursão, o time conquistou vitórias, mas também enfrentou dificuldades, como por exemplo, jogos que foram desmarcados, despesas desnecessárias e a principal baixa, que foi a morte do esportista Rivadavia Prates. Porém, os pontos positivos foram maiores do que os negativos para o Cruzeiro. Na questão do futebol, obteve sucesso contra time de expressão no cenário futebolístico mundial. Enfrentou o Real Madrid, considerado na época a melhor equipe do mundo, assim como outros times reconhecidos mundialmente: Lazio, Torino e Galatasaray. A excursão acabou sendo um sucesso, com ótimos resultados para o clube e na divulgação do futebol brasileiro no exterior.

    A recepção da delegação na chegada a Porto Alegre foi outro fato marcante, visto que as ruas, pelo que se observou nas fotos, estavam repletas de pessoas, algumas muito eufóricas, aplaudindo o Cruzeiro. Foi possível perceber também, principalmente no retorno do Cruzeiro para Porto Alegre, que as pessoas que viveram aquele momento estavam orgulhosas. Algumas por serem torcedoras do clube, mas outras, simplesmente pelo fato de serem sul-rio-grandenses, e terem visto um time de seu Estado alcançar resultados expressivos na exterior.

Referências

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  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro empatou mais uma vez sem escore. Porto Alegre, 03 dez. 1953, p. 12.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro empatou ontem e joga hoje novamente. Porto Alegre, 20 dez. 1953, p. 28.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro está viajando. Porto Alegre, 20 jan. 1954, p. 9.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro estreará amanhã em Israel. Porto Alegre, 08 dez. 1953, p. 18.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro estreará hoje à tarde na Turquia enfrentando o líder. Porto Alegre, 19 dez. 1953, p. 13.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro estreou em Tel-Aviv com uma vitória: 2x1. Porto Alegre, 10 dez. 1953, p. 14.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro inicia hoje sua grande excursão. Porto Alegre, 22 out. 1953, p. 10.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro obteve brilhante empate no jogo de estréia. Porto Alegre, 10 nov. 1953, p. 15.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro obteve ontem espetacular triunfo em Israel. Porto Alegre, 16 dez. 1953, p. 11.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro soube honrar o futebol gaúcho e brasileiro. Porto Alegre, 16 jan. 1954, p. 11.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro teve, domingo, seu melhor desempenho na Europa. Porto Alegre, 17 nov. 1953, p. 16.

  • JORNAL CORREIO DO POVO. O Cruzeiro venceu a ‘’crise do empresário’’ e estreará amanhã frente ao Real Madrid. Porto Alegre, 07 nov. 1953, p. 11.

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Fotos: Algumas imagens das partidas do Cruzeiro e do retorno da equipe a Porto Alegre após a viagem. Todas as imagens possuem como fonte: Acervo do Esporte Clube Cruzeiro, disponível no site oficial do clube.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 16 · N° 156 | Buenos Aires, Mayo de 2011  
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